quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Levy defende proposta que fixa teto para dívida da União

• Projeto de José Serra, porém, é criticado pela equipe econômica no Senado

Martha Beck – O Globo

-BRASÍLIA- A audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, realizada ontem, para debater o projeto que fixa tetos para as dívidas líquida e bruta da União, acabou se tornando o retrato da falta de sintonia na equipe econômica. Em cima da hora, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, decidiu ir à CAE para defender a proposta, alegando que ela é um instrumento importante para disciplinar os gastos públicos. No entanto, logo em seguida, técnicos da própria Fazenda e do Planejamento fizeram uma série de ressalvas ao texto, que é relatado pelo senador José Serra (PSDB-SP).

Os sinais trocados chegaram a confundir aliados. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) ouviu a fala de Levy e logo em seguida perguntou ao ministro qual era exatamente sua posição em relação ao projeto. Ele lembrou que foram feitas consultas ao Tesouro Nacional e ao Banco Central sobre o assunto e que as duas áreas se manifestaram contra a ideia:

— Eu sou da base e estou confuso. Conversei com o Banco Central e com o Tesouro e todos foram contra o projeto. Não estou entendendo a posição do ministro.

Levy respondeu que quis se posicionar sobre o espírito do projeto e não necessariamente sobre os limites nele fixados. O ministro definiu o texto como “disciplinador” e afirmou que o Tesouro iria apresentar uma série de cenários alternativos aos do texto de Serra, com soluções para a trajetória de crescimento da dívida nos próximos anos:

— Esse é um projeto disciplinador. Ele pode nos servir bem se for acompanhado de outras medidas que vão enfrentar a questão do gasto corrente. Se essa questão for devidamente tratada, vai fazer os juros caírem. Temos que dar passos audaciosos. 

Para planejamento limite não funciona 
Pela proposta de Serra, durante os primeiros cinco anos da nova regra, as duas dívidas poderiam subir. Assim, o endividamento bruto, que hoje equivale a 5,6 vezes a receita corrente líquida (RCL), teria autorização para chegar a 7,1 vezes. Já a dívida líquida poderia passar de 2,2 vezes a RCL, como é hoje, para 3,8 vezes. No entanto, a partir do sexto ano, teria de haver uma queda linear das dívidas, e os limites de 4,4 (dívida bruta) e 2,2 (dívida líquida) deveriam ser atingidos até o 15 º ano.

O subsecretário de Planejamento e Estatísticas Fiscais do Tesouro, Otávio Ladeira, fez uma apresentação na qual afirmou que a proposta do senador cria riscos para a gestão da dívida, podendo se tornar inviável a médio e longo prazos. De acordo com o técnico, “deixar de fazer a boa gestão, para alcançar limites definidos sem debate mais aprofundado, não é uma boa prática e não se justifica. Significaria apenas deteriorar as condições de financiamento público, isto é, elevar o custo e o risco da dívida pública, confrontando-se com o propósito defendido pelo senador na justificativa do projeto”. No modelo da Fazenda, mesmo que o governo fizesse um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) de 2019 a 2030, não seria possível fazer a dívida convergir para os 2,2 propostos por Serra.

O chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, Manoel Pires, foi ainda mais crítico. Em linha com o que defende seu chefe, o ministro Nelson Barbosa, Pires afirmou que limites para a dívida pública não têm se provado eficazes. Para ele, o foco devem ser as metas de superávit primário e o controle dos gastos:

— Limites para a dívida pública não têm se mostrado mecanismos eficazes de controle fiscal. E sanções, tais como as que limitam o financiamento da dívida, tendem a aumentar a percepção de risco.

Interlocutores de Levy procuraram minimizar a falta de sintonia nas posições da Fazenda durante a audiência pública. Segundo eles, o ministro foi à CAE para substituir o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, que teve de despachar no Rio de Janeiro, e sua missão seria diferente da dos demais integrantes da equipe. Levy foi falar sobre a importância dos instrumentos de controle de gastos num momento em que o Congresso discute limites para a dívida pública. Já o papel do Tesouro seria mostrar o quadro atual da dívida e alertar para os parâmetros propostos. Quem participou do debate, porém, não entendeu dessa forma.

Levy: ‘pedaladas’ são metade do déficit
No início da audiência, o presidente da CAE, Delcídio Amaral (PT-MS), disse que Levy havia se convidado para o debate.

— O ministro Levy se convidou. Ele quis participar do debate. Não sou eu quem vai dizer não. Está mais fácil trazer o ministro da Fazenda aqui na CAE do que o presidente da Petrobras (Aldemir Bendine). Parece até que a Petrobras é maior que o Estado — alfinetou.

Na saída da comissão, Levy voltou a ser perguntado sobre sua permanência no cargo.

— Estou sempre tranquilo, calmo. Eu não estou tranquilo é com vocês aqui com medo (risco) de tropeçar. Esse negócio de esses caras andarem de costas é que me deixa extremamente intranquilo — brincou o ministro, referindo-se aos cinegrafistas que o filmavam na saída da CAE.

Na audiência, Levy destacou que metade do déficit de mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas estimado pelo governo para este ano se deve à necessidade da União de pagar passivos de anos anteriores. O Ministério da Fazenda estimou rombo de até R$ 60 bilhões para o setor público consolidado este ano, caso haja frustração de receitas de concessões. Outros R$ 57 bilhões, referentes às “pedaladas” fiscais, ainda poderiam complementar o resultado negativo.

— Metade disso (do deficit) se deve a uma tentativa que estamos construindo de dar solução a passivos anteriores, com intuito de criar medidas de estímulo e crescimento — afirmou Levy.

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