segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Ricardo Noblat - Nota de falecimento

- O Globo

“Renúncia é um gesto de grandeza e Fernando Henrique Cardoso não tem essa grandeza”. Lula, em 1999.

Já não está mais entre os vivos “a mulher de Lula”, a “gestora” mais competente do que ele, apta a dar continuidade à nobre tarefa de melhorar a vida dos pobres sem se esquecer de forrar os bolsos dos ricos. Descansa em paz desde a semana passada, quando o Brasil perdeu o título de país bom pagador. Ficam seus exemplos de fé, perseverança, dedicação e de certa dificuldade em se fazer entender.

O INFAUSTO acontecimento havia sido precedido de outro de igual natureza. Refiro- me ao passamento, depois de longa agonia, da “faxineira ética” que escolheu seguir convivendo com ministros investigados sob a suspeita de ferir a lei. Um por omitir da Justiça dinheiro recebido por fora para pagar despesas de campanha; outro por extorquir empresários com o mesmo objetivo.

“A FAXINEIRA ÉTICA” se tornara conhecida como tal ao demitir seis ministros de Estado no seu primeiro ano de governo. Nunca se viu nada parecido na história da República brasileira. Diante de reles indícios de que eles haviam aproveitado os cargos para roubar ou facilitar o roubo, ela não hesitou. Veloz como um raio, sacou da caneta e os fuzilou sem piedade. “Hasta la vista, baby”!

ESTREIA DIGNA de um Oscar de efeitos especiais. Pena que o resto do filme não tenha sido condizente com o seu início. Ministros demitidos indicaram seus substitutos ou foram contemplados com outras sinecuras. Ao mensalão, sucedeu a roubalheira apurada pela Lava- Jato. Lula jura que não sabia do mensalão. A “ex- faxineira” que tampouco sabia do saque à Petrobras. Triste fim!

O QUE RESTA dos atributos agregados pelo marketing à imagem pública da chefona de maus bofes, detestada pelos seus subordinados, centralizadora em excesso por se julgar uma sábia, quando, na verdade, é uma mulher insegura e solitária? Quis o destino, com a ajuda dela, que fosse assim. Quis Lula, com os votos que já teve, que ela se elegesse e se reelegesse.

É A CRIATURA que costuma se rebelar contra o criador. Lula merece o prêmio de melhor roteiro por se insurgir como criador contra sua criatura. Quer distância dela. E torce em silêncio pela sua possível desgraça. Assim poderá passar à oposição ao novo governo na esperança de voltar à presidência em 2018. “Aquela mulher”, ele repete, amargo, entre amigos.

CADA VEZ mais enfraquecida, ela se mantém no cargo graças ao fato de que foi eleita. Não é pouca coisa. Deveria bastar. Não é crime de responsabilidade governar de maneira desastrosa. Nem ter mentido à farta para se eleger. Também não é crime ser impopular, rejeitada por oito em dez brasileiros. Seis em dez querem seu impeachment. Se ocorrerá? E como? E em que data?

UM DIA, perguntaram a Louis Armstrong, cantor e trompetista, uma dos ícones da música negra americana: “O que é jazz?” Ele respondeu: “Quando ouvir você saberá”. Você saberá quando estiver madura a ocasião para se abrir o processo de impeachment. Impeachment não depende só de desejo, longe disso. Nem mesmo de maioria de votos no Congresso.

HAVERÁ DE acontecer se as circunstâncias o determinarem. E se as contas do governo de 2014 forem rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União? E se a Câmara entender que as “pedaladas fiscais” do governo violaram a lei? Sim, mas e se Fernando Baiano, ex- operador de propinas do PMDB na Petrobras, fizer revelações que alcancem os caciques do partido? Um fato novo revoga um fato consumado.

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