quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Rosângela Bittar - Obsessão flexibilizada

• Pesquisa qualitativa mostra que a CPMF é aceita sob condições

- Valor Econômico

Por capricho, o governo vai insistir até o limite de sua força política na aprovação do imposto sobre movimentação do dinheiro, a CPMF, que atinge quem saca um e quem saca mil, quem paga dez e quem paga dez milhões. Mas cedeu: abriu mão de, a ferro e fogo, aprová-lo em plenário este ano. Até dezembro, é o novo prazo para começar a tramitar suavemente e, se possível, ser aprovado em comissão. Até julho do ano que vem, aprovar o imposto em plenário.

Não tem jeito, não tem choro, não tem abatimento, alíquota diferenciada, argumento que sensibilize. É uma obsessão mais do que da área política. Dos economistas do governo parte a pressão maior. Dizem que não têm alternativa melhor, um argumento desprezível.

Os técnicos engavetam dezenas de instrumentos substitutos de arrecadação, outras tantas saídas para fazer cortes de expansão de programas no orçamento, segurando-os no nível de hoje por uns dois anos, e só inflando as metas quando as coisas começarem a melhorar.

Têm o recurso a outros impostos, é possível uma super DRU, a Cide é o mais óbvio, repatriar o dinheiro que fugiu dos impostos, aumentar multas, conceder benefício para pagamento de dívidas, securitizar, o que mais surgir do brain storm de especialistas, mas se a CPMF não estiver na lista, nem começam a discutir. Nenhum argumento tem ressonância

O imposto foi suprimido depois de chegar o cidadão ao limite, ao momento do basta, da desfaçatez, da evidência de que o dinheiro não chegava à saúde e era um símbolo da distorção da carga tributária brasileira. O ex-presidente Lula ficou inconformado com o fim dessa arrecadação fácil, falou sobre o assunto no resto dos dias que lhe sobraram de governo, mas não conseguiu ressuscitar o imposto. Há uma espécie de revanche nessa obsessão.

O provisório da CPMF virou permanente, a cada ano uma justificativa mais urgente e salvadora que a outra, e é a conseguir essa facilidade a que se empenha o governo Dilma. Embora a pesquisa MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes revele que 70,5 % da população ainda se manifestam contra tal imposto, comprovando o quanto o governo erra ao insistir ao mesmo tempo que tenta melhorar seus índices de popularidade.

Diante da constatação que não o aprovaria no Congresso para entrar no orçamento do ano que vem, o governo decidiu seguir a indicação de um dado novo que obteve em pesquisa e que lhe dará a CPMF para os anos seguintes: pesquisas qualitativas em poder do Palácio do Planalto e do Ministério do Planejamento revelam que a população aceita a recriação do imposto sobre transações financeiras desde que o governo garanta cumprir, de sua parte, algumas condições.

Entre elas, as principais são: 1- Que o dinheiro vá para a Saúde e a Previdência; 2 - A cobrança seja por tempo realmente determinado, que o governo pretende assegurar em 4 anos; 3- E se a cobrança vier realmente para "resolver" a crise. Questões que mostram um nível de desconfiança alto, e de credibilidade baixo.

Essas ideias serão trabalhadas a partir de agora, provavelmente até em uma campanha de esclarecimento público. O publicitário do governo, João Santana, por coincidência de tempo com as novas decisões, passou dois dias em Brasília reunido com as autoridades para discutir uma agenda de problemas onde esse está incluido. De posse de dados da pesquisa qualitativa, o governo vai preparar explicações sobre a necessidade incontornável de ter a CPMF, com todas as garantias exigidas pelo eleitorado.

Outro princípio é prometer dividir a arrecadação com Estados e Municípios, para que governadores e prefeitos pressionem suas bancadas a aprovar o imposto e o resultado fique mais próximo do cidadão que o paga.

É claro que o governo não vai carimbar os recursos arrecadados e destiná-los somente à saúde e previdência, mas assumir um compromisso nesse sentido deverá fazer. Afinal o compromisso vigorou durante todos os anos em que vigorou a CPMF, a enganação é inerente a esse imposto.

As autoridades esperam, também, pulverizar o ônus da criação do imposto. Reconhecem que Joaquim Levy não pode ficar falando sozinho sobre o assunto. Com essa constatação é que a presidente Dilma começou também a fazer a defesa da CPMF em suas viagens, a arrastar prefeitos para a causa, governadores e bancadas.

Segundo autoridades do governo, arrefecido o ímpeto do impeachment, a que a presidente Dilma Rousseff dedica seu tempo mais do que a qualquer outra agenda, e desenhada a nova trajetória da CPMF, garantindo-a para 2016, o governo poderá livrar-se da asfixia a que foi submetido pela crise e começar o segundo mandato.

As questões políticas e econômicas a que pretende se dedicar, com o fim da dominância da crise, segundo espera, a presidente Dilma não inclui sua sucessão. No seu calendário, essa é uma agenda para o fim de 2016, no máximo, após as eleições municipais.

Porém, é o que move o PT, os partidos aliados, a oposição e até o verdureiro do Palácio da Alvorada.

Mesmo sem considerar o tema na sua agenda, a presidente não pode evitar que o nome do ministro Jaques Wagner, chefe da Casa Civil, suba degrau a degrau no ranking dos ainda possíveis candidatos do PT à presidência.

Quando ainda estava no Ministério da Defesa, Wagner era colocado em primeiro lugar caso o ex-presidente Lula se inviabilizasse ou estivesse apenas, como se diz entre os que o conhecem bem, guardando lugar. Agora é preciso considerar sua performance na máquina de desgaste instalada na Casa Civil.

Há, entre o juiz Sergio Moro e o Procurador Rodrigo Janot, um sentimento que testemunhas com presença privilegiada no plenário do Supremo Tribunal Federal definem como "uma tensão dialética". Com relação à operação Lava-Jato, nem na Justiça reina a calma.

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