terça-feira, 8 de setembro de 2015

Delação premiada em risco – Editorial / O Estado de S. Paulo

Em resposta aos apelos da população para diminuir a impunidade, o Congresso aprovou uma lei que contribui enormemente para investigar e punir diversos crimes de corrupção envolvendo cifras milionárias. O normal seria que o Congresso quisesse manter intacta essa lei, até mesmo como símbolo do seu bom trabalho a favor do País. No entanto, alguns parlamentares querem agora seguir outra lógica e pretendem alterar o que está funcionando. No dia 25 de agosto, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) apresentou um projeto de lei para alterar a delação premiada, regulada pela Lei 12.850/2013 - em vigor há menos de dois anos e que já começa a gerar os seus frutos.

O Projeto de Lei 2.755/2015 pretende acrescentar duas condições à delação premiada. De acordo com o texto apresentado, o delator deverá revelar tudo o que sabe no primeiro depoimento, sem a possibilidade de acréscimos ou retificações, e não poderá ser defendido por advogado que já defenda outro réu na mesma investigação ou processo.

É realmente um projeto muito estranho, pois a própria justificativa apresentada para alterar a lei reconhece os bons resultados da delação. “A delação premiada atualmente tem se apresentado como uma eficaz fonte de provas no curso de investigações criminais encetadas pelas autoridades policiais e pelo Ministério Público. Em razão dos benefícios provenientes da celebração do acordo de colaboração premiada nos termos previstos na Lei 12.850/2013, vários investigados e acusados têm manifestado interesse de colaborar com a elucidação dos fatos, fornecendo informações desconhecidas pelas autoridades responsáveis pela apuração de crimes praticados por grupos criminosos.”

Ora, isso é mais do que suficiente para manter a lei exatamente como está. No futuro, com a experiência obtida ao longo de muitas investigações, poderá ser conveniente o aperfeiçoamento da lei. O açodamento para mudá-la a partir de uma única experiência - as investigações em torno da Operação Lava Jato -, e que, por sinal, tem sido extremamente positiva ao contribuir de forma decisiva nas investigações, não faz sentido.

Ou melhor, a alteração faz sentido para alguns, como, por exemplo, para Eduardo Cunha, presidente da Câmara. As acusações que recaem sobre ele - e estão sendo investigadas pelo Supremo Tribunal Federal - se originam na colaboração de Júlio Camargo, que acusou Cunha apenas num segundo momento. Camargo alega que não o fez de imediato por medo de ameaças que teria recebido durante as investigações.

Caso já fosse lei o projeto apresentado - determinando que o delator deve “fornecer, desde a sua primeira oitiva, todas as informações relevantes de que tenha conhecimento, não podendo alterá-las ou aditá-las posteriormente, sob pena de perder os benefícios previstos no caput deste artigo” -, Camargo nada poderia acrescentar ao seu primeiro depoimento, sob pena de perder os benefícios da delação.

O mais grave, no entanto, é que o interesse pessoal de Eduardo Cunha no projeto foi convertido em interesse institucional. Utilizando uma medida prevista no regimento interno da Câmara, Cunha determinou que o projeto fosse submetido à apreciação das comissões em caráter conclusivo. Com isso, o projeto pode nem ser votado no plenário da Casa, bastando ser aprovado nas comissões - o que não é de todo improvável, com os sempre atuantes aliados de Cunha.

Era só o que faltava - mudar a recente lei simplesmente porque ela está funcionando. É hora de o Congresso proteger o seu bom trabalho realizado em 2013, quando foi aprovada a Lei 12.850. A delação premiada tem o claro objetivo de facilitar a obtenção de informações para a investigação. Possíveis alterações devem ter o mesmo intuito.

Mudanças na lei que simplesmente dificultam a delação - como a que foi agora proposta - não cheiram bem, especialmente quando há muito interesse em que a proposta tramite por fora do plenário da Câmara.

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