domingo, 9 de agosto de 2015

Míriam Leitão - Um amargo regresso

- O Globo

A crise piorou muito. A retomada dos trabalhos legislativos foi o fator detonador. Os políticos visitaram seus redutos eleitorais, ouviram as queixas e voltaram a Brasília querendo mais distância do governo. PDT e PTB saíram da base, e o PT chegou a encaminhar a favor da votação de mais um projeto que aumenta o gasto público. O Datafolha mostrou que o apoio à presidente quase desapareceu.

Como é que se esfarelou tão rapidamente a popularidade da presidente Dilma? Ela foi reeleita no final do ano passado, assumiu há pouco mais de sete meses o segundo mandato e já é o governante mais impopular da série iniciada com a redemocratização. Há várias explicações, mas talvez a melhor seja a soma de todas: crise econômica, ressaca da campanha eleitoral, escândalos. A Lava-Jato vai elucidando crimes, denunciando, condenando e conseguindo delações. Quanto mais avança, mais atinge o PT. Agora, levou José Dirceu de volta à cadeia.

O sistema político se debate diante de uma realidade difícil. O que fazer com um governo fraco assim nos restantes três anos e meio? A ideia de convocar novas eleições, com a qual a oposição flerta, não está prevista na Constituição. Não é o sistema parlamentarista em que, num quadro desses, bastaria um voto de desconfiança que o gabinete seria desfeito. No presidencialismo, o mandato é mais forte. Ele só pode se desfazer se presidente e vice-presidente renunciarem ou se a chapa for condenada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A economia traz desconforto diário para as pessoas. A inflação está a menos de meio ponto para chegar a dois dígitos e teve uma alta súbita. É no salto que ela incomoda mais, porque reduz a capacidade de compra e, além disso, vem o recall do período inflacionário. Mesmo quem era criança carrega lembranças do período da desordem causada pela disparada dos preços.

A inflação de alimentos está em dois dígitos, a de habitação supera 18%. Tudo isso é muito desorganizador do orçamento doméstico.

No Brasil, sempre que a inflação sobe, como agora, cai a popularidade do presidente. Quando cai a popularidade, o governante se enfraquece, e a base parlamentar se dispersa. Tem sido assim sempre. Nesta hora, é preciso que “alguém” reunifique a base parlamentar. Esta é a função indelegável da Presidência da República que lidera a coalizão. A presidente Dilma não tem demostrado liderança política, quando mais se precisa que ela tenha. A base está se desfazendo e votando em projetos que ampliam os gastos públicos e aprofundam a crise econômica.

Parte da responsabilidade pela crise atual é da estratégia da campanha eleitoral. Ela serviu para reeleger Dilma, mas hoje é fonte de instabilidade. Os ataques aos adversários, na “desconstrução”, produziu um alto nível de tensão na relação do governo com a oposição. O governo usou a máquina e os programas sociais como forma de atração de votos de eleitores. A propaganda maquiou a realidade, enganou. Nas entrevistas e debates, a presidente negou a existência da crise, já instalada, e acusou adversários de preparar o que ela sabia que teria que fazer. A campanha teve efeito bumerangue. Foi no alvo, mas voltou-se depois contra a própria presidente reeleita.

Na sexta-feira, foi dia de o vice-presidente Michel Temer tentar consertar o que ele havia deixado no ar com uma declaração imprecisa. Também isso é sinal dos tempos de tensão em que vivemos. Uma pequena palavra fora do lugar já vira elemento da crise. Temer disse que “alguém” tem que unir o país. Esse “alguém” ficou solto no ar, alimentando interpretações. Na sexta-feira, ele entregou o cargo de coordenador político, mas foi convidado a permanecer e garantiu que não estava se oferecendo para o lugar que deve ser exercido pela chefe do Executivo.

Dilma foi para Boa Vista para, em mais um ato de palanque fora de hora, distribuir casas do Minha Casa, Minha Vida. Avisou que aguenta pressão e fez nova referência ao que enfrentou na ditadura. Uma das características da personalidade da presidente é que ela não sabe o valor da palavra branda em hora de tensão. Prefere se dispor para a luta, quando o momento é de conciliar, convencer, ser uma estadista. Assim, tensos, vivemos a primeira semana do mês oito de um ano difícil

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