quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Maria Cristina Fernandes - Termo de ajustamento de conduta

Valor Econômico

Num trecho que passou desapercebido na carta de intenções da semana, o grupo de senadores do PMDB capitaneado pelo presidente da Casa, Renan Calheiros, propõe um 'TAC Fiscal'. É por meio do termo de ajustamento de conduta, incorporado ao juridiquês na década de 1990, que interesses em conflito se comprometem, perante o Ministério Público, a cumprir condições para resolver pendengas antes de sua judicialização.

O 'TAC Fiscal' se destinaria a rever as vinculações orçamentárias que hoje garantem os recursos à saúde, educação e Previdência, por exemplo, para dar mais flexibilidade ao gasto público ou, na expressão do documento, 'zerar o jogo'.

O ato falho pemedebista não é apenas o reconhecimento simbólico da invasão da política e da economia pelo Judiciário. Está em curso um termo de ajustamento de conduta parlamentar ao jogo montado para garantir a continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff.

O TAC pemedebista propõe uma revisão do pacto social da Constituição de 1988, mas sua inserção na agenda tem um simbolismo que a transcende. É a tentativa de o partido se firmar como o catalisador de um novo capítulo da política nacional, marcado pelos acordos de leniência das empresas da Lava-Jato e pela condenação do mito petista trancafiado em Curitiba, de que a redenção dos oprimidos justifica a rapina.

A economia precisa de novos operadores na política para continuar a girar. Há pedágios a pagar, desde multas e cessão de fatias de mercado a empreiteiras estrangeiras, até a calibragem do fisco sobre o sistema financeiro, berço dos verdadeiros campeões nacionais. Mas não há mudança de rota significativa na economia, a não ser na apropriação mais concentrada da riqueza, que é anterior ao reinado de Sergio Moro e explica, em grande parte, o precipício petista.

O que está em curso é uma troca de mediadores. A afoiteza com que se pretendeu abreviar o mandato de Dilma ignorou os regimentos da política e levou à cartada do partido que pretende repactuar esta mediação. Foi sobre o PSDB que o PMDB avançou. E para isso precisa manter a presidente no cargo.

Os tucanos têm tudo para sair da oposição ao final do mandato Dilma Rousseff. Basta deixar que se conclua o governo da recessão, de preferência, sem o voto do partido para aprofundá-la. Dividido, nada contra a corrente. Enquanto os tucanos paulistas cortejavam o vice-presidente, Michel Temer, a ala capitaneada por Minas Gerais, além de marcar a data da posse do senador Aécio Neves, começou a divulgar seu menu para 2016. Digeridos os petistas, partiriam para comer, pelas beiradas, o PMDB.

Ao votar favoravelmente às pautas-bomba, a pretexto de acelerar o clima pró-impeachment, o PSDB se descredenciou junto ao empresariado, que ocupou as manchetes dos últimos dias a reprovar a estratégia quanto-pior-melhor. A ala do senador Aécio Neves foi a mais chamuscada, mas a jogada prejudicou o PSDB por inteiro ao escancarar suas cizânias e expor os riscos de uma legenda em que cada um dos três atiradores de elite se exercita alvejando os outros dois.

Foi aí que entraram os 500 anos de política do senador alagoano, que se valeu da divisão tucana e do soluço de Temer para reapresentar suas credenciais. Pela folha de serviços prestados à nação, é previsível que a fatura seja alta, mas já não há como o governo acusar superfaturamento. No limite, se a Lava-Jato prosseguir em sua direção, os petistas serão pressionados, mais uma vez, a votar contra uma eventual cassação em plenário. Mas para o PT, a reincidência, a esta altura, é uma pechincha.

Renan é uma holding. A ele se atribui o poder de salvar o que restou do ajuste fiscal, segurar a pauta-bomba, mover votos no Tribunal de Contas da União e, de resto, fazer andar a agenda que apresentou para salvar o país. Readquire protagonismo no momento em que o governo tenta repactuar a retomada de investimentos.

A agenda pemedebista é uma pródiga demonstração de ativismo parlamentar nessa direção. Propõe-se a blindar contratos de parcerias público-privadas de mudanças repentinas e aperfeiçoar o marco regulatório das concessões. Na mais inventiva das sugestões está a implantação de uma avaliação de impacto regulatório que respalde o Senado na aferição das normas produzidas pelas agências, que, supostamente, já decidem à luz das leis votadas no Congresso. O documento dos senadores propõe uma nova oportunidade de os parlamentares se debruçarem sobre temas como margem de retorno de investimentos.

A agenda pemedebista coincide com a retomada de investimentos do pré-sal. A esperada 13ª rodada de licitações do pré-sal vai finalmente sair, depois de quase dois anos da última etapa. Como uma fatia do PMDB e do PT e quase todo o PP estão nas mãos dos delatores de Curitiba, abriu-se um vácuo a ser preenchido. A Lava-Jato apertou o cerco e a Petrobras hoje opera sob a mira da comissão de valores mobiliários e da justiça americanas, mas a história é pródiga de exemplos de como partidos e mercado sempre foram capazes de se reinventar, sob novos parâmetros, ou, para usar o termo em voga, sob um ajustamento de conduta.

Universalidade
A proposta da agenda pemedebista que acaba com a universalidade do SUS a pretexto de cobrar de quem se trata em hospitais públicos mas tem plano de saúde já passou por um teste em São Paulo.

Lei federal já faculta ao Estado cobrar dos planos o ressarcimento dessas despesas, mas a Assembleia Legislativa aprovou, há quatro anos, uma norma que permitiria a identificação, desde a internação, do paciente que tivesse plano de saúde. A cobrança estaria formalizada em contrato.

Na decisão em que considerou a lei inconstitucional, desembargador José Luiz Germano do Tribunal de Justiça de São Paulo, decretou: "A criação de reserva de vagas no serviço público para os pacientes de planos de saúde só serviria para dar aos clientes dos planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde: distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adicional e mordomias".

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