domingo, 25 de outubro de 2015

Elio Gaspari - A troca de guarda na defesa das empreiteiras

- O Globo

Imagine-se um cidadão que está com dores no estômago. Vai ao médico, ele lhe receita um remédio, mas a dor piora. Essa foi a situação das grandes empreiteiras que procuraram bancas de advogados no início da Operação Lava-Jato. Os doutores inventaram a teoria segundo a qual as empresas eram santas, submetidas a extorsões. Depois, disseram que os malfeitos eram coisa de um ou de outro diretor, nunca da companhia. Colaborar com o Ministério Público, nem pensar. Como diria a doutora Dilma, “não respeito delator”. Estavam tratando os clientes com um remédio vencido.

Passou o tempo, mais de uma dezena de ilustres empresários foram para a cadeia, e aconteceu o impensável: Marcelo Odebrecht está na carceragem de Curitiba. A confissão de pessoas e empresas passou a ser comum, e hoje quem está enroscado na Lava-Jato quer pelo menos estudar como a Camargo Corrêa está se desenroscando, graças à colaboração.

O sujeito que estava com dor de estômago foi a outro médico e ouviu o seguinte: o senhor está com um câncer, o que tenho a lhe recomendar é uma quimioterapia, coisa braba, e não há garantia de cura. As empresas e a turma da tornozeleira da Lava-Jato estão numa situação parecida. Só lhes resta esperar que o juiz Sérgio Moro termine seu serviço. Depois disso, poderão recorrer aos tribunais superiores de Brasília. Será a hora da quimioterapia.

Trata-se de buscar brechas em depoimentos e acusações. Em alguns casos, nada haverá a fazer. Em outros, pode-se tentar a quimio. Por exemplo: um condenado a dez anos em regime fechado pode ter sua pena reduzida para cinco. Passará menos de dois anos trancado, vestirá sua tornozeleira e irá para Angra do Reis.

Isso poderá ocorrer na medida em que os processos seguirem para as instâncias superiores com defeitos estimulados pela popularidade dos acusadores e pela onipotência que se infiltrou na cabeça de alguns deles. Diversas lombadas existentes no caminho da Lava-Jato são públicas e ainda podem ser corrigidas. Por exemplo:

O grampo ilegal encontrado na cela de Alberto Youssef estava ativo em abril de 2014, quando ele a ocupava? Uma sindicância da Polícia Federal diz que não. Um agente disse à CPI da Petrobras que sim.

Há pontos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que não batem com os de Youssef. Também não batem com os de Fernando Baiano, que o acusa de ter escondido US$ 3 milhões. Alguém está mentindo, mas o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal os obriga a dizer a verdade, sob o risco de voltarem para a cadeia. Um procurador chegou a dizer que não se deve mexer em “bosta seca”. Essa doutrina perderá valor ao chegar a Brasília.

A advogada Beatriz Catta Preta administrou os acordos de colaboração de nove acusados. Alguns deles estavam em posições conflitantes no inquérito. Num caso, o do empresário Julio Camargo, o nome do deputado Eduardo Cunha foi omitido na primeira fase e mencionado no depoimento ao juiz Moro. Catta Preta desligouse de todos os seus clientes e foi para Miami.

Essas lombadas serão insuficientes para desmontar o processo. Servirão apenas para reforçar a medicação quimioterápica de alguns réus. No chute, será possível oferecer a esperança de uma redução à metade das penas de alguns deles.

Como ensinou um velho rábula: “Na primeira instância, juízes e promotores falam, e na Lava-Jato falaram bastante. Nas instâncias superiores, em Brasília, o que foi espetáculo transforma-se numa papelada silenciosa. Nela, só vale o que está escrito”.

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