sábado, 5 de setembro de 2015

Míriam Leitão - A demolidora

O Globo

Alguns indicadores mostram mais que outros o fenômeno do qual os economistas falam tanto: a deterioração fiscal do país. É preciso esmero para se chegar a esse resultado. Só um governo dedicado a atacar as bases do edifício fiscal pode realizar a proeza. Nisso, a presidente Dilma Rousseff foi realmente imbatível. O fato da semana, o Orçamento deficitário, é emblemático dos anos de demolição.

Os gráficos abaixo dão uma noção visual desse resultado. O superávit primário, que já chegou a 3,57% do PIB, foi desmontando até chegar ao déficit, que pode se estender por três anos. Nos 15 anos antes de 2014, o resultado sempre foi positivo. A dívida bruta cresceu mais de 10 pontos, e o Brasil retrocedeu até se fazer uma peça orçamentária com rombo.

Não foi a primeira vez na história, porque a história é muito longa, mas é inédito na era do real. Antes da criação da nova moeda, a contabilidade pública era confusa, e a hiperinflação tratava de aumentar as receitas ou diminuir a despesa, bastante para isso cobrar antes e pagar com atraso.

O economista Maílson da Nóbrega lembra de um período até anterior, em que mágicas eram feitas com bancos públicos:

— A partir dos anos 1930, quando a Carteira de Redesconto do Banco do Brasil, que exercia a função de Banco Central, se tornou a fonte básica da agricultura, o orçamento sempre foi deficitário, na prática. Isso piorou no governo militar, quando se institucionalizou a “conta de movimento” do Banco Central no Banco do Brasil, e a dívida pública subia para suprir os dois bancos de recursos para o crédito rural.

Havia naquela época o Orçamento Monetário, que cobria os gastos com os créditos subsidiados para a agricultura, a indústria e o comércio. Funcionava assim: o Banco do Brasil emprestava às empresas, depois sacava do Banco Central para se cobrir, e tudo era ajeitado na contabilidade do Orçamento Monetário.

Em comparação a esse passado remoto, estamos em uma situação bem melhor. Mas, na verdade, é um baita retrocesso, porque a partir do fim da conta de movimento, em 1986, o país passou a buscar a transparência das contas públicas. Não foi possível até 1994, por causa da hiperinflação. Nos primeiros anos do real, o país ainda teve déficit primário, mas a partir de 1998 perseguiu o positivo no resultado primário. Foi feito então um trabalho cuidadoso de retirada de velhas dívidas do limbo contábil para serem reconhecidas. Isso mostrou o tamanho real da dívida do governo. Esse trabalho foi concluído com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com gastos crescendo de forma extravagante, com a transferência de R$ 500 bilhões ao BNDES para serem emprestados a juros subsidiados às empresas, com isenções de impostos a grupos escolhidos, com o uso da Cide para mascarar a inflação, o governo atacou o edifício fiscal que o país montou durante anos. Foi assim que se chegou a um orçamento deficitário. Foi preciso persistência e determinação.

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