sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A consciência de Cunha – Editorial / Folha de S. Paulo

• Presidente da Câmara pretende manter cargo mesmo com denúncia no STF; caso se torne réu, situação será insustentável

Há dez anos e por muito menos, o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou ao comando da Casa e ao próprio mandato parlamentar. Era acusado de cobrar um "mensalinho" do dono de um restaurante no Congresso –R$ 10 mil em dinheiro da época.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) certamente não é Severino. Em estatura política e capacidade de articulação, seria até injusto comparar o peemedebista com o pepista.

Mas também seria injusto com o folclórico "rei do baixo clero" equiparar as falcatruas de 2005 aos esquemas que, no entender da Procuradoria-Geral da República, contam com a participação do belicoso deputado fluminense.

A crer no depoimento do lobista Julio Camargo, colhido no âmbito de um acordo de delação premiada, Cunha exigiu US$ 5 milhões para facilitar negócios da empresa sul-coreana Samsung Heavy Industries com a Petrobras.

O deputado nega ter recebido propina, mas a PGR levou o caso adiante. Nesta quinta-feira (20), Rodrigo Janot apresentou ao Supremo Tribunal Federal sua denúncia (acusação formal) contra Cunha, descrevendo na peça os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Embora o ex-presidente da República e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL) também seja alvo da iniciativa, todas as atenções se voltam para o peemedebista. Perderá aliados? Aumentará a pressão sobre o governo federal?

Questões dessa ordem se impõem quando alguém como Cunha capitaneia a Câmara. Afinal, o presidente da Casa tem o poder não só de pautar a agenda legislativa mas também de dar sequência a pedidos de impeachment.

Enquanto tais perguntas permanecem sem resposta, o deputado fluminense tratou de dissolver outra dúvida que surgia: não pretende desistir de seu mandato nem renunciar ao cargo que hoje ocupa.

Sem que haja ordem judicial em sentido diverso –nem mesmo se formulou pedido dessa natureza–, Cunha pode tomar a decisão que considerar mais adequada politicamente. À diferença de Severino Cavalcanti, o peemedebista não deixou de ter ascendência sobre a maior parte de seus colegas.

A situação será outra, no entanto, se o plenário do STF julgar que existem elementos suficientes para receber a denúncia, dando início ao processo penal.

Nessa hipótese, para que seus atos não mereçam sempre dupla interpretação e para que a imagem da Câmara dos Deputados não se confunda com a de uma figura no banco dos réus, Eduardo Cunha precisará deixar o comando da Casa. Espera-se que ele e seus pares tenham consciência disso.

Nenhum comentário: