domingo, 21 de junho de 2015

Opinião da semana – Augusto Nardes

As contas são dela. Tudo foi prestado por ela. Por isso, é a presidenta que precisa ser ouvida.

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Augusto Nardes, Ministro do TCU e relator das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff, justificando por que o tribunal determinou que a própria presidente explique as ‘pedaladas fiscais’

Reprovação a Dilma, de 65%, atinge nível de Collor pré-impeachment

• Só 10% dos brasileiros classificam o governo, que passa por eventos negativos como a Operação Lava Jato e o risco de rejeição de contas pelo TCU, como bom ou ótimo

Reprovação de Dilma só não é pior que a de Collor

Ricardo Mendonça – Folha de S. Paulo
Editor-adjunto de "Poder"

A presidente Dilma Rousseff chega ao final do primeiro semestre avaliada como ruim ou péssima por 65% do eleitorado, um novo recorde na série do Datafolha desde janeiro de 2011, início de seu primeiro mandato.

No histórico de pesquisas nacionais de avaliação presidencial do instituto, essa taxa de reprovação só não é pior que os 68% de ruim e péssimo alcançados pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello em setembro de 1992, poucos dias antes de seu impeachment.

Considerando a margem de erro de dois pontos para mais ou para menos, trata-se praticamente de um empate.

No levantamento realizado na quarta (17) e na quinta (18), o Datafolha apurou que apenas 10% dos brasileiros classificam o governo da petista como bom ou ótimo.

Essa taxa —só comparável às dos momentos mais críticos de Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso— equivale a um terço da pior marca de Dilma em seu primeiro mandato, os 30% pós-junho de 2013, quando uma onda de grandes protestos espalhou-se pelo país.

Em relação à pesquisa de abril, a reprovação de Dilma subiu cinco pontos; a aprovação oscilou três para baixo.

A atual taxa de aprovação da presidente é baixa, e em patamares muito parecidos, entre eleitores de diferentes níveis de renda. No grupo dos mais pobres, os que têm renda familiar mensal de até dois salários mínimos, 11% a aprovam, 62% a reprovam. No segmento dos mais ricos (acima de 10 salários), 12% a aprovam, 66% a reprovam.

Tendências parecidas ocorrem nos recortes por sexo, idade e escolaridade.

Algum contraste pode ser observado na aprovação por região. No Sudeste, a área mais populosa, só 7% aprovam a presidente. No Nordeste, 14%. Já a reprovação nos nove Estados nordestinos, área onde Dilma obteve enorme vantagem de votos na eleição de 2014, é de 58%.

Agenda
Os resultados ocorrem em meio à uma série de eventos negativos para a imagem da presidente, como o risco de rejeição das contas do governo em 2014 pelo Tribunal de Contas da União e o aprofundamento da Operação Lava Jato, que apura um esquema de corrupção na Petrobras.

O ajuste fiscal que tem sido defendido e promovido pelo governo tampouco parece ajudar. Para 63%, as medidas afetam principalmente os mais pobres. Outros 29% acham que afetam igualmente pobres e ricos.

A pesquisa foi feita antes da prisão de executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, as duas maiores empreiteiras do Brasil.

Mas sob forte efeito da queda do emprego, cujo resultado estatístico mais chamativo foi anunciado na sexta (19) pelo Ministério do Trabalho.

Conforme a pasta, 115 mil vagas de trabalho com carteira assinada foram encerradas em maio, o pior resultado para o mês desde 1992. Foi, conforme os dados do Caged (Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados), o quarto mês de queda no emprego neste ano, que já acumula um saldo negativo de quase 244 mil vagas formais.

No Datafolha, o tema aparece no capítulo que investiga as expectativas econômicas da população. E também como recorde. Para 73%, o desempego irá aumentar no próximo período ante 70% que pensavam assim três meses atrás e 62% em fevereiro.

Outro sinal detectado pela pesquisa nessa área é que o desemprego passou a ser visto como o principal problema do país por 11% do eleitorado. Em fevereiro, eram 6% os que pensavam dessa forma.

Com isso, essa questão trabalhista subiu para o terceiro lugar no ranking de preocupações, atrás da saúde (o principal problema para 22%) e da corrupção (21%).

Embora o indicador de expectativa com a economia como um todo aponte para uma tendência de melhoria, o resultado final não pode ser considerado positivo. O pessimismo, neste caso, caiu de 60% para 53% desde abril. Está um pouco menos pior.

O Datafolha ouviu 2.840 pessoas em 174 municípios.

Insegurança com salário e emprego é principal frustração

• Grande temor sobre desemprego não era visto desde 2001, e líderes políticos não conseguirão mudar quadro

Mauro Paulino - Diretor-geral do Datafolha - Alessandro Janoni - Diretor de Pesquisas do Datafolha

Nos últimos dois meses, continuou crescendo o grupo que reúne eleitores frustrados com Dilma Rousseff, isto é, aqueles que votaram na petista no segundo turno e que hoje a consideram ruim ou péssima na condução do país. Eram 15% em abril e totalizam agora 20%.

Parte de seus eleitores que na ocasião estavam apreensivos ou satisfeitos, passaram agora a reprová-la.

O índice recorde de impopularidade a coloca em patamar semelhante ao de Collor em véspera de impeachment e ao de Sarney em final de mandato. E não por acaso, a economia e o desemprego, que há algum tempo não figuravam como problemas primordiais do país, voltam agora a assombrar o imaginário dos brasileiros.

Com isso, outro time passa a ocupar o vácuo de liderança política, jogando para a torcida. A desarticulação do governo deixa espaço para que a pauta do Congresso se cole na opinião pública no auge da crise de representação. As inversões de posicionamento da maioria quanto à reeleição e ao voto facultativo ilustram o terreno movediço e sensível sobre o qual o Legislativo age, desprezando o debate e a participação.

É revelador, portanto que, em momento econômico tão nebuloso e determinante da opinião pública, muito mais brasileiros tenham ouvido falar de Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Michel Temer do que de Joaquim Levy.

Para reverter o quadro, Dilma teria que reconquistar ao menos parte de seus eleitores, já que o conjunto dos que não a elegeram é extremamente refratário à presidente.

A identificação da variável de maior peso na corrosão de sua imagem é fundamental para projetar perspectivas de eventual recuperação.

Não há dúvidas de que a economia do país é o fator determinante, mas quais são os vetores econômicos de maior correlação com a curva negativa da petista? Uma análise estatística feita pelo Datafolha indica que as expectativas da população quanto à influência da crise no seu dia a dia explicam mais a evolução da impopularidade da petista do que, por exemplo, o comportamento da taxa real de inflação ou do índice oficial de desemprego.

O grau de correlação entre a variação do IPCA acumulado de 12 meses, com a curva de popularidade de Dilma Rousseff ao longo de seu mandato até alcança um escore alto, mas fica bem abaixo da influência exercida pelo pessimismo sobre o poder de compra dos salários e também da expectativa de aumento do desemprego.

Aliás, temor tão grande em relação ao desemprego não se vê desde junho de 2001, no segundo mandato de FHC. Esse baixo-astral coletivo deve manter-se enquanto a percepção de risco prevalecer na população.

Hoje, líderes políticos, tanto de governo quanto de oposição, mal avaliados mesmo adotando agenda de fácil apelo popular, não conseguirão mudar o quadro até que ao menos parte dessa insegurança se dissipe.

Momento crucial será o final de 2015, início de 2016, período em que o plano das percepções costuma deparar-se com a realidade.

Aécio lidera corrida com 35%, mostra Datafolha

• Simulação de eleição mostra senador tucano dez pontos à frente de Lula

• Num cenário com Alckmin candidato pelo PSDB, o petista e a ex-senadora Marina Silva aparecem na liderança

Ricardo Mendonça- Editor-adjunto de "Poder" – Folha de S. Paulo

Numa simulação de eleição para presidente da República feita pelo Datafolha, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) alcançou 35% das intenções de voto, o que lhe garante a liderança da corrida com dez pontos de vantagem sobre o ex-presidente Lula (PT).

Em terceiro lugar, com 18% das intenções de voto, aparece a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PSB). Luciana Genro (PSOL), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e Eduardo Jorge (PV) alcançaram 2% cada um.

Aécio, Marina, Luciana Genro e Eduardo Jorge concorreram à Presidência no ano passado. Mas foram derrotados pela presidente Dilma Rousseff, reeleita no segundo turno contra o senador tucano.

No levantamento do Datafolha, 11% disseram que votariam em branco, nulo ou em nenhum dos nomes apresentados. Outros 5% afirmaram não saber em quem votar.

O instituto também fez uma simulação de disputa presidencial com o nome do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no lugar de Aécio.

Neste caso, Lula e Marina empatariam tecnicamente em primeiro lugar com 26% e 25%, respectivamente --a margem de erro do levantamento é de dois pontos para mais ou para menos.

Alckmin ficaria em terceiro lugar com 20%. Paes e Luciana Genro alcançariam 3% cada um. Eduardo Jorge ficaria com 2%. Brancos, nulos e nenhum somam 14%. Indecisos, 7%.

A eleição, nesse caso, ficaria mais parecida com a de 2006. Naquele ano, o principal adversário de Lula, que disputava a reeleição, foi Alckmin. No segundo turno, o petista venceu o tucano.

O Datafolha fez 2.840 entrevistas na quarta-feira (17) e na quinta (18)

Políticos poderosos são pouco conhecidos

• Poucos conhecem Levy, Temer, Cunha ou Renan

Ricardo Mendonça - Editor-adjunto de "Poder" – Folha de S. Paulo

Os quatro personagens da arena política que mais ganharam poder com o enfraquecimento da presidente Dilma Rousseff têm duas características em comum perante a opinião pública.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e os peemedebistas Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha são pouco conhecidos pela população e, entre os que os conhecem, mal avaliados. São constatações da pesquisa Datafolha finalizada na quinta (18).

Para os brasileiros, o mais obscuro é Levy. Só 4% dizem conhecê-lo muito bem. O ministro da Fazenda é totalmente desconhecido para 43%.

Entre os que conhecem Levy ao menos de ouvir falar, 20% o aprovam. Mas 26% o classificam como ruim ou péssimo. Ainda assim, é o melhor desempenho entre os quatro neopoderosos da República.

Há muitos anos fazendo política em São Paulo, e mesmo já em seu segundo mandato como vice-presidente, Temer só é bem conhecido por 10%. Quase um terço não sabe quem ele é. A aprovação do vice, também articulador político do governo, é de 15%.

Cunha, que exerce uma ruidosa Presidência da Câmara, só é bem conhecido por 5%. E Renan, no comando do Senado, por 9%. Suas taxas de ótimo e bom, 17% e 13%, respectivamente, não são tão melhores que a de Dilma.

Estratégia para eleição de 2018 divide PSDB

• Alckmin usa propaganda partidária para exibir imagem de gestor, enquanto Aécio aposta no desgaste dos petistas

• Derrotado duas vezes na disputa pela Presidência, Serra tenta se diferenciar com agenda no Senado

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), inicia nesta semana a segunda fase de uma operação cujo objetivo é firmar seu nome como pré-candidato à próxima eleição presidencial, em 2018.

Nesta quarta (24), Alckmin usará a propaganda partidária do PSDB na televisão para se apresentar como o administrador de um Estado que avança em contraponto à "paralisia nacional". Na sexta (26), ele lançará uma das principais obras de sua gestão, o trecho leste do Rodoanel.

Há uma semana, o diretório paulista do PSDB lançou Alckmin para presidente, causando desconforto em alas alinhadas com o senador Aécio Neves (MG), que desponta ao lado do governador como opção da sigla para 2018.

Parlamentares próximos ao senador mineiro, que perdeu para a presidente Dilma Rousseff a eleição de 2014, dizem que a ofensiva precoce de Alckmin pode tirar o foco do que hoje deveria ser o principal objetivo do partido: o desgaste do governo e do PT.

Há dois meses, o governador passou a cumprir agenda política intensa. Em Brasília há duas semanas, Alckmin promoveu um jantar para 30 deputados, de diversos Estados e oito partidos diferentes.

O paulista também tem buscado informações sobre a situação econômica do país. Convidou recentemente para uma conversa no Palácio dos Bandeirantes o economista Eduardo Gianetti, que assessorou Marina Silva (PSB) na corrida presidencial de 2014.

O vice de Alckmin, Márcio França, presidente do PSB em São Paulo, trabalha para costurar o apoio da sigla a uma futura candidatura. "Não descarto que, se ficar sem espaço no PSDB, ele mude de legenda", diz um dirigente do PSB.

Aécio tem tratado o assunto com cautela. Aos aliados diz que não vai cair na "armadilha" de um embate precoce com Alckmin. No fim deste mês, o senador planeja uma série de viagens pelo país, começando por Manaus, a pretexto de agradecer os votos que recebeu em 2014.

Aécio também busca reafirmar alianças. Em conversas recentes com políticos de Belo Horizonte, sugeriu que pode apoiar o prefeito da cidade, Márcio Lacerda (PSB), se ele quiser se lançar para o Senado ou até mesmo ao governo de Minas Gerais em 2018.

Se conseguir manter a seu lado o prefeito, um aliado histórico dos tucanos mineiros, Aécio pode dividir a atenção do PSB entre ele e Alckmin.

Terceiro elemento
Surgiu ainda no PSDB um terceiro elemento, o senador José Serra (SP), que aposta na produção de agenda própria no Congresso e alianças inesperadas para se diferenciar dos dois nomes que hoje dominam os debates no PSDB.

Serra perdeu espaço na cúpula partidária desde 2010, quando suas pretensões presidenciais foram derrotadas pelo PT pela segunda vez. Eleito senador no ano passado, Serra tem negociado pessoalmente com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o apoio aos projetos que julga relevantes.

Questionado outro dia por um aliado se ainda tinha ambições nacionais, Serra disse que políticos que perdem a ansiedade deveriam deixar a política. Em seguida, acrescentou: "Não vou dizer que não sou candidato. Seria ridículo".

Ele ameaça derrubar a república

• O empreiteiro Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato, e seu pai, Emilio Odebrecht, mandam um recado ao governo: Terão de construir três celas."

Filipe Coutinho, Thiago Bronzatto e Diego Escosteguy – Revista Época

Desde que o avançar inexorável das investigações da Lava Jato expôs ao Brasil o desfecho que, cedo ou tarde, certamente viria, o mercurial empresário Emilio Odebrecht, patriarca da família que ergueu a maior empreiteira da América Latina, começou a ter acessos de raiva. Nesses episódios, segundo pessoas próximas do empresário, a raiva - interpretada como ódio por algumas delas - recaía sobre os dois principais líderes do PT: a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A exemplo dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, outros dois poderosos alvos dos procuradores e delegados da Lava Jato, Emilio Odebrecht acredita, sem evidências, que o governo do PT está por trás das investigações lideradas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. "Se prenderem o Marcelo (Odebrechty filho de Emilio e atual presidente da empresa), terão de arrumar mais três celas", costuma repetir o patriarca, de acordo com esses relatos. "Uma para mim, outra para o Lula e outra ainda para a Dilma. Na manhã da sexta-feira, 19 de junho de 2015,459 dias após o início da Operação Lava Jato, prenderam o Marcelo. Ele estava em sua casa, no Morumbi, em São Paulo, quando agentes e delegados da Polícia Federal chegaram com o mandado de prisão preventiva, decretada pelo Juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal da Justiça Federal do Paraná, responsável pelas investigações do petrolão na primeira instância. Estava na rua a 14ª fase da Lava Jato, preparada meticulosamente, há meses, pelos procuradores e delegados do Paraná, em parceria com a PGR. Quando ainda era um plano, chamava-se "Operação Apocalipse". Para não assustar tanto, optou-se por batizá-la de Erga Omnes, expressão em latim, um jargão jurídico usado para expressar que uma regra vale para todos - ou seja, que ninguém, nem mesmo um dos donos da quinta maior empresa do Brasil, está acima da lei. Era uma operação contra a Odebrecht e, também, contra a Andrade Gutierrez, a segunda maior empreiteira do país. Eram as empresas, precisamente as maiores e mais poderosas, que ainda faltavam no cartel do petrolão. Um cartel que, segundo a força-tarefa da Lava Jato, fraudou licitações da Petrobras, desviou bilhões da estatal e pagou propina a executivos da empresa e políticos do PT, do PMDB e do PP, durante os mandatos de Lula e Dilma.

Os comentários de Emilio Odebrecht eram apenas bravata, um desabafo de pai preocupado, fazendo de tudo para proteger o filho e o patrimônio de uma família? Ou eram uma ameaça real a Dilma e a Lula? Os interlocutores não sabem dizer. Mas o patriarca tem temperamento forte, volátil e não tolera ser contrariado. Também repetia constantemente que o filho não tinha condições psicológicas de aguentar uma prisão". Marcelo Odebrecht parece muito com o pai. Nas últimas semanas, segundo fontes ouvidas por ÉPOCA, teve encontros secretos com petistas e advogados próximos a Dilma e a Lula. Transmitiu o mesmo recado: não cairia sozinho. Ao menos uma dessas mensagens foi repassada diretamente à presidente da República. Que nada fez.

Quando os policiais amanheceram em sua casa, Marcelo Odebrecht se descontrolou. Por mais que a iminência da prisão dele fosse comentada amiúde em Brasília, o empresário agia como se fosse intocável. Desde maio do ano passado, quando ÉPOCA revelara as primeiras evidências da Lava Jato contra a Odebrecht, o empresário dedicava-se a desancar o trabalho dos procuradores. Conforme as provas se acumulavam, mais virulentas eram as respostas do empresário e da Odebrecht. Antes de ser levado pela PF, ele fez três ligações. Uma delas para um amigo que tem interlocução com Dilma e Lula - e influência nos tribunais superiores em Brasília. "É para resolver essa lambança", disse Marcelo ao interlocutor, determinando que o recado chegasse à cúpula de todos os poderes.

Antes mesmo de chegar à carceragem em Curitiba, Marcelo Odebrecht estava "agitado, revoltado", nas palavras de quem o acompanhava. Era um comportamento bem diferente de outro preso ilustre: o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Otávio Azevedo, como o clã Odebrecht, floresceu esplendorosamente nos governos de Lula e Dilma. Tem uma relação muito próxima com eles — e com o governador de Minas Gerais, o petista Fernando Pimentel, também investigado por corrupção, embora em outra operação da PF. Otávio Azevedo se tornou compadre de Pimentel quando o petista era ministro do Desenvolvimento e, como tal, presidia o BNDES.

Não há como determinar com certeza se o patriarca dos Odebrechts ou seu filho levarão a cabo as ameaças contra Lula e Dilma. Mas elas metem medo nos petistas por uma razão simples: a Odebrecht se transformou numa empresa de R$ 100 bilhões graças, em parte, às boas relações que criou com ambos. Se executivos da empresa cometeram atos de corrupção na Petrobras e, talvez, em outros contratos estatais, é razoável supor que eles tenham o que contar contra Lula e Dilma.

A prisão de Marcelo Odebrecht encerra um ciclo — talvez o maior deles - da Lava Jato. Desde o começo, a investigação que revelou o maior esquema de corrupção já descoberto no Brasil mostrou que, em 2015, é finalmente possível sonhar com um país com menos impunidade. Pela primeira vez, suspeitos de ser corruptores foram presos—os executivos das empreiteiras. Antes, apenas corruptos, como políticos e burocratas, eram julgados e condenados. E foi precisamente esse lento acúmulo de prisões, e as delações premiadas associadas a elas, que permitiu a descoberta de evidências de corrupção contra Marcelo Odebrecht, o empreiteiro que melhor representa a era Lula. Foram necessárias seis delações premiadas, dezenas de buscas e apreensão em escritórios de empresas e doleiros e até a colaboração de paraísos fiscais para que o dia 19 de junho fosse, enfim, possível.

A conexão Suíça
Embora houvesse, na visão dos investigadores, provas contra a Odebrecht desde novembro do ano passado, faltava um elemento essencial - e não dependia deles. As operações de pagamento de propina da Odebrecht, segundo as delações premiadas de executivos da Petrobras e empresários do cartel do petrolão, transcorriam no exterior, quase sempre em paraísos fiscais. Em nenhum as transações eram tão intensas quanto na Suíça. Apesar de ser um paraíso fiscal, a Suíça conta com um Ministério Público cada vez mais combativo. Vive uma salutar transformação. E foi ela que permitiu as provas derradeiras contra a Odebrecht.

No ano passado, procuradores da Lava Jato intensificaram os contatos com seus pares na Suíça. A colaboração, cujos detalhes são mantidos em segredo até hoje, passou a ser proveitosa. Hoje, os promotores suíços investigam a Odebrecht com a ajuda do Ministério Público brasileiro. E o MP brasileiro conseguiu as provas que queria graças à investigação dos colegas suíços.

Os procuradores brasileiros obtiveram acesso aos extratos de contas associadas à Odebrecht. Não podiam pegar cópia nem tirar fotos. Mas podiam manusear os papéis e memorizar o que havia neles. Descobriram que, apesar da fina sofisticação da Odebrecht para escamotear o pagamento de propinas, os gerentes das contas anotavam, em caneta, o nome da empreiteira, ao lado das transações que deveriam ser secretas. Surgia o caminho do dinheiro.

O responsável por criar um esquema complexo de transferência de recursos da construtora para contas offshore era o suíço-brasileiro Bernardo Schiller Freiburghaus. Conforme ÉPOCA revelou em fevereiro de 2015, o doleiro apresentou à Receita Federal sua declaração de saída do país, informando que possuía apenas uma conta-corrente com cerca de 50 mil francos suíços (R$ 168 mil, em valores atuais) depositados no banco Julius Baer, na Suíça, sua nova residência. Freiburghaus fugiu, pois sabia que estava enroscado com a Odebrecht no petrolão - e, mais cedo ou mais tarde, poderia ser preso. Ele estava certo. Freiburghaus é considerado "foragido" e consta na lista seleta dos procurados internacionais da Interpol.

"O operador por ela (Odebrecht) contratado para o repasse da propina e lavagem de dinheiro, Bernardo Schiller Freiburghaus, destruía as provas das movimentações das contas no exterior tão logo efetuadas e, já no curso das investigações, deixou o Brasil, refugiando-se no exterior, com isso prejudicando a investigação em relação às condutas que teria praticado para a Odebrecht", diz Moro em seu despacho. Os extratos das contas secretas na Suíça do delator Paulo Roberto Costa, anexados ao inquérito, revelam que o doleiro suíço-brasileiro figura como o procurador de diversas contas de empresas que foram criadas para receber o dinheiro da propina. Freiburghaus também aparece como o responsável pelas contas das offshore de Pedro Barusco, um dos delatores que disseram ter recebido propina da Odebrecht.

Freiburghaus também é investigado na Suíça. Prepara-se uma operação de busca em seus endereços naquele país. Enquanto isso, os brasileiros e os próprios suíços tentam rastrear o dinheiro do esquema em outros paraísos fiscais.

Os e-mails do chefe
Era uma segunda-feira de março de 2011. Marcelo Odebrecht trocava mensagens com assessores. O assunto era a negociação de sondas com a Petrobras. O diretor Roberto Prisco conseguiu colocar no e-mail, em poucas linhas, como o esquema investigado na Operação Lava Jato funcionava à base da combinação de super faturamento e cartel de empreiteiras. "Falei com o André em um sobrepreço no contrato de operação da ordem de $20-25000/dia (por sonda). Acho que temos que pensar bem em como envolver a UTC e OAS, para que eles não venham a se tornar futuros concorrentes na área de afretamento e operação de sondas", escreveu. Um dos destinatários era Marcelo Odebrecht. O empreiteiro demorou 12 minutos para responder à mensagem. Foram 11 palavras, nenhuma de desaprovação ao comentário do assessor. Marcelo Odebrecht foi direto: "E sugiro acelerar para "amanhã" a conversa com OAS e UTC".

A postura da Odebrecht ao longo da investigação chamou a atenção dos investigadores. Para eles, a defesa da legalidade das operações e a transparência dos negócios da Odebrecht com o governo eram apenas um discurso. "Outra evidência da corrupção institucionalizada na Odebrecht é que, apesar das evidências de corrupção avassaladoras e em cascata, a empresa não fez uma investigação interna voltada ao esclarecimento dos fatos que a envolvem, não forneceu informações às autoridades, não adotou medidas de compliance (governança) e não puniu diretores e funcionários", escreveu o Ministério Público Federal.

Para os investigadores, o tal e-mail de Marcelo Odebrecht ilustra a proximidade da empreiteira com os dirigentes da Petrobras — os mesmos que foram presos. Dois personagens são decisivos e também foram presos: Rogério Araújo e Márcio Faria, denunciados por ÉPOCA em outubro de 2014. A dupla de diretores é citada frequentemente por delatores como os homens da Odebrecht no esquema. E os documentos obtidos pela PF dão sustentação às acusações. Não era tudo uma grande armação contra a maior empreiteira do Brasil. A PF descobriu indícios de formação de cartel com concorrentes em licitação e até o uso de informações privilegiadas.

A intimidade de Araújo com os executivos da Petrobras aparece nas provas. No dia 18 de junho de 2007, Rogério Araújo informava os colegas de empreiteira sobre uma negociação na Petrobras. Ele sabia quanto era o orçamento interno previsto pela estatal numa licitação. "O orçamento interno do cliente está na faixa de 150 a 180 mil reais, o que obviamente não dá! Já falei com vários interlocutores e Engenharia está trabalhando na revisão do orçamento", escreveu Araújo. O diretor da Odebrecht não estava blefando. Horas antes, ele estava na Petrobras. Passou 15 minutos com Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento e agora um dos principais delatores do esquema.

A Lava Jato conseguiu ainda provas do cartel com a secretária de Márcio Faria. Nas agendas, ele registrava expressões que, segundo a interpretação dos investigadores, denotavam o acerto com concorrentes. "Desgaste para o G-7", "Estratégias (duas ou três empresas? — e as demais?); "Propostas para as três SS s — moeda de troca" Uma das anotações joga por terra a versão de que os empresários eram vítimas de achaque da Petrobras. Assim escreveu Márcio Faria: "Estratégia - Clube"; "Utilização Paranaguá (2-- opção com outra cabeça de chave?)".

Após a prisão de Marcelo Odebrecht, a empreiteira foi sucinta ao se defender. "Como é de conhecimento público, a CNO entende que estes mandados são desnecessários, uma vez que a empresa e seus executivos, desde o início da Operação Lava Jato, sempre estiveram à disposição das autoridades para colaborar com as investigações." Em nota, a Andrade Gutierrez disse que causaram "estranheza" as prisões. "A Andrade Gutierrez reitera, como vem fazendo desde o início das investigações, que não tem ou teve qualquer relação com os fatos investigados pela Operação Lava Jato, e espera poder esclarecer todos os questionamentos da Justiça o quanto antes."

O Ministério Público Federal estima que as duas empresas pagaram R$ 764 milhões em propina. "Considerando a duração do esquema criminoso, pelo menos desde 2004, a dimensão bilionária dos contratos obtidos com os crimes junto à Petrobras e o valor milionário das propinas pagas aos dirigentes da Petrobras, parece inviável que ele fosse desconhecido dos presidentes das duas empreiteiras, Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo", escreveu o juiz Sergio Moro. Os investigadores acham que Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo terão muito a explicar.

As palestras de "Brahma"
A nova fase da Lava Jato deixou especialmente o ex-presidente Lula sob pressão. Desde quando deixou o governo para se dedicar ao instituto que leva seu nome, o petista passou a dar palestras mundo afora. Uma boa parte dessas viagens para países da América Latina e da África foi bancada pela Odebrecht, responsável por grandes obras de infraestrutura nesses mercados. A ligação entre a construtora e Lula era feita por meio do lobista Alexandrino Alencar, que teve sua prisão temporária decretada na última sexta-feira junto com outros executivos da construtora. Diretor de Relações Institucionais, Alencar era designado para ciceronear o ex-presidente - e articular negócios do grupo dentro e fora do país. Aqui no Brasil, Lula participou das discussões entre o Corinthians e a Odebrecht na construção do estádio do Itaquerão.

Desde que deixou o Planalto, em 2011, o ex-presidente vem promovendo os interesses das empresas brasileiras no exterior, sobretudo os da Odebrecht. Em 31 de janeiro de 2013, Lula visitou a República Dominicana, bancado pela construtora brasileira e ao lado de Alexandrino Alencar. Lá, eles se reuniram com o presidente do país, Danilo Medina Sánchez, e o ex-presidente Leonel Fernández- e lá estava Alencar, numa reunião restrita.

Em mensagem de celular enviada no dia 12 de novembro de 2013, às 22h07, o presidente da OAS, Léo Pinheiro, diz: "O Brahma (apelido dado para Lula) quer fazer a palestra dia 24/25 ou 26/11 em Santiago. Seria uma mesa-redonda com 20 a 30 pessoas. Quem poderíamos convidar e onde?". No dia 25 de novembro, às 13h01, Cesar Uzeda, então diretor superintendente da OAS, entra em contato com Léo: "Colocamos o avião a disposição de Lula para sair amanhã ao meio dia, seria bom você checar com Paulo Okamoto se é conveniente irmos no mesmo avião, caso contrário vamos na quarta-feira. Abs".

A amizade de Brahma com as empreiteiras nunca esteve tão estremecida.

O penúltimo degrau

• A Polícia Federal prende os donos e executivos de mais duas empreiteiras, atinge o topo da cadeia de comando do esquema de corrupção da Petrobras e está a um passo do ex-presidente Lula.

Rodrigo Rangel, Daniel Pereira e Robson Bonin – Revista Veja

A partir das primeiras delações premiadas de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e do doleiro Alberto Youssef, os responsáveis pela Operação Lava-Jato se deram conta de que estavam lidando com um caso que só ocorre uma vez na vida de um policial, de um promotor ou de um juiz. À medida que os depoimentos se sucediam e mais provas iam sendo encontradas, o esquema foi tomando a forma de uma gigantesca operação político-partidária e empresarial destinada a levantar fundos com contratos espúrios de empresas com a Petrobras. As raízes do esquema começaram a ficar cada vez mais profundas, enquanto sua copa passava a abranger políticos postados em galhos cada vez mais altos. Em abril, Carlos Fernando Lima, um dos procuradores da Lava-Jato, disse em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a investigação se tornara tão ampla que chegaria a "mares nunca dantes navegados". Na sexta-feira passada, a Lava-Jato aproou para praias que pareciam inatingíveis, prendendo os presidentes das duas maiores empreiteiras do Brasil — Marcelo Odebrecht, presidente e herdeiro da empresa que leva seu sobrenome, e Otávio Azevedo, o principal executivo da Andrade Gutierrez. O nome da operação da Polícia Federal que fez as prisões não podia ser mais ilustrativo das pretensões dos investigadores — "Erga Omnes", a expressão latina que significa "para todos" e nos tratados jurídicos é usada para proclamar um dos pilares do sistema democrático que diz que ninguém está acima da lei.

A Lava-Jato chegou ao topo? Não existe mais ninguém acima da lei em seu radar investigativo? A resposta é não.

A operação chegou aos mais altos suspeitos do braço empresarial do esquema que desviou pelo menos 6 bilhões de reais dos cofres da Petrobras. O braço político, acreditam os investigadores, pode subir mais um degrau além do ocupado, por exemplo, por João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, preso em Curitiba. Os presos da semana passada podem fornecer as informações que ainda faltam para que a lei identifique e alcance quem comandava o braço político do esquema criminoso. Quem permitia o funcionamento de uma engrenagem que abastecia PT, PMDB e PP com dinheiro sujo? Disse o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula: "A ideia é dar um recado claro de que a lei vale para todos, não importa o tamanho da empresa, seu destaque na sociedade, sua capacidade de influência e seu poder econômico".

O juiz Sergio Moro determinou a prisão de Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo, os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, por considerar que os dois "capitaneavam" o cartel de empresas que ganhava contratos da Petrobras em troca do pagamento de propina a funcionários da estatal e a políticos. Em seu despacho, Moro registrou que delatores do petrolão haviam dito que a Odebrecht pagara subornos no exterior por meio da Constructora dei Sur, sediada no Panamá. A Odebrecht vinha negando ter relação com a Del Sur. Moro também anotou a existência de um depósito feito pela Odebrecht numa conta no exterior controlada por Pedro Barusco, o delator que servia ao PT e prometeu devolver aos cofres públicos 97 milhões de dólares. O juiz determinou a prisão de outros cinco executivos, três da Odebrecht e dois da Andrade Gutierrez, e expediu 38 mandados de busca e apreensão. As duas empreiteiras são acusadas de pagar mais de 700 milhões de reais em propinas.

Resta pegar a estrela principal no firmamento governista. Os procuradores e os delegados têm elementos suficientes para desconfiar que a estrela dava expediente no Palácio do Planalto. Há apurações em andamento sobre os pagamentos milionários recebidos pelas empresas de consultoria dos ex-ministros da Casa Civil José Dirceu e Antonio Palocci. Os investigadores agora já podem mirar um degrau acima — o ponto de convergência entre corruptos e corruptores. Segundo o Ministério Público, o esquema de desvio de recursos da Petrobras passou a funcionar de forma organizada em 2004, no primeiro mandato de Lula. Todos os diretores da estatal presos e investigados por participação no esquema foram nomeados pelo petista. Ex-diretor de Abastecimento e delator do petrolão, Paulo Roberto Costa era chamado carinhosamente de "Paulinho" por Lula. Essa relação de proximidade se estendia a empreiteiros presos no ano passado, como Ricardo Pessoa, da UTC, e Léo Pinheiro, da OAS, que sempre encontravam pretextos para dar dinheiro ao ex-presidente, fossem palestras ou viagens de negócios em que ele atuava como propagandista das empresas.

A Marcelo Odebrecht atribui-se a liderança no meio empresarial da campanha "Volta, Lula", que, no ano passado, tinha como objetivo minar a candidatura de Dilma Rousseff em favor da busca de um terceiro mandato para Lula.

Mensagens descobertas pela Polícia Federal mostram que os empreiteiros exerciam influência sobre a agenda de Lula e usavam o prestígio dele para facilitar negócios em diversos países. Em contrapartida, como se sabe, o ex-presidente e alguns de seus familiares foram muito bem recompensados (veja o quadro ©). Numa mensagem enviada em novembro de 2012, um executivo da OAS alerta Léo Pinheiro sobre a possibilidade de Lula viajar ao Catar, onde a construtora teria um "grande volume de negócios", e pede a Pinheiro que cheque a informação. "Devo estar com ele quinta-feira à tarde. Falo com ele", respondeu Pinheiro. Em novembro de 2012, Lula viajou a vários países e defendeu interesses da Odebrecht e da Camargo Corrêa. Um mês antes, em outubro de 2012, Pinheiro relata ao mesmo executivo da OAS que esteve pessoalmente com Lula. Na mensagem, chama o ex-presidente pelo apelido, "Brahma" — não se sabe se a referência é à marca de cerveja ou ao deus hindu que forma com Vishnu e Shiva o triunvirato responsável pela criação, manutenção e destruição do mundo. Seja como for, Lula-Brahma realizaria algum serviço na África. "Estive essa semana com o Brahma. Contou-me que quem esteve aqui com ele foi o presidente da Guiné Equatorial, pedindo-lhe apoio sobre o problema do filho. Falou também que estava indo com a Camargo para Moçambique x Hidrelétrica x África do Sul."

Lula-Brahma tinha seus privilégios. "Léo, colocamos o avião à disposição do Lula para sair amanhã ao meio-dia. Seria bom checar com o Paulo Okamotto se é conveniente irmos no mesmo avião", diz um executivo da OAS. Paulo Okamotto é presidente do Instituto Lula e zelador das contas pessoais do ex-presidente. Convocado para depor na CPI da Petrobras, ele vive repetindo que a relação do

chefe com as empreiteiras é transparente. Desde que deixou a Presidência, Lula viajou várias vezes ao exterior para divulgar suas propostas de combate à fome e à miséria e defender os interesses de grandes empresas brasileiras em países da África e da América Latina. Em 2011, Lula e o companheiro Dirceu foram ao Panamá, onde defenderam interesses da Odebrecht. No mesmo ano, numa viagem internacional em que representou o governo brasileiro, Lula incluiu na comitiva um diretor da Odebrecht, Alexandrino Alencar, que também foi preso na última sexta-feira, acusado por um dos delatores do petrolão de pagar propina no exterior.

Lula não atua como lobista só por amor à pátria. Conforme VEJA revelou, a OAS reformou um sítio usado por ele no interior de São Paulo. Além disso, construiu no Guarujá o tríplex que pertence à família do ex-presidente. As empreiteiras também o contrataram por valores que, segundo Okamotto, chegam a 300 000 reais por palestra. Havia uma simbiose perfeita entre as partes. Foi por isso que os empreiteiros se jogaram de corpo e alma no movimento "Volta, Lula". As mensagens descobertas pela Polícia Federal são cristalinas. Nelas, aparecem restrições pesadas à presidente Dilma Rousseff e uma torcida desabrida pelo retorno do petista ao poder. "O clima não está bom para o governo, o modelo dá sinais de esgotamento e o estilo da número um tem boa parte da culpa", diz um executivo da OAS em dezembro de 2012. Em novembro de 2013, a queixa se repete. "A agenda nem de longe produz os efeitos das anteriores do governo Brahma (A senhora não leva jeito, discurso fraco, confuso e desarticulado, falta de carisma)."

A partir de 2013, Lula fez questão de vazar para a imprensa que os empresários estavam insatisfeitos com os rumos do governo Dilma. A presidente, então, passou a receber alguns deles em audiência. De nada adiantou.

Nos bastidores, o "Volta, Lula" avançou em ritmo frenético. Em abril de 2014, a seis meses da sucessão presidencial, a própria Dilma confidenciou a auxiliares o temor de ser substituída como candidata do PT. A mudança não ocorreu. Foi a primeira frustração dos empreiteiros.

A segunda se deu em novembro do ano passado, quando a primeira leva de empresários e executivos foi presa pela Polícia Federal. Eram evidentes os sinais de que o petrolão ruía. Foi nesse período que Marcelo Odebrecht avisou aos seus contatos no PT e no governo: "Não cairei sozinho". Se o maior e mais importante empreiteiro do país cumprir a palavra, a estrela-guia do lado governista do balcão será mesmo a peça que falta para que no Brasil a justiça seja mesmo Erga Omnes.

Barrar empresas em concessões seria abuso, diz ministro

• Para Cardozo, não há como impedir investigadas na Lava Jato de entrar em novas licitações; Moro havia apontado risco em pacote

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Barrar a participação de empresas em licitações do governo, independentemente de serem alvo de investigação, seria abuso de poder do Executivo,além de um ato inconstitucional, afirmou ontem o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um dia após a prisão das cúpulas das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, as duas maiores do País.

A declaração do ministro serve de resposta a afirmações do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato. Na decisão que levou à prisão os presidentes das duas empreiteiras – Marcelo Odebrecht, da empresa de mesmo nome, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez – e outros dez executivos, o magistrado afirmou que obras públicas em curso e o novo plano de concessões do governo poderiam ser uma nova fonte de corrupção para as empreiteiras. Ao justificar as prisões, Moro disse que, como o governo não impediu as empresas de celebrar contratos públicos fora da Petrobrás, principal foco da Lava Jato, há risco de “reiteração das práticas corruptas”

Em entrevista ao Estado,Cardozo tomou cuidado de não se dirigir diretamente à decisão judicial ou ao magistrado. Alegou que nunca emite opiniões sobre decisões judiciais porque têm de ser respeitadas, mas que é preciso defender o campo de atribuições do Poder Executivo.

“Estou falando isso a partir de teses que surgiram, eu não comento decisões judiciais”, disse Cardozo. “Mas existem questões que precisam ser esclarecidas”, continuou. Segundo o ministro, há duas teses que se colocam neste momento e que precisam ser objeto de consideração do governo. “Eu diria que seria claramente ilegal e inconstitucional qualquer ato administrativo que, sem um processo que se garanta o contraditório e a ampla defesa, afastasse de licitações as empresas.”

Cardozo argumentou que não se trata de uma decisão governamental afastar ou não empresas investigadas pela lei. “Se um ato administrativo afastar empreiteiras apenas investigadas, sem direito à defesa, será revisto pelo Poder Judiciário e será abuso de poder por parte da administração pública”, alegou. “O Judiciário seria o primeiro a nos punir por isso.”

Para o ministro, o Plano de Infraestrutura lançado pela presidente Dilma Rousseff na semana passada é fundamental para o País e seguirá seu ritmo de andamento normal. Segundo Cardozo, o Executivo não pode deixar que surjam alegações sobre um plano de concessões que nem sequer teve licitações lançadas ou editais publicados.

“Esse plano de concessões é fundamental para o desenvolvimento econômico e social e será realizado com absoluta transparência,com absoluta lisura,acompanhado por todos os órgãos de fiscalização”, disse. “Teses que possam utilizar esse lançamento para indicar qualquer situação ilícita, não podemos aceitar.”

Ameaças. Cardozo também rechaçou que integrantes do governo tenham sido ameaçados por Marcelo Odebrecht. Segundo a revista Época, na manhã em que foi preso, o executivo fez três ligações, uma delas a um amigo com acesso a Dilma, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com bom trânsito no Judiciário. Ele teria dito “para resolver essa lambança”, caso contrário não haveria “República” na segunda-feira

Cardozo diz não conhecer qualquer ligação feita pelo executivo a integrantes do governo. “Não recebi nenhuma ligação de nenhuma das pessoas presas pela Lava Jato e desconheço qualquer ligação feita a qualquer pessoa do governo.”

Empreiteiro se sentia ‘injustiçado’ pelo governo
Preso na manhã de sexta-feira na 14.ª etapa da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes (em latim, “vale para tudo”), o presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, já mostrava insatisfação com o Palácio do Planalto algum tempo antes de ver em sua casa, no Morumbi, os agentes e delegados da Polícia Federal. O empreiteiro estava especialmente irritado por ter se sentido “injustiçado” com a falta de uma reação mais forte do governo ou mesmo a defesa da Construtora Norberto Odebrecht após o nome da empresa ser citado nas investigações sobre o esquema de desvios na Petrobrás.

Marcelo Odebrecht citou a interlocutores em mais de uma ocasião que havia colocado R$ 400 milhões na construção do Itaquerão, estádio do Corinthians e palco da abertura da Copa do Mundo de 2014 . Essa decisão não só garantiu o início e a realização da obra antes mesmo da liberação de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como, nas palavras do executivo, neto do fundador da empreiteira, “salvou a pele” do governo – na época, sob a segunda administração de Luiz Inácio Lula da Silva.

A construção do Itaquerão foi fundamental para São Paulo manter o direito de abrir a Copa, com o jogo que terminou em vitória do Brasil por 3 a 1 sobre a Croácia. Ou seja,Marcelo Odebrecht teria ajudado quando foi necessário e agora teria sido abandonado.

‘Pizza’. Desde o fim do ano passado, quando comentava com pessoas próximas sobre a Lava Jato, Marcelo Odebrecht fazia questão de deixar claro sua preocupação de que no final a culpa sobre as propinas para ganhar concorrências de obras da Petrobrás ficasse restrita aos fornecedores da empresa, ou seja, ao setor privado. Para ele, nessa investigação, a expressão “acabar em pizza” significaria jogar a culpa exclusivamente nos empresários e livrar a responsabilidade do governo no episódio.

Essa preocupação não se restringe a Odebrecht e tomou o meio empresarial desde a prisão da primeira leva de executivos, em novembro – esses investigados foram libertados em abril, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Os inquéritos contra políticos só foram abertos três meses após a prisão dos empreiteiros.

Ministro rebate juiz e defende participação de empresas investigadas em licitações

• Impedi-las seria, para José Eduardo Cardozo, ‘ilegal, inconstitucional e abuso de poder’

Jailton de Carvalho – O Globo

BRASÍLIA — O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, contestou neste sábado o que o juiz Sérgio Moro escreveu ao decretar a prisão de executivos de Odebrecht e Andrade Gutierrez e afirmou que não há nada que impeça a participação de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato em licitações de obras públicas federais, inclusive nas concorrências relacionadas à segunda etapa do Plano de Investimento em Logística (PIL 2), lançado pelo governo em 9 de junho.

Sem citar o nome de Moro, Cardozo disse que as empresas poderão participar das licitações porque, embora investigadas, ainda não foram condenadas. Para ele, a exclusão das empresas antes da conclusão de processos judiciais ou administrativos seria ilegal e inconstitucional.

— Qualquer decisão governamental ou administrativa de não participação de quaisquer empresas investigadas sem que se instaure, ou que se tenha concluído, um processo que assegure o princípio do contraditório e da ampla defesa é inconstitucional e ilegal — disse Cardozo, que completou: — Pode até ser classificado como abuso de poder.

No despacho em que fundamenta a prisão de executivos das duas maiores empreiteiras brasileiras, na sexta-feira, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba alertou para o risco de repetição de “práticas corruptas” e levantou a hipótese de que os empresários poderiam repetir os crimes no novo plano de concessões, orçado em R$ 198,4 bilhões. Este seria, para Moro, um dos motivos pelos quais estes executivos não poderiam permanecer em liberdade.

“As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da administração pública direta ou indireta e, mesmo em relação ao recente programa de concessão lançado pelo governo federal, agentes do Poder Executivo afirmaram publicamente que elas poderão dele participar, gerando risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”, escreveu Moro em seu despacho.

Com entendimento diferente ao do governo, a Petrobras suspendeu em dezembro do ano passado a participação de 23 empreiteiras citadas na Lava-Jato, incluindo Odebrecht e Andrade Gutierrez, em suas licitações até o fim do processo.

Cardozo evitou fazer comentários sobre o fundamento das prisões, mas disse considerar inaceitável qualquer suspeita sobre o programa:

— Não podemos aceitar, nem admitir em hipótese nenhuma, que se lance uma suspeição sobre esse plano, nem que se invoque esse plano para tomada de qualquer decisão nos dias de hoje acerca da aplicação de medidas sancionatórias ou cautelares de qualquer natureza. O plano de concessões sequer teve o edital publicado.

Dilma não está preocupada, diz ministro
Cardozo negou também que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenham alguma preocupação com a prisão de Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, maior empreiteira do país, e Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez. Cardozo afirmou que Dilma e Lula não cometeram qualquer ato de improbidade e que, por isso, não há motivo para receio:

— Conhecendo a presidente Dilma Rousseff como eu conheço, é uma pessoa que, mesmo para adversários, é reconhecidamente uma pessoa honesta, que sempre esteve distante de qualquer ato de improbidade. As investigações nunca causarão nenhuma preocupação.

O ministro usou o mesmo raciocínio para defender o ex-presidente Lula de qualquer responsabilidade na conduta dos executivos investigados na Lava-Jato. Cardozo argumentou que, pelo que tem visto no noticiário, as empreiteiras sob investigação manteriam laços com políticos de partidos de oposição e não só os da base. Então, não seria correto incriminar governistas e poupar oposicionistas.

— Tenho ouvido muitas especulações em diversas linhas, não só de que pessoas presas na Lava-Jato tinham ligações políticas com pessoas governistas, mas também com líderes da oposição. E nisso estamos no plano das especulações. Temos que investigar e dizer que a lei vale para todos. Vale para governistas e vale para oposicionistas. Vale para pessoas que têm poder econômico e para quem não tem — concluiu.

O governo tem manifestado a preocupação de que o envolvimento das principais construtoras, responsáveis por algumas das principais obras públicas, prejudique mais a economia. No Rio, Odebrecht e Andrade Gutierrez participam de projetos considerados estratégicos para os Jogos Olímpicos, tanto para a realização do evento quanto para o legado de infraestrutura. As duas empresas têm, por exemplo, participação de 66,6% no Consórcio Rio Mais, responsável pelas obras de urbanização e de parte da infraestrutura do futuro Parque Olímpico (centros de transmissões) que está sendo erguido na área do antigo Autódromo de Jacarepaguá.

Para Cardozo, a exclusão de empresas de licitações públicas antes da conclusão de processos legais violaria as garantias estabelecidas na Constituição e a Lei 8.666, que disciplina as licitações. Empresas só poderiam ser impedidas de concorrer em disputas públicas se previamente condenadas em processos legais.

— Não tem cabimento o governo dizer quem participa e quem não participa de uma licitação. Obedece-se à lei e a Constituição é clara.

Neste sábado, a Odebrecht afirmou que o executivo João Bernardi Filho não faz parte do quadro de funcionários da empresa há mais de uma década e que Christina Maria da Silva Jorge nunca fez parte do quadro de integrantes. Esclareceu ainda que não tem qualquer vínculo com a empresa Hayley S.A. e a Hayley do Brasil. A Andrade Gutierrez informou que Paulo Roberto Dalmazzo, Antonio Pedro Campelo de Souza, Cesar Ramos Rocha e Flávio Lúcio Magalhães não são seus executivos. Os dois primeiros são ex-funcionários da empresa, de onde saíram, respectivamente, em 2013 e 2011. A construtora lembrou também que a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, não é obra sua.

Explicações que Dilma precisa dar

• O Tribunal de Contas da União está prestes a julgar as contas do governo e, pela primeira vez na história, intima a Presidência a dizer se cometeu ilegalidades na gestão do dinheiro público

Ana Clara Costa – Veja

A semana passada foi cruel para a presidente Dilma Rousseff. A tese defendida por seu governo sobre a maioridade penal foi derrotada no Congresso, e ela se viu obrigada a vetar uma mudança nas regras da Previdência que seria vantajosa para quem está em vias de se aposentar, o que a indispôs com sindicatos e setores de seu próprio partido, o PT. O golpe mais duro, no entanto, veio do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa a cada ano as despesas do governo. A corte intimou a presidente a esclarecer sua responsabilidade em treze manobras fiscais e orçamentárias nas quais se encontraram indícios de irregularidade. Dilma terá trinta dias para se explicar. Seus argumentos serão avaliados pelo tribunal, e, em meados do segundo semestre, as contas de 2014 devem ir a julgamento. 

Nunca antes uma ordem semelhante foi imposta a um presidente — e isso indica o tamanho do descrédito que pesa sobre as contas de um governo que, nos quatro primeiros anos de mandato, foi pródigo em "pedaladas", truques contábeis e voluntarismo no uso do dinheiro público. Caso Dilma não convença os ministros do TCU e as contas sejam rejeitadas — o que só aconteceu uma vez na história da República, em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas —, as conseqüências podem ser severas. Cabe ao Congresso a palavra final sobre as contas do governo. Mas uma sentença desfavorável do tribunal pode criar as condições políticas, hoje inexistentes, para que Dilma se veja enredada num processo por ato de improbidade administrativa, ou mesmo numa ação de impeachment.

É verdade que a semana poderia ter sido ainda pior. Até terça-feira, o que estava no horizonte era o julgamento sumário das contas pelo TCU. Sabia-se que o ministro-relator, Augusto Nardes, estava inclinado a proferir um voto desfavorável a Dilma, e poderia arrastar consigo uma maioria. Ministros de Estado se sucederam em visitas ao tribunal. Estiveram na corte Joaquim Levy, da Fazenda, Aloizio Mercadante, da Casa Civil, Nelson Barbosa, do Planejamento, Jaques Wagner, da Defesa, e Eduardo Braga, de Minas e Energia. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, manteve-se num frenetico vaivem entre os gabinetes do TCU. Na terça-feira, os nove ministros se reuniram até altas horas para definir o plano de ação. Surgiu daí a decisão de pedir explicações a Dilma. Isso evita que, caso a sentença final seja pela rejeição das contas, o TCU seja acusado de ter cerceado o direito de defesa do governo.

Ao mergulhar na contabilidade da União, o TCU encontrou 31 itens duvidosos, dos quais treze foram claramente tachados de irregularidades. São esses que compõem o questionário enviado a Dilma. Dois atos são destacados pelo tribunal, por levar a assinatura da própria presidente. São de novembro de 2014, quando já estava claro que a meta fiscal estabelecida pela Lei Orçamentária no início do ano não poderia ser alcançada. Naquele momento, embora a obrigação fosse fechar as portas do cofre e contingenciar gastos da ordem de 28,5 bilhões de reais, Dilma fez o contrário: assinou um decreto liberando 10 bilhões de reais em emendas parlamentares e condicionou a liberação dessas emendas à aprovação de uma mudança na lei que a isentava de cumprir a meta fiscal. "Foi um desprestígio para o Congresso e para a sociedade", diz Nardes a VEJA.

Além dessas manobras, estão na mira dos técnicos do TCU as já notórias pedaladas — que constituem a prática de atrasar repasses a órgãos da administração — e a sua versão ilegal, que consiste em deixar que bancos públicos efetuem pagamentos que cabem à União, configurando empréstimo explicitamente vetado pela legislação. O economista José Roberto Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sancionada em 2000, afirma que as pedaladas são indícios de má gestão, mas não ensejam processo penal. "Quando criamos a lei, não imaginávamos que a prática se tornaria tão corriqueira no Executivo. Diante do que se vê hoje, é imperativo endurecer as regras", diz ele. Autorizar o uso de bancos públicos para efetuar pagamentos em nome da União, contudo, fere diversos artigos da LRF.

Nesta sexta-feira, veio à tona que o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin assinou, em 30 de dezembro de 2014, um documento em que assume responsabilidade por todos os repasses de recursos do Tesouro previstos ou não no Orçamento. A nota técnica certamente será usada por Dilma em sua defesa. Mas não há burocrata que possa servir de anteparo no caso das duas medidas que levam a assinatura da própria presidente. E o conjunto da obra não favorece o governo. A corte considera grave, por exemplo, a aprovação de investimentos fora do escopo orçamentário dada a empresas estatais, que não precisam prestar contas do que foi investido. Diz Nardes: "Diante de tudo o que se vê na Petrobras, não podemos admitir isso. Temos de dar um basta".

13 explicações que Dilma precisa dar
1 A presidente ocultou dividas do governo com o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS?

2 A presidente permitiu que despesas da União com programas sociais e benefícios trabalhistas fossem pagas pela Caixa Econômica Federal?

3 A presidente consentiu que o FGTS bancasse, em nome da União, despesas do Minha Casa, Minha Vida?

4 A presidente deixou que o BNDES cobrisse despesas da União com o Programa de Sustentação do Investimento?

5 A presidente ignorou as prioridades e as metas do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014?

6 A presidente deu aval ao FGTS para que ele honrasse gastos do Minha Casa, Minha Vida em nome da União?

7 A presidente autorizou o repasse de recursos não previstos no Orçamento a estatais?

8 A presidente usou recursos não previstos no Orçamento para investir em estatais?

9 A presidente se furtou a cortar despesas, deixando 28,5 bilhões de reais a descoberto no Orçamento, mesmo sabendo que a arrecadação estava em queda?

10 A presidente condicionou a liberação de recursos para emendas parlamentares à aprovação da lei que isentou o governo da obrigação de cumprir a meta fiscal?

11 presidente inscreveu de forma irregular na rubrica Restos a Pagar do Orçamento a quantia de 1,37 bilhão de reais, referente ao Minha Casa, Minha Vida?

12 A presidente omitiu do relatório fiscal de 2014 despesas da União pagas pelo Banco do Brasil, pelo BNDES e pelo FGTS?

13 A presidente chancelou manobras contábeis que tiraram a credibilidade das informações do Plano Pluríanual 2012-2015?

Um adeus ao lulismo

• Em congresso, PT volta a flertar com anos 90

Celso Barros – Folha de S. Paulo / Ilustrísima

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Resumo. O 5º Congresso do PT, no qual predominaram discursos pré-governo Lula, expôs as dificuldades do partido de definir novos caminhos. Entre palmas ao tesoureiro preso e namoros com o Podemos e o Syriza, o lulismo saiu derrotado. Inflação, corrupção e políticas para os pobres desorganizados ficaram esquecidas.
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Em entrevista à CNN, o político trabalhista britânico David Miliband, irmão do ex-líder do partido, explicou a derrota recente frente aos conservadores nos seguintes termos: o país queria que virássemos a página, mas nós a viramos para trás. O PT entrou em seu 5º Congresso, realizado na semana passada em Salvador, com grande dificuldade de descobrir para que lado segue o livro.

Na luta principal da noite, a tendência de oposição mais articulada, a Mensagem ao Partido (que tem entre seus líderes o ex-governador gaúcho Tarso Genro) propôs o afastamento dos dirigentes acusados de corrupção, a revisão das alianças e a rejeição do ajuste fiscal; o grupo majoritário, o Partido que Muda o Brasil (PMB, o grupo de Lula) conseguiu que, no documento final do evento, a "Carta de Salvador", tanto a tentativa de virada à esquerda quanto a discussão franca sobre corrupção fossem substancialmente neutralizadas.

A dinâmica habitual entre as tendências petistas se repetiu. Em que pese a coragem diante da crise ética que vive o petismo, as propostas da esquerda do PT sobre política e economia dariam ao governo Dilma uma expectativa de vida de cerca de 15 minutos e, se implementadas, lançariam o país em uma crise ainda pior do que a atual. Mais uma vez, o grupo majoritário do PT dá a impressão de ser o único que compreende minimamente o que significa ser governo, e sua virtual estabilidade no emprego impossibilita a autocrítica ética que o PT precisa fazer.

A imagem que possivelmente ficará do Congresso é a do episódio bizarro do aplauso ao tesoureiro Vaccari, acusado de corrupção e, no momento, preso. Várias correntes defenderam o afastamento dos dirigentes acusados de corrupção (por exemplo, a Mensagem ao Partido e a Militância Socialista). Isso não teve nenhum eco no documento aprovado.

Mais adiante discutiremos as possibilidades estratégicas do PT, mas é preciso começar com o registro: ao se recusar a prestar contas à população na questão da corrupção, o PT limitou drasticamente suas possibilidades de reconquistar o centro do espectro político, ou mesmo de virar à esquerda com eficiência. Todas as suas ideias serão ouvidas com desconfiança, o que é um alívio no caso das ruins, mas uma pena no caso das boas. E mais uma pena do que um alívio, porque as ideias ruins poderiam ser descartadas mais dignamente em um debate aberto.

Esse abandono do centro certamente favoreceu o tom de "virada à esquerda" ou "fuga para a frente" que marca tanto as teses quanto, em menor grau, a "Carta de Salvador". Certamente enfraqueceu a resistência oferecida pelo PMB às teses mais à esquerda. E não há dúvida de que muita gente no PT está usando "memes" tradicionais da esquerda (em especial em relação à mídia) para evitar debates sobre corrupção e sobre erros na condução da política econômica.

Mas a virada à esquerda no discurso petista --que, mesmo amenizada, sobreviveu na "Carta de Salvador"-- tem uma raiz mais profunda na vida e nas discussões dentro do partido. No fundo de sua alma, o PT rompeu com o lulismo e ainda espera um bom argumento pela reconciliação.

O tema unificador das diversas teses apresentadas no congresso foi, com efeito, a crítica ao lulismo, entendido como estratégia de conciliação política baseada em políticas públicas pró-pobres que não conflitem nem com os interesses da elite nem com os do sistema político. Algumas tendências veem na crise do lulismo a crise inevitável de toda estratégia de esquerda moderada; outras apenas constatam que, com o fim da alta das commodities e o movimento do PMDB para a direita, os acordos se tornaram mais difíceis.

Em todas as teses o diagnóstico é de que não há mais como avançar nas conquistas sociais sem gerar perdedores, e a estratégia é garantir que os perdedores estejam predominantemente entre os mais ricos e entre os setores políticos que tradicionalmente mandaram na política brasileira. O lulismo, é claro, não se confunde com o apoio a Lula, que já existia antes de 2002 e pode seguir existindo.

Mas, após o lulismo, o quê? O exame das discussões no 5º Congresso demonstra um recurso excessivo ao repertório ideológico pré-lulista, e, sobretudo, uma falta de diálogo com a experiência dos 12 anos de governo.

Ortodoxia - A crítica ao lulismo é mais evidente na proposta de abandonar a ortodoxia econômica, que marcou o governo Lula, digamos, em sua "fase clássica". As discussões sobre economia nos textos apresentados pelas tendências são extremamente rápidas e/ou superficiais, quando não francamente bizarras: em evento recente da esquerda do PT, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin defendeu que houve um ciclo virtuoso da economia brasileira que teria se estendido até 2014.

E, se é verdade que na oposição atual há luto mal resolvido pela derrota em 2014, o PT poderia dar o exemplo, admitir que perdeu em 1994, e discutir inflação com mais seriedade. É um alívio que essas ideias apareçam pouco na resolução final. Algumas tendências parecem ver a presença de Joaquim Levy na Fazenda como uma invasão, um "Occupy Wall Street" reverso, o que é estúpido. Mas é inteiramente legítimo discutir quem arcará com o custo do ajuste.

Seria um sopro de ar fresco se os programas da esquerda brasileira tivessem menos conversa a respeito dos "rentistas" e mais discussão sobre tributação progressiva. As teses apresentadas em Salvador são típicas de quem acabou de começar a pensar nisso a sério (para além das homenagens rituais ao princípio, que sempre existiram), e jogam com todas as ideias de uma só vez, sem muita discussão: imposto sobre grandes fortunas, mudanças nas faixas do imposto de renda, tributação sobre lucros.

Não custa torcer para que a discussão progrida racionalmente e chegue à proposta mais eficiente sob os diversos critérios possíveis. A "Carta de Salvador" inclui, entre suas teses principais, um apelo para a "expansão da progressividade do fundo público", uma boa formulação, pois parece incluir tanto a progressividade dos impostos quanto a do gasto público, a ser concentrado nos mais pobres.

Mas é provável que essas declarações sobre tributação valham mais como início de uma reorientação programática de médio prazo. A hora em que você precisa desesperadamente fazer um ajuste fiscal é provavelmente a pior hora possível para conduzir essa negociação. O governo vai ter que fazer o ajuste, de algum jeito, em um prazo curto. Sem arrancar concessões da direita no Congresso, só vai poder fazer as correções com o sacrifício de sua própria base.

Para garantir que as medidas sejam implementadas à custa da base do PT, basta aos opositores da redistribuição de renda esperar a crise piorar até o governo ter que fazer o ajuste de qualquer maneira (imaginem o exemplo contrário: um governo de direita sem maioria parlamentar na mesma situação teria que acabar por taxar bem mais do que as grandes fortunas). Quanto mais a hora da inevitabilidade se aproximar, mais o poder de negociação da esquerda vai diminuir, até chegar a zero --que é quase onde estamos. Por esses e outros motivos, seria bom evitar fazer ajuste fiscal só quando a situação já é dramática.

A herança do lulismo também é descartada na repetida recusa da conciliação política. Consciente de que a base parlamentar atual não parece disposta a aprovar nada remotamente progressista, todas as tendências do PT propõem "levar a luta política para a sociedade".

Passou a proposta da formação, aparentemente razoável, de uma frente de esquerda envolvendo partidos e movimentos sociais. Entretanto a ênfase no fim da conciliação política bem como os depoimentos recentes de Tarso Genro sugerem que a ideia seria romper com o PMDB --ou tomar medidas (como a substituição de ministros) que claramente implicariam o rompimento com o PMDB.

Não é fácil entender como uma base política menor seria capaz de aprovar mais propostas de esquerda. O apelo aos movimentos sociais supõe que a opinião pública esteja propensa a ser liderada pela esquerda com tal entusiasmo que os congressistas aceitem votar contra seus interesses para não perderem seu eleitorado; se há evidências de que isso, hoje, é provável, elas deveriam ter sido apresentadas. Seria algo difícil mesmo sem as acusações de corrupção e sem o silêncio do PT sobre elas.

Percebe-se claramente que o partido gostaria de estar lidando com a crise de 2013, não com a de 2015. Os petistas têm muito mais repertório intelectual e prático para lidar com as manifestações de rua do que com a crise econômica ou o presidencialismo de coalizão.

Em um movimento da discussão sobre eleições diretas no partido na plenária final do último congresso (cujo vídeo está disponível na web), alguém puxou o coro de "PT! Na rua! O resto é falcatrua!"; esse é o slogan que parece resumir o sentimento atual da militância, que percebe o deslocamento do processo para uma arena em que ela não parece ter qualquer influência --e na qual são gerados escândalos pelos quais ela é responsabilizada nas ruas, em seus locais de trabalho, nas reuniões de família. No auge do lulismo, isso era compensado por aumentos de 10% na renda dos mais pobres todos os anos. Não é mais.

A nostalgia pela política de base também ajuda a explicar o profundo impacto que parecem ter tido, no imaginário petista, os movimentos antiausteridade europeus, em especial o Syriza e o Podemos, citados com aprovação nas teses e em discursos no congresso, sem a devida consideração de quão incipientes são ainda os resultados de ambos os partidos no governo --embora seja legítimo, claro, torcer para que sejam bem-sucedidos nas dificílimas tarefas que têm à frente.

Há mesmo a tentação adicional de comparar a austeridade europeia ao ajuste brasileiro. Mas é preciso matar a ideia no nascedouro: a Europa teve política anticíclica de menos, o Brasil provavelmente teve política anticíclica demais. Os pontos de partida da austeridade são completamente diferentes.

A intelectualidade petista parece estar com muito mais vontade de ler os teóricos dos novos movimentos de rebeldia urbana do que em pensar em grandes esquemas de alianças e disputa pela hegemonia. É um movimento compreensível em um partido de oposição, que pode inspirar boas práticas de diálogo com os movimentos sociais, mas de modo algum pode ser a linha geral de um partido no poder. Rebeldia com controle do Exército e do Orçamento público não é tão romântico, não é "horizontal", e, para dizer o mínimo, tem pouco potencial libertador.

Essa contradição explica o fato, ademais inacreditável, de alguns documentos elogiarem ao mesmo tempo os movimentos de rebeldia e o governo venezuelano, que tem desenvolvido uma abordagem bastante particular para conter os movimentos de contestação.

Essa "inveja do Podemos", no fundo, é uma tentativa de resolver dentro do imaginário petista --e apenas lá-- o dilema da incapacidade do PT de conseguir um aliado de centro com quem possa atuar no Parlamento. Pelas origens históricas semelhantes, esse aliado seria o PSDB, mas essa porta se fechou em 1994. O PSDB, é claro, está em deslocamento para a direita, pelo menos desde as manifestações deste ano. Viveu tensões importantes, por exemplo, entre a bancada e a direção na questão do impeachment. É razoável supor que perca eleitores de centro se exagerar no movimento para a direita, e para o PT seria imensamente importante conquistá-los --ou que algum partido aliado o fizesse. Mas ninguém vai conseguir fazer isso com aplausos a dirigentes presos e com o programa econômico de Arno Augustin.

Pobres - Por fim, os principais personagens do lulismo, os pobres desorganizados, quase sumiram. Os pobres só entram no discurso "quero ser Syriza" quando já são altamente politizados: são os pobres do MST, do MTST, dos movimentos culturais de periferia. O pobre evangélico que ainda está fascinado pelo fato de que seu filho agora tem alguma chance de frequentar a universidade também deve ser entregue de graça, ao que parece, à oposição, juntamente com o centro do espectro político, o Congresso Nacional e o monopólio da gestão macroeconômica responsável.

Em um trecho notável, a tese do PMB admite ignorância, algo extremamente raro em manifestos políticos: "Não temos, nem mesmo, um conceito preciso para caracterizar os milhões de emergentes que as reformas Lula/Dilma fizeram aparecer na sociedade brasileira ["¦] O Partido não é uma escola de sociologia. Mas é evidente que temos uma necessidade política de compreender a exata natureza das mudanças sociais em curso e, junto com elas, captar as demandas dos novos atores da cena brasileira. Elas são hoje, seguramente, distintas daquelas de 2003, quando esse processo de mudança apenas iniciava".

É uma coincidência interessante que, com os pobres desorganizados, tenha sumido o debate sobre a inflação. Em sua formulação inicial por André Singer, o conceito de lulismo tinha entre seus elementos constitutivos um certo conservadorismo popular, derivado da fragilidade da situação dos muito pobres: eles não têm como se proteger em aplicações financeiras e estão próximos demais da miséria extrema para arriscar movimentos bruscos.

As propostas da esquerda do PT e mesmo, em menor grau, do grupo dirigente, por certo aumentariam a instabilidade econômica e política --o que, é claro, nem sempre é ruim; tanto as manifestações de 2013 quanto as de 2015 aumentaram a instabilidade.

Mas ninguém parece muito preocupado com o que os pobres desorganizados, que foram muito mais importantes para reeleger Dilma do que qualquer militante de esquerda, têm a dizer sobre propostas econômicas que aumentariam a inflação.

O historiador britânico E.P. Thompson notabilizou-se por mostrar como a classe trabalhadora inglesa, em alguma medida, "fez a si mesma", além de ter sido "feita" pelo processo de industrialização. Os segmentos ascendentes, quer os chamemos de "nova classe média", como Marcelo Neri, "nova classe trabalhadora", como Márcio Pochmann, ou "batalhadores" como Jessé de Souza (curiosamente, os três últimos presidentes do Ipea), ainda estão, de alguma forma, decidindo o que serão.

Se o conceito parece indeterminado é porque, em parte, dependerá da atuação das forças políticas sobre esses setores --e seria melancólico se o principal partido da esquerda brasileira não tivesse nada a oferecer para a formação dessa identidade.

A "Carta de Salvador" tem uma proposta que promete ao menos dialogar com os setores emergentes e o centro do espectro político. Em seu ponto 44, defende políticas para "o verdadeiro mar que organiza os micro e pequenos negócios no país", com a constituição de fundos públicos que ofereçam acesso a crédito, formação e tecnologia, entre outras coisas.

A proposta tem todas as digitais de Roberto Mangabeira Unger, que, em entrevistas recentes, vem apresentando ideias semelhantes. É sempre difícil imaginar como o ministro Unger pretende passar da poesia à prosa, mas a ideia parece ser um esforço intelectualmente honesto e politicamente viável de dar poder aos mais pobres para que decidam suas vidas, uma visão para os setores ascendentes do lulismo que não passa nem pela sua instrumentalização política como massa de manobra nem por mantê-los apenas como consumidores passivos. Naturalmente, é só um esboço de solução.

No fim de semana passado, o lulismo (de novo, como formulado por Singer) morreu em seu último habitat. É significativo que muitos no PT tenham experimentado o processo como uma liberação: o fim do lulismo criou um impulso por ativismo, pela recuperação de antigas propostas e pela abertura de novas ideias de esquerda.

Tudo isso pode ser saudável, entretanto é preciso entender que a trégua lulista congelou também tarefas urgentes de revisão ideológica, que a esquerda brasileira deveria ter feito desde os anos 90.

O adiamento sem prazo de certos ideais de esquerda no partido permitiu que eles permanecessem imunes à crítica e manteve o esquerdismo da época do PT oposicionista em suspenso, sobrevivendo ao lado dos grandes acordos e das grandes conciliações.

Não fazia sentido discutir seriamente aquelas ideias que, afinal, não seriam mesmo implementadas. O direito de continuar a repetir o discurso dos anos 1990 foi preservado pelos mesmos acordos que mantiveram impostos pouco progressivos e esquemas políticos tradicionais. Quem quiser rediscutir os acordos precisa rediscutir esse programa.

Algumas ideias da "Carta de Salvador", como a "progressividade do fundo público" (tanto na tributação quanto no gasto), a volta à militância de base, a formação de uma frente com os aliados da esquerda, e, quem sabe, as propostas de Mangabeira Unger, podem gerar bons resultados; outras dificilmente sobreviverão mesmo a uma análise rápida, como a que foi feita aqui.

Esse trabalho de crítica é tão importante quanto descobrir uma nova forma de se relacionar com a base aliada no Congresso, ou um modo de reverter os piores efeitos da crise econômica.

E, ao contrário de todos os outros temas discutidos acima, depende exclusivamente da competência dos petistas. Uma parte razoável do impulso à ação recém-liberado no PT vai precisar ser gasta olhando para dentro.

Luiz Sérgio Henriques - O comunismo e o PT

- O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Lula pode até dizer, como já disse, que seu PT e o Partido Comunista da China são os dois maiores partidos de esquerda hoje existentes no planeta. Em tom parecido, o atual presidente do PT também pôde encerrar o discurso no recente congresso partidário, em Salvador, citando Guevara, ícone de um caminho armado para o socialismo que logo se perdeu em algum momento do século passado, depois de ser a causa de sucessivas derrotas em países minimamente articulados, refratários à tática dos focos insurrecionais – entre eles, o Brasil da ditadura militar.

Nenhuma dessas alusões, ou qualquer outra desse tipo, tem o poder de anular a irrecuperável distância entre a experiência (encerrada) do comunismo histórico, com seus partidos “totais”, fundidos à máquina do Estado e propugnadores de uma ruptura integral com o capital, e a modesta experiência reformista de um partido como o PT e seus governos nos últimos 12 anos.

Não há filiação possível, a não ser aquela produzida pela má retórica que diferentes esquerdas, a de antes e a de agora, muitas vezes insistiram, e insistem, em produzir, danificando paradoxalmente sua efetiva capacidade de incidir produtivamente no mundo real.

Em política conta muito a linguagem que os partidos utilizam, os termos e os modos de pensar que introduzem no uso comum. Para ficar estritamente nesse plano e estabelecer algum paralelo, partimos do ritual da “autocrítica” bolchevique, tantas vezes exercido hipocritamente na falta de mecanismos formalmente democráticos, como alguns “hereges” da própria esquerda a seu tempo apontaram.

Desse mal importantes dirigentes petistas também parecem não ter escapado, e os sinais estão em torno de nós. Em Salvador, a intervenção congressual de Lula não se preocupou em explicar, com um mínimo de argumentação racional, o desarranjo econômico que obrigou a uma guinada radical de orientação no segundo governo Dilma. Para o dirigente máximo do petismo, a única verificação possível de erros e acertos jamais virá do debate com os demais atores da vida institucional, mas de um movimento interno próprio do PT e de seus próprios seguidores supostamente cativos:

“Quem pode nos ensinar, quem sempre nos ensinou o caminho a seguir, são os trabalhadores e o povo mais pobre deste país”.

Na visão do ex-presidente, a imprensa oligopolizada, que demite jornalistas, não pode perturbar o círculo virtuoso entre partido e povo mais pobre. Muito menos podem fazê-lo os personagens da oposição, pintados, todos, em cores tenebrosas. Se pudessem, tais personagens reduziriam a maioridade penal, “mandando para a cadeia quem deveria estar na escola” – como se os governos petistas tivessem tido uma política de segurança corajosa, que pelo menos atenuasse a devastação causada pelos crimes contra a vida. Não só: os opositores do PT mandariam “pobres e negros” de volta ao lugar de origem, sem oportunidade de ascensão; sancionariam “o preconceito contra a população LGBT”; e, evidentemente, fariam o Brasil “voltar à idade média social” em que vegetava antes da redenção acontecida a partir de 2003. Sem falar que iriam querer até destruir a Petrobrás...

Esse mundo em branco e preto, avesso a distinções e a nuances, era também o mundo visto da perspectiva do stalinismo. A Revolução Russa, resposta ao desastre da Grande Guerra num país atrasado, muito cedo perdeu seu impulso transformador e sua energia criativa. Com Stalin viria a produzir uma singular espécie de fanatismo burocrático, que – salvo em ocasiões críticas, como por ocasião da frente antifascista na 2.ª Guerra – enxergava o mundo povoado de traidores e inimigos: os social-democratas foram por muito tempo “social-fascistas”, mais perigosos do que os fascistas. Na URSS, enquanto isso, nascia o “homem novo”, na marcha batida da coletivização forçada e da ditadura de partido único.

Certamente, aquele era um mundo radicalmente diverso do Brasil de agora. E, no entanto, apesar da distância incomensurável, há algo comum entre categorias do velho comunismo e setores da nossa esquerda. O homem novo do realismo socialista, por exemplo, empenhado como estava na construção do socialismo (de Estado), não podia ter defeitos graves. Decretava-se, na edulcorada versão oficial, que às vezes se irritaria com atrasos na realização do plano ou esqueceria uma tarefa. 

Pois existe algum traço desse personagem fantasioso na alma do presidente do PT quando declara – ainda por cima com terminologia militar – que o partido se vê submetido a campanha de “cerco e aniquilamento” não “por nossos erros”, mas por “nossas virtudes”. Para Rui Falcão, na pior hipótese o petista médio poderá enraivecer-se ou esquecer alguma missão, mas sempre será mais virtuoso do que qualquer adversário e, por isso, perseguido.

O velho comunismo, com seus feitos e malfeitos, foi também uma tentativa de conduzir a inevitável e potente irrupção das massas no século 20. Era portador de um desafio global, que, no entanto, já na virada dos anos 1930 se mostrava com capacidade de expansão política atrofiada, entre outras dificuldades, por operar com categorias acanhadas e jamais superar a mentalidade de “cidadela sitiada”.

O PT, nem é preciso dizer, atua em registro infinitamente mais modesto, o que, aliás, está longe de ser desvantagem. Seu grupo dirigente e os representantes mais expressivos de sua “sociedade civil” talvez ainda não tenham percebido a necessidade de assumir plenamente as responsabilidades decorrentes de viver e atuar em sociedade afortunadamente democrática e pluralista. O partido parece querer operar sob o paradigma da revolução, ainda que esta seja a rota segura para o gueto e a subalternidade. A democracia brasileira nada ganha com isso.

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*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil.