sábado, 31 de outubro de 2015

Míriam Leitão - Cenário opaco

- O Globo

Faltam nove semanas para 2015 acabar. É nesta época que as empresas fazem seus orçamentos para 2016. A maioria já está vivendo o ano que vem. Mas o que elas estão vendo é um mar de incertezas. As previsões de recessão e inflação vêm piorando, e novos impostos estão sendo criados. A falta de clareza atrapalha o desempenho da economia. O ano que vem ainda é um ilustre desconhecido.

Oano está acabando e não é possível saber, por exemplo, qual será o buraco fiscal de 2015. Nesta semana, a equipe econômica apresentou uma nova meta, que ainda precisa ser aprovada. O rombo pode superar R$ 100 bi se as “pedaladas” do primeiro mandato forem pagas agora. O que se sabe na última semana de outubro, é que o déficit primário do ano pode ser de 0,85% do PIB ou o dobro. Para as contas de 2016, a indefinição faz muita diferença.

Sem capacidade de previsão, os empresários ficam mais cautelosos e aí investem menos. Na projeção da Go Associados, o investimento, que deve recuar 13% em 2015, vai cair mais 6% em 2016 e ficar estagnado em 2017. Nesses cálculos, o consultor Gesner Oliveira leva em conta a implantação de parte do Programa de Investimento em Logística, que depende da agilidade do governo. Se o projeto não vingar, o problema pode ser maior. Nesse cenário, as empresas se retraem.

— A incerteza aumentou. Até 2013, as projeções para o ano seguinte eram mais estáveis. Agora, é diferente. As probabilidades mudam de forma mais frequente. O conjunto de cenários possíveis também sofre variações. Surgem alguns que nem sequer eram considerados meses atrás, como uma volta à política econômica do primeiro mandato —, conta o consultor.

A incerteza tem efeito generalizado na economia. As medidas do ajuste fiscal não avançam. Os empresários estão planejando o ano que vem, mas o governo não. A OKI Brasil, empresa de serviços de automação, está montando o orçamento de 2016. Wilton Ruas, diretor-geral da companhia, classifica a tarefa como “extremamente complicada”.

— Um ponto que atrapalha muito é a inflação. Ela reajusta várias despesas. Muitos contratos são atualizados com base nela, que também corrige os salários. O país precisa de uma meta inflacionária de fato. Quando o governo fala que vai buscar a meta e não consegue, tem consequências no orçamento das empresas —, conta Ruas.

A projeção para o IPCA de 2016 sobe há 12 semanas no relatório Focus. A OKI se reporta à matriz, no Japão. Com as variáveis mudando tão rapidamente, cresceu a demanda por relatórios da filial.

— É complicado explicar para quem não está aqui. As variáveis mudam rápido no Brasil, e as regras são trocadas no meio do jogo. São várias frentes. Na estrutura tributária, há novidades que vão desde o custo da folha de pagamento até a elevação do PIS/Cofins para produtos de tecnologia. A volta da CPMF talvez seja aprovada. A falta de previsibilidade dos impostos é o que mais atrapalha o planejamento —, conta Ruas.

O dólar reflete as incertezas, mas a volatilidade piora tudo. A alta da moeda tem afetado importadoras como a OKI, que traz de fora cerca de 60% de seus insumos. O risco de errar e perder competitividade é grande. Os contratos, conta Ruas, são longos. Um preço mal calibrado pode trazer sequelas. Com a receita já definida, ele se equilibra mexendo nas variáveis que controla. A revisão de despesas tem sido crítica.

Os contratos estão sendo renegociados. Os maiores clientes da OKI são bancos e redes de varejo, dois setores muito impactados pela alta do desemprego. Nesta semana, o IBGE divulgou que a taxa subiu para 8,7% no trimestre encerrado em agosto.

A Toledo, fabricante de balanças, demitiu em 2015. Mas a companhia continua investindo em pesquisa e desenvolvimento cerca de 4% do que fatura. Produtos mais modernos reduzem as perdas dos clientes. Ela quer aproveitar o movimento de corte de gastos.

— Os clientes querem reduzir seus custos. Ainda que não estejam crescendo, trocam equipamentos mais antigos por novos para ter menos paradas, menos manutenção e mais segurança —, conta Paulo Haegler, presidente da Toledo.

Mesmo com as dificuldades, os empresários percebem as chances do país no longo prazo. No curto prazo, no entanto, a incerteza está paralisando os planos. Este é o risco Brasil da economia real.

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