sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Petrolão - Denúncia diz que Cunha usou até igreja para receber propina

• Ministério Público pede que presidente da Câmara devolva US$ 80 milhões por desvios

• A denúncia contra Cunha está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Lava-Jato

• Eduardo Cunha é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, fruto de corrupção na Petrobras; recursos teriam passado por offshores na Suíça e no Uruguai, segundo o operador Júlio Camargo, delator do esquema. A ex-deputada Solange Almeida também foi denunciada

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), segundo o Ministério Público Federal, beneficiou-se de um esquema por onde circularam US$ 40 milhões em propinas. O dinheiro passou por contas na Suíça e no Uruguai. Os procuradores sustentam que até uma igreja da Assembleia de Deus foi usada para repassar o valor do suborno ao deputado, o primeiro presidente da Câmara denunciado no exercício do cargo. As principais provas se baseiam na delação premiada do operador Júlio Camargo, que narra detalhes dos desvios: o pagamento facilitaria a assinatura de contrato de aluguel de navios-sonda pela Petrobras. A denúncia também atesta que Cunha usou dois requerimentos de informação, apresentados pela ex-deputada Solange Almeida, como revelou O GLOBO, para pressionar Camargo a pagar parte da propina. O MP pede que o deputado devolva US$ 80 milhões aos cofres públicos. O presidente da Câmara acusou o governo e o Ministério Público de fazerem um “acordão”.

Propina n exterior e em igreja

Jailton de Carvalho, Vinicius Sassine e Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDBRJ) tornou-se ontem o primeiro presidente da Câmara no exercício do cargo a ser denunciado pelo Ministério Público Federal. A denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Cunha recebeu propina de US$ 5 milhões (R$ 17,3 milhões) de um total de US$ 40 milhões (R$ 138,6 milhões) pagos aos integrantes do esquema, que envolve o lobista Fernando Soares, o exdiretor da Petrobras Nestor Cerveró e o empresário Júlio Camargo. Segundo o MPF, o dinheiro saiu de contas na Suíça, passou pelo Uruguai e foi repassado a Cunha e seus aliados. Janot sustenta na denúncia que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma igreja Assembleia de Deus ligada a ele. Caso o STF aceite a denúncia, Cunha se tornará réu.

O pagamento teria sido feito para facilitar a assinatura de contratos de aluguel de navios-sonda entre a Samsung Heavy Industries e a Petrobras. Também foi denunciada a ex-deputada Solange Almeida (PMDB), atual prefeita de Rio Bonito, por corrupção passiva. Na denúncia, Janot pede que Cunha e Solange Almeida devolvam US$ 80 milhões (R$ 277,3 milhões) aos cofres públicos. Deste total, R$ 138,6 milhões correspondem aos valores desviados dos contratos da Petrobras com a Samsung. Outros R$ 138,6 milhões são multas para reparação dos danos causados à Petrobras.

Segundo o procurador-geral, a propina a Cunha e a outros supostos envolvidos nas fraudes foi paga no Brasil e no exterior, com contratos de consultoria fajutos, emissão de notas fiscais frias e até transferência para a Igreja Assembleia de Deus. O dinheiro da fraude teria sido repassado à igreja a título de doação de caráter religioso.

A denúncia contra o presidente da Câmara está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato. Não há documentos que comprovem que o dinheiro foi entregue a Cunha. Também são citados depoimentos do doleiro Alberto Youssef, também delator. As acusações têm como suporte ainda extratos de movimentação financeira de Camargo, Youssef, do lobista Fernando Soares, o Baiano, operador do PMDB de Cunha no esquema de corrupção na Petrobras, do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros.

O procurador- geral também destacou na acusação a identificação de dois requerimentos de informação que teriam sido usados por Cunha e Solange para pressionar Camargo a pagar parte da propina. Em março, O GLOBO revelou que a então deputada Solange Almeida, aliada de Cunha, fizera dois requerimentos no dia 7 de julho de 2011 solicitando informações ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia sobre todos os contratos, auditorias, aditivos, processos licitatórios do Grupo Mitsui e de Júlio Camargo com a Petrobras.

A denúncia detalha diversas provas de que Cunha foi o real autor dos requerimentos. O episódio é motivo para aumento de pena, como consta na peça de Janot, por ter havido “infringência a dever funcional”. Os dois requerimentos de Solange basearam em justificativas “genéricas e falsas”, segundo Janot. “O teor da justificativa do requerimento já era indicativo de que se buscava não um objetivo republicano, mas sim, especificamente, ‘investigar’ apenas as pessoas e empresas envolvidas no pagamento de propinas, que haviam cessado tais pagamentos, como forma de constrangê-las”, afirma a denúncia.

A conta de Cunha no sistema de informática estava logada no exato momento da elaboração dos documentos. Sua senha pessoal e seu login foram utilizados no trabalho. “Dep. Eduardo Cunha” apareceu como o real autor dos requerimentos no sistema informatizado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo” em abril. E mais: os dois deputados estavam conectados ao computador da Câmara no mesmo momento. Seria impossível Solange ter elaborado o documento sem que sua identificação aparecesse no sistema.

O TCU e o Ministério de Minas e Energia encaminharam as repostas solicitadas supostamente por Solange, mas nenhuma providência foi tomada pela deputada, o que para o MPF é mais um indício de que a iniciativa serviu apenas para chantagear a empresa pagadora de propina, conforme a acusação.
A denúncia lembra que Solange “nunca tratou de fiscalização de verbas públicas”, e afirma que que Cunha “já se valeu dos serviços de Solange” para pressionar outra empresa, a Schain Engenharia, que travava uma disputa com o doleiro Lúcio Funaro, um “antigo contato” de Cunha.

Pressionado pelos requerimentos da Câmara, Camargo se reuniu na base aérea do Santos Dumont com o então ministro de Minas e Energia, o hoje senador Edison Lobão (PMDB-MA), para tratar da suposta pressão. O ministro teria ligado para Cunha: “Eduardo, eu estou com o Júlio Camargo aqui ao meu lado, você enlouqueceu?”, teria dito Lobão, segundo a delação de Camargo. “A pressão não cessou”, registra a denúncia.

Na epígrafe da denúncia contra Cunha, Janot destaca trecho de um texto de Ghandi para lembrar do lugar reservado na História para tiranos e assassinos. “Quando me desespero, eu me lembro de que, durante toda a História, o caminho da verdade e do amor sempre ganharam. Têm existido tiranos e assassinos, e por um tempo eles parecem invencíveis, mas no final sempre caem. Pense nisto: sempre”, diz o texto. Cunha é visto como um dos políticos mais poderosos do país.

Segundo a denúncia, os pagamentos para a Assembleia de Deus de Campinas (SP) no valor de R$ 250 mil, foram feitos em 2012. Teria sido o último pagamento de um “resíduo” de propina de US$ 10 milhões, acertado depois de uma reunião no Rio entre Cunha, Baiano e Camargo. Até o celular de Baiano foi rastreado pelos investigadores. Por orientação de Cunha, Baiano indicou a Camargo a necessidade de repasses à igreja. A primeira transferência, de R$ 125 mil, ocorreu em 31 de agosto de 2012, a partir da empresa Piemonte Investiment Corp, usada por Camargo para pagamento de propina. A segunda, de mesmo valor e no mesmo dia, envolveu outra empresa, a Treviso.

“Fernando Soares, por orientação do deputado federal Eduardo Cunha, indicou a Júlio Camargo que deveria realizar o pagamento desses valores à Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Segundo Fernando Soares, pessoas dessa igreja iriam entrar em contato com o declarante, o que realmente ocorreu”, diz trecho da denúncia. Janot lembra “a notória” vinculação de Cunha com a igreja.
Segundo a denúncia, pelo aluguel de dois navios, o Sonda Petrobras 10000 e o Vitoria 10000, a Petrobras teria desembolsado US$ 1,2 bilhão. Solange Almeida e os representantes da Assembleia de Deus não foram encontrados.

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