segunda-feira, 23 de novembro de 2015

José Roberto de Toledo: Armas por perto

Metade dos brasileiros conhece pessoalmente alguém que foi morto por arma de fogo. Se você é exceção, tem sorte de ter sido poupado pela epidemia de violência. Para medir o quão afortunado é, pergunte no trabalho ou na rua. Logo encontrará uma pessoa que conhecia outra cuja vida foi interrompida a bala. Seja cuidadoso ao indagar, porém: uma em cada dez dirá que teve um parente assassinado ou que se matou usando arma de fogo.

O Ideia Inteligência chegou a tais 50% em pesquisa nacional inédita feita em outubro, a pedido desta coluna: 42% responderam “sim, um conhecido”, e outros 8%, “sim, um parente” à questão “Você conhece(u) pessoalmente alguém que foi morto com um revólver/pistola/arma de fogo?”. A tragédia se estende.

A essa metade de brasileiros se superpõe 11% da população adulta que disse “sim” a outra pergunta. “Você conhece(u) pessoalmente alguém que usou um revólver/pistola/arma de fogo para se matar?”: 5% responderam que “sim, um parente”; e outros 6% tiveram um conhecido que cometeu suicídio dessa maneira.

Extrapolando os resultados da pesquisa, significa que para cerca de 100 milhões de brasileiros, a mortalidade armada não é mera estatística ou uma notícia distante. Penetrou o seu círculo de convivência. Provocou algum trauma. É próxima e pessoal.

À primeira vista, 50% da população com conhecimento de uma vítima de assassinato ou suicídio por arma de fogo parece muito. Mas como confirmar que se trata mesmo de algo extraordinário?
Comparando. A pesquisa da Ideia no Brasil foi inspirada por sondagem idêntica, feita semanas antes pelo YouGov e publicada no Huffington Post. Nos EUA, onde episódios de violência costumam repercutir internacionalmente, os que conhecem vítimas fatais de armas de fogo somam 22% da população: 16% tiveram um conhecido morto dessa maneira, e outros 6%, um parente.

Para os gringos, essa taxa já pareceu uma enormidade. Mas, em comparação ao que se descobriu aqui, o alcance da violência entre as redes pessoais dos norte-americanos é menos da metade do que entre os brasileiros. Faz sentido quando se comparam os assassinatos por arma de fogo nos dois países. Em 2013, foram 11.208 homicídios desse tipo nos EUA contra pelo menos 40.369 no Brasil (sem contar mortos pela polícia e casos duvidosos).

Significa que as armas provocaram quatro vezes mais vítimas no Brasil, apesar de a população nos EUA ser 58% maior. Não é só a taxa de assassinados a bala por habitante que é quase seis vezes maior aqui. As pesquisas investigaram se o entrevistado possui arma de fogo ou se alguém que mora na mesma casa que ele tem arma. Nos EUA, 37% vivem em domicílios armados. No Brasil, 22%.
Resumindo: o acesso a armas de fogo é 68% maior entre os gringos, mas a letalidade provocada por essas armas, mesmo sendo alta para países desenvolvidos, é 82% menor do que no Brasil.

Parece música para quem tenta desacreditar a correlação entre posse de armas e as mortes provocadas por elas - especialmente quando a bancada da bala no Congresso trabalha para flexibilizar o estatuto do desarmamento e atender seus financiadores. Mas se os dados valem para um lado, devem valer também para o outro.

Nos EUA, os suicídios por arma de fogo são 19 vezes mais comuns do que no Brasil. Em 2013, foram 21.175 lá, ante 1.040 aqui. Mesmo ajustando-se a taxa pelo tamanho da população, a incidência é 92% menor entre os brasileiros. Vale enfatizar, a propriedade pessoal de armas de fogo é 65% menor no Brasil: 23% a 8% da população, segundo as pesquisas do YouGov e do Ideia.

Acesso a armas facilita a violência - tanto pelo criminoso profissional quanto por policiais fora de serviço e até pelo cidadão comum. Mas os números mostram que isolar uma causa é insuficiente para explicar tantas mortes a bala no Brasil.

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