quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A estratégia passou a ser pular do barco

• Brasília viveu uma quarta-feira diferente, com ares de 1992 e clima de "agora tudo pode acontecer"; Lava-jato é hoje maior do que o governo

Alan Gripp – O Globo

Um pouco de tudo já se viu nos sete meses ininterruptos de crise política do segundo governo Dilma. Porém, dois episódios ocorridos ontem mostraram que algo diferente estava no ar.

No primeiro, Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, aproveitou a passagem pelo Congresso para, num arroubo de humildade, fazer um surpreendente mea-culpa. Disse que o governo cometeu erros, falou em um "acordo suprapartidário" e fez afagos no eterno inimigo PSDB. "Vocês têm experiências importantes na administração de estados e do Brasil", afirmou.

Quem conhece Mercadante sabe o quão improvável foi aquele comportamento. Durante toda a crise, o ministro foi alvo de dez entre dez aliados do governo, que consideram-no arrogante e intransigente na relação com a base, para usar adjetivos suaves.

No segundo, o vice Michel Temer, invocando o papel de articulador político, fez um apelo pela governabilidade. Chegou a citar três vezes numa mesma frase a palavra "grave" e, no momento mais dramático, afirmou: "É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos. Caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável".

Quem conhece Temer sabe o quão improvável foi aquele comportamento. Conhecido pela calma que falta a muitos de seus correligionários, o vice estava visivelmente nervoso. Vinha de uma conversa com a presidente Dilma, em que relatou as queixas que acabara de ouvir de líderes aliados no Congresso, num tom acima do normal.

Dali em diante, a base do governo, já em frangalhos, começou formalmente a ruir. O PDT anunciou que adotará independência na Câmara. Deputados do PTB declararam rompimento com o governo. O PCdoB quer uma reforma ministerial.

Os partidos sabem que o agravamento da crise é inevitável. Com novas delações premiadas a caminho, não há controle possível sobre a Lava-Jato, se é que um dia houve. A Lava-Jato é hoje maior do que o governo. E a estratégia, que até agora parecia ser observar cautelosamente a gestão Dilma respirando por aparelhos, passou a ser pular do barco.

Na política, é sempre prudente não tirar conclusões apressadas. Mas as cenas desta quarta-feira fizeram Brasília reviver os ares de 1992 e deixaram no ar um clima de "agora tudo pode acontecer".

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