quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Cristiano Romero - Uma proposta para desinterditar o debate

• Com documento, Temer apresentou-se como alternativa

- Valor Econômico

O aspecto mais relevante do documento "Uma Ponte para o Futuro", lançado na semana passada pelo PMDB, é que ele trata, de maneira lúcida, de temas interditados no debate econômico brasileiro. A interdição foi promovida pelo discurso e a prática dos governos do PT desde a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003. O documento é, por isso mesmo, um manifesto contra a forma como a presidente Dilma Rousseff governa o país. É, claramente, um aceno do vice-presidente Michel Temer, que se apresenta como alternativa diante de um possível impeachment da presidente.

Nos piores momentos da atual crise política, Temer conversou com empresários em São Paulo. Seu perfil é o de um político conservador, mas, ainda assim, os interlocutores tinham dúvidas sobre o que ele faria se assumisse a presidência. Ademais, um de seus aliados no meio empresarial - Paulo Skaf, presidente da Fiesp - faz campanha aberta pela demissão do solitário integrante do governo Dilma - o ministro da Fazenda, Joaquim Levy - interessado em realizar o ajuste fiscal, único caminho possível para tirar a economia brasileira da crise em que se encontra.

"Uma ponte para o Futuro" cumpre o papel de dar uma agenda não só a Temer, mas também ao país. É uma agenda esquecida, ou melhor, abandonada. Nos primeiros três anos de poder, Lula, pragmático, aceitou a herança de Fernando Henrique Cardoso e fortaleceu o arcabouço econômico encontrado. Paralelamente, realizou reformas que nem seu antecessor ousou fazer - a da previdência do setor público, por exemplo, igualou as regras de aposentadoria do funcionalismo às do trabalhadores do setor privado e obrigou os inativos a contribuírem para a previdência.

Lula abraçou uma agenda na área econômica que pouco diferia da de FHC. Com a eclosão do mensalão em 2005, fragilizou-se politicamente e começou a promover uma inflexão no ideário econômico. O marco do início daquele processo foi a derrubada, pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, da proposta de déficit zero feita pelos ministros da área econômica - Antonio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento). Contrária a tudo o que Dilma pensa, a proposta foi tachada por ela de "rudimentar".

Dois dos formuladores do documento do PMDB participaram daqueles momentos. Marcos Lisboa, hoje presidente do Insper, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2006 e o principal formulador das reformas microeconômicas da gestão Palocci. O ex-ministro Delfim Netto, juntamente com o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, foi um dos idealizadores do projeto "déficit zero" - a lógica da ideia era que, tendo superado a severa crise de confiança de 2002/2003, o país reunia as condições para dar o passo seguinte e, assim, eliminar o déficit público, problema que está na origem de muitos males da economia (juros altos, dívida elevada, inflação renitente, baixo nível de poupança doméstica etc).

O fracasso retumbante da política econômica do governo Dilma e a resistência da presidente a mudá-la criaram espaço para o retorno de agendas como a preconizada em "Uma Ponte para o Futuro". Embora não responsabilize Dilma pelos desequilíbrios existentes na economia, o documento do PMDB, que contou também com a contribuição de especialistas como Paulo Rabello de Castro e José Márcio Camargo, deixa claro que o atual governo vai na direção contrária do seu enfrentamento.

Alguns exemplos são notáveis:

1) o documento recomenda o fim de todas as vinculações e indexações que engessam o Orçamento. No governo, Dilma superindexou o salário mínimo ao atrelar sua correção à variação da inflação e do PIB. Ela também rejeita qualquer proposta para desvincular o mínimo do piso da previdência. Além disso, jamais aceitou estabelecer um limite legal para as despesas de custeio. Dilma é contra, também, acabar com as vinculações para gastos com saúde e educação, uma regra da Constituição que, na prática, estimula a ineficiência e não ajuda a resolver os problemas dos dois setores;

2) o PMDB propõe a volta do regime de concessão na exploração do petróleo da camada pré-sal. Dilma é a mentora do regime de partilha, que está na origem da ruína da Petrobras e é uma das sementes, com o forçado gigantismo da estatal, do ruidoso esquema de corrupção a cujo desbaratamento a sociedade brasileira assiste perplexa. A exigência de conteúdo nacional, que está na raiz da ineficiência do setor, é cara à presidente;

3) o texto recomenda a inserção plena do Brasil no comércio internacional, com maior abertura e fechamento de acordos regionais (uma vez que os multilaterais estão bloqueados na OMC). Desde que chegou ao poder, Dilma elevou as tarifas de importação de vários setores e deixou o país fora de todas as negociações relevantes, criando um perigoso isolamento que nos custará caro (o desvio de comércio está fazendo o Brasil perder espaço em mercados tradicionais). O governo petista é contrário também à negociação de acordos sem a presença da Argentina e, agora, também da Venezuela;

4) o documento sugere que as agências reguladoras tenham independência e sejam despolitizadas. Dilma, assim como seu antecessor, acha que as agências devem ser instrumento de políticas públicas, portanto, não podem ser autônomas. Em seu governo, a maioria das agências funciona de forma precária, sem que sequer as diretorias sejam preenchidas;

5) a proposta fala em redução da relação dívida/PIB e cumprimento da meta de inflação. Na gestão Dilma, isso nunca foi prioritário. O IPCA esteve sempre acima da meta de 4,5% e, neste ano, deve chegar a 10%. Já a dívida pública se deteriora rapidamente, o que já fez o país perder o grau de investimento.

"É dever do governo e da sociedade manter baixa a inflação porque não apenas servidores públicos e beneficiários da previdência e da assistência social merecem a preservação do seu poder aquisitivo, mas todos os brasileiros em geral", diz o documento, referindo-se à indexação da despesa previdenciária e assistencial. "Se para manter o poder de compra dos que recebem rendas do Estado deixamos a inflação fora de controle ou muito alta, estamos penalizando a grande maioria da população, que não tem a seu favor mecanismos automáticos de indexação."

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