sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Merval Pereira - O país da chanchada

- O Globo

Se pegarmos os acontecimentos políticos apenas no dia de ontem, teremos um panorama acurado do ambiente de chanchada que domina o país faz tempo. A começar pela preocupação da presidente Dilma na reforma ministerial que negocia para não perder a Presidência. Dizem que ela não gostou da indicação do PMDB para a Ciência e Tecnologia, pois o deputado Celso Pansera não teria “afinidade” com a área científica e lhe faltaria também “peso político”.

O deputado é aquele “pau-mandado” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que andou provocando calafrios no doleiro Alberto Youssef, que o acusa de tê-lo ameaçado e à família. Mas não foi Dilma quem escolheu para a mesma pasta o deputado Aldo Rebelo, alguém que apresentou projeto de lei para proibir a “adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão de obra”?

O ministério que deveria ser responsável por políticas de ponta na pesquisa e na inovação nas universidades e na indústria é ocupado até hoje por um comunista que se vangloria de sua “devoção ao materialismo dialético como ciência da natureza” que, por isso mesmo, considera que as denúncias de aumento da temperatura global são produto de um “cientificismo” que pretende “controlar os padrões de consumo dos países pobres”.

Mas os pruridos da presidente não resistiram às pressões políticas, e o “pau-mandado” sem afinidade com a Ciência e Tecnologia vai mesmo ser o ministro da área, num país que precisa mais do que nunca da inovação tecnológica para avançar. Isso é um detalhe diante da necessidade de ganhar um pouco de ar, mesmo que seja poluído. Rebelo tem “peso político” e, embora seja do PCdoB, será nomeado ministro da Defesa. Por outro lado, o ministro da Educação, Renato Janine, que não tem peso político, mas sem dúvida tinha afinidade com a área, foi demitido em seis meses do ministério da Educação pela Pátria Educadora, para dar lugar ao preferido de Dilma, Aloizio Mercadante, que no momento está em desgraça com o tutor da presidente, de quem nunca foi próximo.

Tivemos também descobertas assustadoras na Operação Lava-Jato, como o diálogo via WhatsApp do chefe do cartel de empreiteiras, Ricardo Pessoa, com um funcionário da UTC, deixando registrada a contabilidade criminosa para a campanha de reeleição de Dilma.

Eles doavam legalmente ao PT, com registro no TSE, e descontavam o montante do dinheiro que saía desviado da Petrobras. Essa troca de mensagens, que mais uma vez demonstra a certeza da impunidade de todos os envolvidos, é evidência definitiva das ilegalidades que financiaram a campanha presidencial, e só reforça o processo do TSE para a cassação da chapa vitoriosa.

Mas eis que, depois de pedir vista impedindo a continuação do julgamento, a ministra Luciana Lóssio simplesmente sumiu de cena, não comparecendo à sessão marcada para retomar o processo. Sumiu e não deu satisfações. A menos que tenha ocorrido uma tragédia, é simplesmente um expediente chanchadístico para protelar a decisão: apertem os cintos, a juíza sumiu.

Outra notícia inacreditável é a da compra literal de uma medida provisória para prorrogar os incentivos fiscais a montadoras de automóveis, ainda no governo Lula. O “Estadão” informa que dois escritórios foram contratados pelas montadoras Caoa e MCC para conseguir a MP 471: SGR Consultoria Empresarial e Marcondes & Mautoni Empreendimentos, que já eram investigados por atuar para as montadoras no esquema do Carf.

A MP foi promulgada, mas o Planalto diz que tudo seguiu uma rotina normal, sem interferências. De duas, uma: ou houve a corrupção, ou o ambiente estava tão contaminado que foi possível a uns espertalhões dizerem que subornaram os agentes públicos por uma decisão que sairia normalmente.

Como efeito colateral, soube-se que Luís Cláudio Lula da Silva, filho de Lula, recebeu R$ 2,4 milhões de um dos escritórios de lobistas que atuaram pela MP 471, que prorrogou incentivos fiscais de montadoras de veículos. A Marcondes & Mautoni fez os repasses à LFT Marketing Esportivo, aberta em 2011 por Luís Cláudio.

O filho de Lula confirmou os pagamentos, mas alegou que realizou “projetos” na área esportiva, sem maiores explicações.

E last, but not least, descobre-se que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o homem que comandará (comandaria?) o processo de impeachment contra Dilma, tem várias contas não declaradas na Suíça, no valor de US$ 5 milhões. É ou não é o país da chanchada?

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