terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Merval Pereira: O rito do impeachment

- O Globo

Tudo indica que o Supremo Tribunal Federal vai adotar o rito já utilizado para o impeachment do então presidente Fernando Collor em 1992 para o caso presente, definição a ser tomada amanhã, o que parece razoável diante da experiência que já temos do assunto. Na ocasião, houve também a judicialização da questão do Supremo.

Há dois pontos polêmicos, porém, a serem esclarecidos, e que exigirão dos ministros atuais do STF reavaliações: o que pede a anulação da eleição da Câmara dos Deputados para a formação da comissão especial que analisará o impeachment, que elegeu por voto secreto uma chapa dissidente, e a possibilidade de o Senado não aceitar liminarmente o processo aprovado na Câmara.

A comissão especial da Câmara em 1992 foi eleita por voto secreto, e a tese por trás dessa decisão, que também prevaleceu no momento atual, é que uma eleição deve ser feita secretamente, como acontece em todas as que se realizam no Congresso, para a escolha dos presidentes das Casas e a formação da Mesa Diretora.

As decisões que devem ser tomadas por voto aberto são as que dependem de uma votação, exceto nos casos em que a Constituição prevê o voto fechado para proteger o parlamentar de pressões externas.

O que é diferente hoje é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, contagia todas as suas decisões com as manobras que organiza, e está sendo contestada a aceitação de uma chapa alternativa àquela escolhida pelos líderes partidários. Essa, no entanto, é uma questão interna da Câmara e não deveria ter a interferência do Supremo, pois não se trata de uma questão constitucional.

Outra questão a ser definida pelo Supremo é o papel das duas Casas do Congresso no processo de impeachment. Utilizando a experiência de 1992, o presidente do Senado, Renan Calheiros, reivindica a possibilidade de o Senado rejeitar liminarmente a decisão da Câmara, apesar de o artigo 86 ser muito claro a esse respeito: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

Calheiros alega que o “STF reconheceu que a Constituição da República de 1988 modificou as atribuições até então distribuídas entre as Casas Legislativas no procedimento de impeachment, transferindo a atribuição de processar para o Senado Federal, e incluindo nesta competência até mesmo o recebimento (ou não) da denúncia popular”.
De fato, essa interpretação saiu vencedora na discussão de um mandado de segurança no processo de impeachment de Collor, embora não tenha sido objeto de questionamento, pois foi abordada quando se tratava da reivindicação da defesa de Collor para que o voto sobre o impeachment fosse secreto na Câmara.

Prevaleceu a tese de que o voto deveria ser aberto, pois a legislação de 1950 fala em “voto nominal”, mas os ministros abordaram o papel do Senado no processo, definindo que a acusação somente se materializará “com a instauração do processo, no Senado. Neste é que a denúncia será recebida, ou não, dado que, na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusação”.

Essa interpretação parece a alguns juristas, inclusive a ministros atuais do STF, bem como o ex-presidente do STF Ayres Britto, um passo além dado naquela ocasião pelo Supremo, que decidiu que o Senado “processará e julgará” o impeachment, estando entendida no “processo” a possibilidade de não aceitar a decisão da Câmara, e não apenas a simples instauração do processo em si.

Outros ministros do STF entendem que o Senado não pode ser apenas uma Casa carimbadora das decisões da Câmara e deve analisar a questão como um contrapeso à Câmara. Há, no entanto, uma questão política sobre o comportamento dos deputados na Câmara que terá que ser levada em conta pelos atuais ministros do Supremo.

Se os deputados tiverem dúvida sobre o comportamento inicial do Senado (poderá negar as instauração?), será que irão se expor, em voto aberto, contra o governo? E a eventual — mas previsível — retaliação que o governo poderá fazer contra os que aprovarem a acusação na Câmara não pesará quando da votação?

Essa é a questão que os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal terão que enfrentar, mudando talvez algum ponto da interpretação do Supremo de 1992, quando havia um amplo consenso político a favor do impeachment de Collor, e a possibilidade de retaliação não existia. São momentos políticos distintos que exigem avaliações diferentes.

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