quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Jarbas de Holanda - Do ajuste fiscal de Levy à “agenda” proposta por Renan

Muita coisa mudou, e segue mudando, de lá para cá. Da escolha do ortodoxo Joaquim Levy para o comando de um duro ajuste fiscal, após um tenso processo de convencimento da presidente reeleita pelo padrinho Lula de que o novo governo dependia disso. Daí até a situação atual, em que a continuidade do mandato de Dilma passa a depender da “Agenda Brasil”, articulada pelos caciques do PMDB que controlam o Senado e pelo vice-presidente Michel Temer. Com subordinação (garantida por Lula) de uma presidente tutelada por eles. Como alternativa a um impeachment ou renúncia dela.

O descalabro das contas públicas teve uma dimensão bem maior do que aquela que Levy calculava e seu enfrentamento implica custos e tempo muito mais amplos que os previstos inicialmente. A contração da economia ganha uma escala de estagflação – queda do conjunto das atividades produtivas e dos níveis de emprego e renda, de par com uma inflação que se aproxima dos dois dígitos (turbinada pelas consequências do represamento eleitoreiro de tarifas e exigindo juros astronômicos). E persiste, acentuando-se, a desconfiança e o pé atrás, dos investidores em relação ao governo – à sua estabilidade e a seus objetivos pós-ajuste. O que entrava e retarda perspectivas de reanimação dessas atividades. Todas essas variáveis potencializadas por aguda crise política, na qual se destacam as seguintes facetas: os conflitos entre o Congresso e um Executivo fragilizado pela implosão da base parlamentar de apoio; elevados índices de rejeição social a ela, a seu partido e a Lula; e os incontroláveis desdobramentos da operação Lava-Jato (envolvendo os três governos do partido, inclusive o ex-presidente, e o financiamento das sucessivas campanhas presidenciais, inclusive da última campanha).

Da iniciativa de lançamento da “Agenda Brasil” podem ser identificados os objetivos que seguem. No plano político-institucional, utilizar o peso do PMDB no Congresso, por extensão no TCU, e na vice-presidência, seja para assegurar a continuidade de Dilma num governo sob controle da cúpula do partido, seja para substituí-la pelo vice, nos casos de renúncia ou impeachment; aproveitar esse peso para o preparo de candidatura presidencial própria em 2018; e explorá-lo para a redução dos danos do grande desgaste com a operação Lava-Jato (decorrentes de forte participação nos escândalos na Petrobras, na Eletrobrás e outros órgãos da máquina federal nos governos petistas). A tentativa de contenção de tais danos foi ingrediente importante para o entendimento com Lula e a presidente Dilma, tendo em vista a criação de condições que propiciem – senão um freio às investigações dessa operação, que parece impossível – o esvaziamento ou reversão das decisões nos tribunais superiores. Cabendo ainda assinalar que a prometida unificação do PMDB, contida na “Agenda”, ignora ou atropela as posturas oposicionistas e anti-PT predominantes na bancada da Câmara, e implicitamente pressupõe a entrega da cabeça do presidente da Casa, Eduardo Cunha, em troca da busca de proteção às de outros líderes da legenda também investigados pela Lava-Jato, com destaque para Renan Calheiros.

Já no plano da economia, a agenda lançada pelo presidente do Senado tem como maior objetivo desarmar a desconfiança dos agentes econômicos em relação ao governo petista, por meio das propostas de um pós-ajuste fiscal de conteúdo pró-mercado. Objetivo que, embora configure em esgotamento do ciclo de gestões petistas, foi acolhida de pronto por Lula e por Dilma, como tábua de salvação do governo. E agenda que, malgrado a montagem improvisada, os pontos polêmicos e de difícil viabilidade política e institucional, foi recebida por grande parte do mercado como uma possibilidade de respostas às crises política e econômica e à falta de perspectiva de soluções. Cabendo registrar que a iniciativa incluía possível apoio do PSDB, ou de parcela de suas lideranças, à implementação da nova agenda, num governo encabeçado por Michel Temer, ou numa reestruturação do atual comandada pelo PMDB.

Tal recepção, favorável, está sendo reavaliada por uma sequência de fatos desta semana que acentuam o isolamento da presidente e os previsíveis altos custos – econômicos e sociais – com a manutenção do mandato até 2018. A amplitude nacional das manifestações de domingo, com seu foco contra Dilma e Lula e no respaldo do juiz Sérgio Moro. A unificação das lideranças do PSDB em torno do afastamento da presidente. No Congresso, ao invés de recomposição da base de apoio, o Executivo teve de render-se a Eduardo Cunha e sua aliança oposicionista para evitar uma derrota, ainda maior, na votação do projeto que muda a correção dos recursos do FGTS, após o Senado retardar, mais uma vez, decisão a respeito da reoneração das folhas de pagamento das empresas. Por outro lado, o STF e o STJ negaram recursos de Renato Duque e Fernando Baiano, que, assim, podem caminhar para delações premiadas. E, por tudo isso, sobretudo pelas reações sociais contra o “acordão de cúpula” do PMDB com o governo, a ambígua “Agenda Brasil” de Renan pode distanciar-se deste, nas perspectivas de renúncia ou do impeachment exclusivo de Dilma.

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Jarbas de Holanda é jornalista

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