quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Míriam Leitão: Fratura exposta

- O Globo

A sessão na Câmara dos Deputados, com quebra-quebra no plenário, mostra o quanto o mundo político está à beira do descontrole e continuará assim nas próximas semanas, nos trabalhos da Comissão Especial que vai avaliar o pedido de impeachment. A vitória da chapa organizada pela oposição torna a situação do governo mais difícil, mas a lei dá à Presidência muita chance de se proteger.

Esta semana tem sido de derrotas para a presidente. A carta do vice Michel Temer mostra a fratura exposta entre ela e parte do principal partido da coalizão governista. Se ontem a oposição ganhou 272 votos para a chapa dissidente é porque teve votos de integrantes de partidos que estão no poder. O governo teve apenas 199 votos, uma indicação de que sua base está se esfarelando, mas ainda consegue os 172 votos que precisa para barrar o impeachment.

Em relação ao vice era inevitável. Qualquer gesto que Michel Temer fizesse, que não fosse apoio total a Dilma, seria mal visto pelos governistas e entendido como conspiração. Mas o vice em qualquer democracia do mundo tem que estar preparado para assumir o governo numa eventualidade. Itamar Franco se afastou de Collor de Mello desde o início do governo, o que ajudou na época da crise. Michel Temer fez um caminho diferente.

Nos Estados Unidos, presidente e vice têm funções bem específicas, o que impede que um vice vire “decorativo” ou seja “menosprezado”, mas a ideia de substituição está até na proibição de que entrem juntos no Air Force One e na legislação que estabelece que o vice esteja de prontidão para assumir o cargo.

Michel Temer, como vice-presidente, tem tido um comportamento errático. Quando foi tratado como decorativo, durante quatro anos no primeiro mandato, ficou em silêncio e aceitou compor a chapa novamente já sabendo que não tinha a confiança da presidente. Quando foi chamado para ter uma função, ele aceitou e assumiu a coordenação política. Agora que a presidente está sob o risco de um processo de impeachment, ele escreveu a carta com sua lista das mágoas.

Nesta lista, algumas coisas ficam claras. A presidente Dilma deu demonstrações de desapreço de diversas formas e sequer seguiu o protocolo. Por que mesmo não convidar seu vice para uma conversa com o vice dos Estados Unidos, Joe Biden? Ela nada tinha a ganhar excluindo Temer e descumpriu o cerimonial. A inabilidade de Dilma acaba criando arestas desnecessárias. O fato de não chamá-lo para a formulação de políticas mostra que ela entende a coalizão apenas como distribuição de cargos, mas não como compartilhamento de ideias e programas.

Por outro lado, fica claro que Temer participava do poder através de pessoas ligadas a ele que foram nomeadas. Ele reclama que seus indicados foram afastados ou não eram ouvidos, mas ele nomeou para cargos no governo. Não está apartado do poder. Alguns fatos que ele aponta mostram que a presidente escolheu uma facção do PMDB para sua predileção, a de Leonardo Picciani “e seu pai”.

A principal crítica que se faz ao vice-presidente é que Temer tem tido conversas com lideranças políticas seja de seu partido, seja da oposição. Seria estranho se não tivesse. Por que ele deveria se fechar numa redoma e não conversar com ninguém? E se ele tiver que assumir o governo, como ele se prepara para isso?

Itamar Franco se preparou formando seu grupo, que passou a ter mais nitidez com o avanço da discussão do processo de impeachment e isso ajudou a governabilidade quando ele assumiu. A vantagem é que ele já havia demonstrado suas divergências em relação ao então presidente antes da crise que levou Collor a perder o cargo. Além disso, durante a tramitação do impeachment, um grupo de ministros se distanciou de Collor e passou a defender a governabilidade. Desse grupo faziam parte os ministros da Justiça, Célio Borja; da Fazenda, Marcílio Marques Moreira; das Relações Exteriores, Celso Lafer.

Por mais que Temer tente se afastar agora da presidente, em vários cenários os destinos dos dois estarão entrelaçados. Se prosperarem as ações no TSE, a chapa será atingida. Se não for barrado o pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, a presidente seria atingida e não necessariamente o seu vice. Em qualquer caso, a fratura entre os dois agora ficou exposta.

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