sábado, 12 de dezembro de 2015

Míriam Leitão: Dois pra lá, dois pra cá

O Globo

Nesta semana, em Buenos Aires, Cristina Kirchner deixou de ser presidente, fazendo um papelão na saída. Em Caracas, a oposição ganhou a eleição legislativa e passou a controlar dois terços da Assembleia. O kirchnerismo e o chavismo sempre se definiram como esquerda e rotularam seus adversários como a direita. A verdade é que os dois foram incompetentes, e por isso estão sendo derrotados.

Éuma simplificação definir o que se passa na Argentina e na Venezuela como a disputa entre os dois polos políticos tradicionais, esquerda e direita. Os dois governos cometeram os mesmos erros, em intensidade maior na Venezuela, e isso levou os dois países a terem hoje um quadro de inflação alta, crise cambial, recessão. Na política, houve pressão contra meios de comunicação e alteração de regras para favorecer os governantes.

Tudo foi muito mais longe na Venezuela. O governo chavista interferiu nas regras eleitorais, controlou o Conselho Nacional Eleitoral, aprovou mudança constitucional para se perpetuar no poder, nomeou militantes para a Suprema Corte, fechou rádios, televisões, jornais, prendeu opositores. Montou um sistema em que delegou poderes à Assembleia porque ela sempre referendava os atos do governo. O chavismo montou um sistema para ganhar sempre. Mesmo assim, a oposição ganhou depois de 16 anos, e o governo se vê agora ameaçado pelas próprias regras que criou. A dúvida é se um governo de índole autoritária conseguirá lidar com o poder conquistado nas urnas pela oposição. Na economia, o governo chavista foi um desastre, e o país está, neste momento, com inflação de 190%, segundo o FMI, e sofrendo uma profunda recessão de 10% do PIB.

A Argentina não foi tão longe na quebra das regras democráticas, mas também demonstrou a mesma incompetência econômica. O governo manipulou os dados econômicos, interferiu na economia, deixou a inflação subir. O presidente, Maurício Macri, assumiu na quinta-feira numa cerimônia marcada pela patética ausência da ex-presidente que se negou a entregar a faixa. Isso certamente é a menor das preocupações de Macri, que recebe o governo com uma lista de tarefas difíceis.

A consultoria inglesa Capital Economics listou 10 medidas que precisam ser adotadas pelo novo governo argentino. O Banco Central perdeu independência no combate à inflação e precisa novamente ter autonomia para subir os juros; há uma lista de 500 produtos com preços congelados; subsídios na energia elétrica e no setor de transportes. O gasto público com despesas sociais cresceu muito acima da capacidade de arrecadação e produziu um forte déficit no Orçamento.

A cotação do peso em relação ao dólar passou a ser controlada. Há, na verdade, várias cotações, e os economistas calculam que será necessária uma desvalorização de 40% da moeda, o que pressionará ainda mais a inflação.

O novo governo precisa entrar em acordo com os credores da dívida, para voltar a acessar os mercados de crédito internacionais. Sem isso, a atual crise cambial não será superada. O governo kirchner tributou exportação e acabou atingindo o setor mais dinâmico da economia. A venda externa de soja, por exemplo, tem 30% de imposto, a de milho, 25%, e a de trigo, 20%.

A crise cambial também levou o governo a aumentar as barreiras de importação. Empresários perderam competitividade porque passaram a ter mais dificuldade de conseguir peças e outros insumos para a produção. A confiança na economia caiu, e os investimentos encolheram. Tanto as empresas quanto os consumidores precisam de autorização para comprar dólares e importar.

Por fim, terá que restaurar os indicadores divulgados pelo Indec, que sofreu intervenção no governo Kirchner. Voltar a ter números oficiais confiáveis é essencial para que os argentinos sejam respeitados nos mercados. Macri, no discurso de posse, falou sobre a necessidade da busca da verdade estatística.

A derrota eleitoral do kirchnerismo e do chavismo não se deve às suas políticas sociais, mas sim à incompetência administrativa. Além disso, a Argentina quis se livrar do personalismo da ex-presidente; a Venezuela mostrou rejeição ao caudilhismo chavista. Em outros países da região há a mesma tendência de recobrir com um discurso de esquerda o que é simplesmente a adoção de políticas equivocadas.

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