quinta-feira, 25 de junho de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

'Minhas palestras vocês assistem'

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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. O Globo, 24 de junho de 2015

Taxa de desemprego sobe a 6,7% em maio e rendimento tem a maior queda em 11 anos

Idiana Tomazelli - O Estado de S. Paulo

• Segundo cálculos do IBGE, o rendimento médio real dos trabalhadores registrou queda de 5% ante maio de 2014 e somou R$ 2.117,10, já descontados os efeitos da inflação

RIO - O mercado de trabalho brasileiro se deteriorou por mais um mês. A taxa de desemprego subiu para 6,7% em maio, ante 6,4% em abril, a maior taxa para um mês de maio desde 2010 (7,5%). Ao mesmo tempo, o rendimento médio real dos trabalhadores caiu 1,9% ante abril e 5% ante maio de 2014. O recuo de 5% é o maior desde janeiro de 2004, quando a perda foi de 5,9% frente a igual mês de 2003.

A queda do rendimento foi a quarta seguida em relação ao mesmo mês do ano anterior. O rendimento médio real do trabalhador, já descontados os efeitos da inflação, foi de R$ 2.117,10 em maio. A pesquisa, realizada em seis principais regiões metropolitanas do Brasil, foi divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O resultado do desemprego em maio ficou dentro do intervalo das estimativas dos analistas ouvidos pela Agência Estado, que esperavam taxa entre 6,10% e 6,80%, e acima da mediana projetada, de 6,60%.

A massa de renda real habitual dos ocupados no País (já descontada a inflação) somou R$ 48,9 bilhões em maio, queda de 1,8% em relação a abril. Na comparação com maio de 2014, o montante diminuiu 5,8%. Já a massa de renda real efetiva dos ocupados (sem descontar a inflação) totalizou R$ 49,4 bilhões em abril deste ano, queda de 1,6% contra o mês de março. Em relação a abril de 2014, houve redução de 5,7% na massa de renda efetiva.

A população desocupada cresceu 4,8% em maio ante abril, com 75 mil pessoas a mais na fila do desemprego. Na comparação com maio do ano passado, a diferença foi ainda mais significativa. O aumento nos desempregados foi de 38,5%, o que significa 454 mil pessoas a mais nesta condição.
Na comparação interanual, também houve queda no emprego. O número de pessoas ocupadas diminuiu em 155 mil, uma queda de 0,7% em maio ante maio do ano passado. Na comparação de maio ante abril de 2015, houve aumento de 0,1%, ou 19 mil vagas criadas.

A população economicamente ativa - que trabalha ou está em busca de emprego - subiu nas duas comparações. Ante abril, o avanço foi de 0,4% (+94 mil pessoas). Já na comparação com maio de 2014, o aumento foi de 1,2% (299 mil pessoas a mais).

Por outro lado, a população não economicamente ativa - que está em idade de trabalhar, mas não demonstra interesse - ficou estável em maio ante abril e subiu 0,3% na comparação com maio do ano passado. No confronto interanual, 62 mil pessoas migraram para a inatividade, segundo o IBGE.

Arrecadação federal cai 4% e tem pior resultado para o mês em cinco anos

• Total em tributos federais pagos no mês foi de R$ 91,5 bi. Número indica que governo terá problemas para cumprir meta fiscal

Martha Beck – O Globo

BRASÍLIA - A economia enfraquecida bateu em cheio na arrecadação. O governo arrecadou R$ 91,5 bilhões com impostos e contribuições federais em maio, o pior registrado para o mês nos últimos cinco anos. O valor representa uma queda real (acima da inflação) de 4,03% em relação a maio do ano passado. No acumulado de 2015, a sociedade brasileira já pagou R$ 510,117 bilhões em tributos federais, o pior desempenho desde 2011, quando as receitas somaram R$ 500,718 bilhões. O montante significa uma redução de 2,95% sobre 2014.

O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias, destacou que o comportamento da arrecadação tem tido uma trajetória negativa desde janeiro, sendo que esse cenário se agravou a partir de março.

— Desde março, estamos numa trajetória crescente de resultados negativos — disse Malaquias, admitindo que a Receita terá que revisar as projeções para o ano.

Os dados da Receita mostram que, em março, a queda real (acima da inflação) na arrecadação foi de 2,03%. Esse número passou para 2,71% em abril. O técnico afirmou que o Imposto de Renda (IR) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) foram os principais vilões da arrecadação:

— Esses tributos vieram bem abaixo do que as projeções estavam mostrando.

O resultado no ano indica que o governo não conseguirá obter receitas suficientes para realizar a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) fixada para 2015, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). Num período de 12 meses encerrados em abril, o setor público teve um déficit primário de R$ 42,6 bilhões, ou 0,76% do PIB.

A desaceleração econômica afetou praticamente todos os tributos em 2015. O Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a CSLL, que refletem a lucratividade das empresas, tiveram um recolhimento de R$ 90,930 bilhões até maio. Isso representa uma queda de 7,44% sobre o ano passado.

Já o PIS/Cofins, que é um termômetro das vendas, somou R$ 107,295 bilhões no período, com retração de 2,8% em relação a 2014. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por sua vez, teve um recolhimento de R$ 21,175 bilhões, com uma queda de 5,83% na mesma comparação.

Receita previdenciária cai
Até receita previdenciária, que ajudou a reforçar os cofres do governo nos últimos anos, também se retraiu em 2015. Entre janeiro e maio, o total arrecadado com esse tributo somou R$ 147,962 bilhões – uma queda de 2,96% sobre 2014.

Já o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi um dos poucos que mostraram crescimento este ano. Graças principalmente a uma elevação da alíquota cobrada sobre as pessoas físicas (feita pelo governo para ajudar no ajuste fiscal), o recolhimento do IOF somou R$ 14,016 bilhões, com alta de 9,56% em relação ao ano passado.

Parte das desonerações tributárias feitas nos últimos anos para tentar recuperar a economia foi anulada pela equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas ainda têm reflexos negativos sobre as receitas. Segundo relatório divulgado pelo Fisco nesta quinta-feira, esses incentivos somaram R$ 47,135 bilhões até maio. O valor equivale a um aumento de 18,24% com essas despesas sobre 2014.

BC eleva previsão de inflação e reduz a do PIB

Célia Froufe, Victor Martins, Adriana Fernandes, Flavio Leonel e Mariaregina Silva – O Estado de S. Paulo

• Relatório do Banco Central leva mercado a apostar em ampliação da alta de juros

O Banco Central revisou ontem as estimativas para a economia, com uma piora nas previsões para a inflação e para o Produto Interno Bruto (PIB, a soma da riqueza produzida no País). De acordo com o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), a projeção para a inflação deste ano subiu de 7,9% para 9%. Já a estimativa para o PIB passou de um recuo de 0,5% para uma retração de 1,1%, o pior resultado em 25 anos. Como o BC praticamente já jogou a toalha em relação ao cumprimento da meta da inflação em 2015 (de 4,5%, podendo chegar ao limite de 6,5%), o esforço tem sido concentrado em abater as expectativas para 2016. As projeções apresentadas ontem pelo BC registraram leve recuo, de 4,9% para 4,8%.Inflação em 4,5% será atingida apenas no final do primeiro semestre de 2017, avalia, no documento, o BC. Para levar a inflação a 4,5% em 2016, o BC tem indicado que elevará os juros, o que poderia baixar as projeções de mercado e facilitar seu trabalho.

Até agora, no entanto, o BC só conseguiu esse objetivo para o período de 2018 e 2019. "A determinação do BC tem surtido efeitos positivos já", afirmou Luiz Awazu Pereira da Silva, diretor de política econômica do BC. Os economistas que mais acertam as projeções, o grupo denominado Top 5, deu uma colher de chá ao BC, ao prever que o IPCA chegará a esse patamar em 2017. A reação geral do mercado mostra, porém, que a maioria dos analistas econômicos continua cética. Um levantamento feito com 35 analistas pela Agência Estado, após a divulgação do relatório, mostrou que as projeções para 2016 variam de 4,5% a 6,5%, com a mediana em 5,43%. Já as projeções para o IPCA de 2015 estão entre 8,4% e 9,5%. Se a expectativa for confirmada, será a maior alta da inflação desde 2003, quando o IPCA fechou em 9,3%. A Agência Estado também ouviu os especialistas sobre a tendência para a taxa de juros básica da economia, Selic. A maioria dos especialistas interpretou que o BC adotou um tom mais duro no Relatório Trimestral de Inflação e estendeu a expectativa do ciclo de alta dos juros para setembro. Das 39 instituições ouvidas, 27 aguardam o fim do ciclo dealta dos juros na reunião de setembro do Comitê de Política Monetária (Copom), com a Selic subindo de 13,75% para 14,5%. Onze especialistas esperam uma última alta na reunião de julho, com alta para 14% ou para 14,25%. Uma instituição fala em fim do ciclo em outubro, com a taxa chegando a 14,75%.

Ajuste. O discurso de Awazu ontem foi de que é "imprescindível" continuar o processo de ajuste – o que o mercado interpretou como mais carga de juro. Ele declarou que levar a inflação para meta é o maior "bem" que o BC poderá entregar para a sociedade. "O processo de ajustes em curso implica aperto das condições monetárias para impedir que as pressões inflacionárias de 2015 se transmitam para a inflação de 2016." Um dos que revisaram as planilhas foi o economista-chefe e sócio do Banco Modal, Alexandre de Ázara. Para ele, não há dúvidas de que o BC está comprometido com a missão de 2016. Pelos cálculos do banco, para chegar à meta, o BC terá de promover mais duas altas da Selic de 0,50 ponto porcentual cada. Assim, sua projeção para a taxa passou de 14,50% para 14,75% ao ano ontem.

Senadores começam a sondar Supremo sobre reforma política

Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

• Presidente do Senado articula encontro com ministros da Corte para evitar contestações futuras de mudanças

BRASÍLIA - Numa tentativa de tirar a reforma política do papel, senadores começaram a consultar ministros do Supremo Tribunal Federal para se certificar de que as mudanças feitas pelo Congresso não serão derrubadas pela Corte. A articulação começou na terça-feira à noite, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reuniu em sua casa mais de uma dezena de parlamentares e três ministros do STF que integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): DiasToffoli, que preside essa corte, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Do Senado, foram, entre outros, os tucanos Aécio Neves (MG), José Serra (SP) e Aloysio Nunes (SP); petistas como Gleisi Hoffmann (PR), José Pimentel (CE) e Delcídio Amaral; e peemedebistas como Eunício Oliveira (CE), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO). O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também compareceu ao encontro. Ontem, foi a vez de Renan e outros senadores irem até a Corte para uma conversa com o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski. A avaliação que prevalece no Senado é a de que a Casa vai ter de melhorar o pacote da reforma política que foi aprovado pela Câmara.

No jantar de terça-feira, por exemplo, os senadores receberam o aval dos ministros para apresentar, por meio de um projeto de lei, uma nova proposta para acabar com as coligações proporcionais. Até agora, esse assunto foi tratado no Congresso por meio de propostas de emendas constitucionais, o que, justamente por mudar o texto da Constituição, requer um número maior de votos para ser aprovada. No jantar, Toffoli manifestou preocupação com a necessidade de se estabelecer um teto para doações empresariais para campanhas eleitorais. Ele argumentou que, como a Câmara aprovou uma mudança na Constituição para regularizar o financiamento privado, o tema precisará ser regulamentado por meio de um projeto de lei. Nos bastidores, ministros do TSE já sinalizaram que a "verdadeira reforma política" deve vir por projetos de lei infraconstitucionais. 

Senado já fala em alterar reforma da Câmara

Andréia Sadi, Valdo Cruz, Gabriela Guerreiro – Folha de S. Paulo

• Relator da proposta, Romero Jucá (PMDB) vai propor rejeição de mandato de 5 anos e fim das coligações proporcionais

• Peemedebista quer manter o fim da reeleição, sem aumentar mandato de senadores ou deputados

BRASÍLIA - Relator da reforma política no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) vai propor mudanças no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, como a manutenção do mandato de oito anos para senadores e de quatro anos para os demais cargos eletivos, a proibição das coligações e limitação das doações de empresas a campanhas.

As propostas foram discutidas na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na noite de terça-feira (23), com senadores, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, Luiz Fux e José Dias Toffoli, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o relator da reforma na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Para Jucá, apoiar a proposta aprovada na Câmara que fixa em cinco anos a duração de todos os mandatos eletivos --incluindo senadores, que ficariam três anos a menos no cargo-- "denigre ainda mais"" a classe política.

"A leitura que o povo fará é que estamos fazendo uma reforma para nos beneficiar"", afirmou o senador.

O peemedebista, porém, disse que manterá o fim da reeleição, mas não aumentará a duração do mandato de senadores nem de deputados.

Para que o texto não precise ser submetido novamente à Câmara --o que ocorre quando uma das duas casas do Congresso modifica projeto aprovado pela outra--, a ideia é que o Senado aprove o fim da reeleição e suprima o trecho que fala em mandatos de cinco anos.

Dessa forma, a proposta segue para promulgação sem necessidade de nova análise pelos deputados.

Coligações
Defendido pelo relator no Senado, o fim das coligações partidárias nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador já causa reação da Câmara.

De acordo com Cunha, o Senado "não tem que se meter" na eleição proporcional, porque os senadores são eleitos por maioria dos votos.

O presidente da Câmara afirmou que vai considerar a proposta prejudicada com base na Constituição, que veda a apreciação de um mesmo projeto na mesma legislatura --segundo Cunha, uma proposta de emenda constitucional dos senadores tratando do tema já foi votada e rejeitada pelos deputados.

"Nem submeto a voto. Isso só em 2017, quando eu sair"", disse o peemedebista.

Nesta quarta-feira (24), Renan Calheiros disse que o fim das coligações partidárias pode ser estabelecido por meio de projeto de lei, sem necessidade de mudanças na Constituição, o que pode levar a proposta de volta à Câmara.

O Senado vai rediscutir também temas como o financiamento das campanhas eleitorais. A Câmara manteve a permissão para que empresas doem a partidos políticos, mas Renan defendeu o modelo que fixa limites às doações empresariais a cada candidato --a ideia tem o apoio do PMDB.

"A empresa só pode doar até um percentual do custo total da campanha porque, senão, você fica com um candidato tutelado pelo doador. A política hoje não pode mais conviver com isso", afirmou o presidente do Senado.

Primeira etapa
A Câmara finalizou a votação em primeiro turno do conjunto de medidas que integram a chamada reforma política conduzida pela Casa.

As propostas aprovadas ainda precisam passar por uma segunda análise dos deputados antes de seguirem para votação no Senado --que, na terça (23), criou uma comissão para analisar os projetos.

Os senadores pretendem concluir os trabalhos até julho para que algumas medidas passem a ter efeito já em 2016, quando haverá eleições para prefeito e vereador.

Esquerda do PT retoma críticas ao governo

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

• Tendência do ministro Rossetto diz que resoluções do congresso do partido impedem reversão de impopularidade

No evento, há duas semanas, sigla endossou o ajuste fiscal e rejeitou mudanças em seu comando

SÃO PAULO - Tendência integrada pelo secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, e pelo ministro Pepe Vargas (Direitos Humanos), a DS (Democracia Socialista) apresentou, nesta quarta-feira (24), documento com severas críticas à política econômica e à nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda.

O texto faz avaliação do 5º congresso do partido, realizado há duas semanas, afirmando que seu resultado deve ser entendido como um recuo que imobiliza o governo, arrasta o partido e impede que a presidente Dilma Rousseff saia de um "altíssimo patamar de impopularidade".

A divulgação do documento coincide com as críticas públicas que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem fazendo ao PT e ao governo.

Segundo o texto, "a indicação de Levy e a adoção de uma política conservadora e recessiva na economia seriam uma forma de absorver a pressão neoliberal". O documento também é crítico à aliança com o PMDB.

No 5° congresso, a DS se aliou à "Mensagem", segunda maior força do PT, mas acabou derrotada. Depois de dois dias de debate em Salvador, o partido manifestou apoio ao ajuste fiscal, defendeu as alianças e rejeitou a proposta de convocação de uma constituinte para troca do comando partidário.

Agora, com a elaboração do documento, a DS tenta reeditar essa parceria e retomar o movimento pela realização de uma conferência interna, a "Muda, PT!".

O texto será submetido aos dirigentes da "Mensagem" para a redação de um documento conjunto. Apontada como moderada, a Mensagem ainda não aderiu integralmente a essa versão.

Secretário Nacional de Formação Política do PT, Carlos Henrique Árabe cita as recentes declarações de Lula para justificar o documento da DS, que segundo ele foi submetido a Rossetto, ministro próximo a Dilma. "Nós defendemos a renovação do PT. Lula é ainda mais ousado: quer revolução", disse.

Ontem, petistas tentavam debelar a crise provocada pelas declarações de Lula, para quem o partido envelheceu, só quer cargos e precisa de uma revolução interna.

Na véspera da reunião da cúpula do PT prevista para esta quinta (25) o presidente do partido, Rui Falcão, esteve com Lula em São Paulo. Na terça, Falcão fez críticas sutis ao petista, ao dizer que prefere quando Lula diz que os que acham que o PT vai acabar "darão com os burros n"água".

Corrente de esquerda do PT lança manifesto contra Levy e aliança com PMDB

Sérgio Roxo – O Globo

• Texto, que propõe mudanças no partido, é assinado por dois ministros de Dilma, mas não será discutido em encontro de executiva nesta quinta-feira

SÃO PAULO — A Democracia Socialista (DS), tendência petista mais à esquerda da qual fazem parte os ministros Miguel Rossetto (Secretária Geral da Presidência) e Pepe Vargas (Direitos Humanos), lançou na quarta-feira um manifesto em que reafirma críticas já apresentadas no Congresso do PT, no começo de mês em Salvador, ao governo, com ataques direto ao ministro Joaquim Levy (Fazenda) e à aliança com o PMDB.

O grupo propõe ainda a realização no final do ano da "Conferência Muda PT" para "propor uma plataforma de atualização política e de renovação do partido a ser caminho para a sua direção". A corrente Democracia Socialista faz parte da chapa Mensagem, segundo maior do PT, com cerca de 20% de representantes no Diretório Nacional.

De acordo com Carlos Árabe, secretário de formação política do PT e integrante da DS, o manifesto não é uma proposta para ser apresentada para a Executiva da legenda, que se reúne nesta quinta-feira em São Paulo.

— É uma proposta para mudar a direção. Perdemos no Congresso, mas entendemos que há democracia interna para discutir de forma clara, de forma não desgastante, as mudanças no PT e queremos buscar a maioria - disse Árabe.

No documento, a DS avalia que a manutenção da aliança com o PMDB e a política econômica comandada por Levy representam para o PT "o risco de uma derrota eleitoral de largo alcance em 2016 no contexto da maior crise de identidade de sua história".

No começo da semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas duras ao partido e defendeu a necessidade uma revolução no PT.

— Seria melhor se ele (Lula) tivesse apresentado isso no Congresso do PT. Temos que compreender ainda a colocação dele - respondeu, ao ser questionado se as críticas da DS eram convergentes com o discurso de Lula.

O documento provocou reações no grupo que comanda a legenda, a CNB.

— Eles acham que o Congresso não acabou — afirma Jorge Coelho, um dos vice-presidentes do PT e representante da CNB

Presidente do PT se reúne com Lula

Sérgio Roxo – O Globo
  • Encontro é o primeiro após líder petista criticar o partido
SÃO PAULO - Dois dias depois de apresentar publicamente suas críticas ao PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu nesta quarta-feira com o presidente da legenda, Rui Falcão. O encontro aconteceu na sede do Instituto Lula, na Zona Sul da capital paulista.

A conversa entre Lula e Falcão precedeu a reunião da Executiva do partido, marcada para esta quinta-feira, em São Paulo, onde as críticas de Lula à legenda devem entrar na pauta.

Na última segunda-feira, Lula disse, em evento promovido por seu instituto, que o partido “só pensa em cargo, só pensa em emprego, só pensa em ser eleito, ninguém trabalha mais de graça”. Na semana passada, o ex-presidente havia afirmado, em encontro fechado com religiosos, que “Dilma está no volume morto, O PT está abaixo do volume morto e eu estou volume”, como revelou o GLOBO.



PMDB estuda devolver coordenação política

Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - O PMDB cogita devolver a coordenação política do governo à presidente Dilma Rousseff, após a votação do projeto das desonerações, mas ainda não há decisão tomada. O argumento seria o de "missão cumprida", com a aprovação da última medida do pacote fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda), mas na prática o que se discute é o descolamento do partido em relação à presidente da República.

Segundo integrantes da cúpula pemedebista, o processo de desgaste da presidente no Congresso se acelerou esta semana porque a pesquisa Datafolha registrou apenas 10% de aprovação da chefe do governo, mas também por causa das críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governo e ao PT. A avaliação é que o próprio Lula está se descolando da presidente da República. Declarações desconexas de Dilma também contribuíram.

A decisão só não está tomada porque o vice Michel Temer e o ministro Eliseu Padilha, dublê de coordenador político e secretário da Aviação Civil, acham que o distanciamento do PMDB, neste momento provocaria um "solavanco" na economia, pondo a perder o terreno conquistado com a aprovação das medidas. Mas a ideia da devolução da articulação política a Dilma tem adeptos mesmo entre os integrantes do grupo mais próximo do vice. O ideal seria que a devolução ocorresse entre as votações na Câmara e no Senado do projeto de lei das desonerações.

A proposta da devolução ganhou corpo, nos últimos dias, também entre candidatos pemedebistas a prefeito e senador, cargos majoritários, preocupados com o desgaste eleitoral devido a proximidade de Temer com a presidente. Vice de Dilma, Temer também é o presidente nacional do PMDB e deve comandar o partido nas próximas eleições. Quem é candidato teme que o desgaste de Dilma leve de roldão não apenas o PT.

Para o público externo, o PMDB informa que terá candidato próprio na eleição de 2018 e que o partido necessariamente terá de se descolar do governo Dilma, ao longo do processo. A diferença entre as facções seria quanto à velocidade com que se daria esse afastamento. Uma ala acha que o momento correto será depois das eleições municipais de 2016, outra defende uma convenção para lançar a candidatura presidencial já em outubro.

Segundo interlocutores do vice-presidente, Michel Temer defende que a decisão do PMDB seja tomada com muita cautela. A avaliação é que o governo ainda não saiu das cordas e que a devolução da coordenação política, neste momento, seria o equivalente a um rompimento, o que acabaria com o mínimo de governabilidade alcançada desde que Temer e Padilha assumiram a função. De imediato o governo perderia completamente o controle da pauta do Congresso - que já não tem. A decisão também poderia contribuir para a perda do grau de investimento.

Na realidade, segundo apurou o Valor, o mês de outubro é o prazo com que trabalham os principais caciques do PMDB para avaliar se a política econômica vai ou não apresentar resultados. Em caso negativo, o partido ou grande parte dele deve aderir a eventuais propostas de impeachment do mandato da presidente Dilma, especialmente se Lula continuar dando demonstrações de que lavou as mãos em relação à pupila. "Nem o [Paulo] Maluf abandonou o [Celso] Pitta como o ex-presidente Lula está abandonando a presidente Dilma", diz um dirigente pemedebista. Temer equilibra-se entre a lealdade à titular do cargo e as pressões partido.

O vice é um respeitado constitucionalista, referência no direito brasileiro. Há uma corrente pemedebista para a qual Temer, se tiver que assumir as funções do titular, seria um dos poucos políticos em posição de comando com autoridade para se manifestar juridicamente sobre eventuais excessos da Operação Lava-Jato, dos quais tanto reclamam Lula e o PT. Não no sentido de acobertamento, pois a recente prisão de dirigentes da Fifa deixa claro que a globalização chegou à Justiça - alguém pode cometer um crime no Brasil e ser preso em Genebra a pedido da polícia federal americana. Mas o processo conduzido pelo juiz Sérgio Moro entraria num trilho mais jurídico que da política.

Governadores discutem efeitos da crise no Sudeste

Luciana Nunes Leal – O Estado de S. Paulo

Os governadores do Sudeste se reunirão na próxima terça-feira no Rio para discutir ações conjuntas que possam amenizar os efeitos da crise econômica e formular propostas comuns para a região, informou ontem o chefe do Executivo do Estado do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

A ideia do encontro surgiu em conversa de Pezão com o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). O convite foi feito a Geraldo Alckmin (PSDB), de São Paulo, e Paulo Hartung (PMDB), do Espírito Santo. "A maior preocupação é com a economia, as dificuldades que estão passando vários Estados.

Vamos discutir uma pauta comum e trabalhar uma proposta do Sudeste", disse Pezão. A ideia é que os governadores debatam gargalos da infraestrutura, financiamento de obras públicas e parcerias público-privadas (PPPs).

Segundo Pezão, suas grandes preocupações são a queda na arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e de royalties do petróleo e a preservação de empregos, apesar da retração de investimentos.

Governadores nordestinos disputam 'hub'

Marina Falcão – Valor Econômico

RECIFE - Os governadores do Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte lançaram mão de todo o seu arsenal político na disputa pela instalação do primeiro hub internacional de conexões Latam, controladora da brasileira TAM e da chilena LAN, no Nordeste. Com capacidade para gerar 10 mil empregos, o empreendimento pode ser a primeira boa notícia para a economia desses estados desde o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).

A Latam anunciou, há dois meses, que vai escolher entre os aeroportos de Fortaleza, Recife e Natal para instalar o hub, o segundo internacional da companhia no Brasil (o outro fica em Guarulhos). Até o fim do ano, a empresa vai avaliar critérios como localização geográfica, infraestrutura aeroportuária, potencial de desenvolvimento e experiência do cliente. Nenhum dos governadores acredita que processo de escolha está completamente imune ao jogo político.

A inclusão do Aeroporto Internacional Pinto Martins (Fortaleza) no pacote de concessões, no início do mês, acirrou a concorrência. Camilo Santana (PT), governador do Ceará, diz que "brigou" para que o aeroporto de Fortaleza estivesse no pacote em detrimento de outros no Nordeste (como o do Recife). Santana disse ao Valor que a concessão foi um ponto fundamental colocado pela Latam durante reuniões iniciais em São Paulo. Até então, o Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, é único dos concorrente que está nas mãos da iniciativa privada - o empreendimento é administrado pelo Consórcio Inframérica.

"Se tiver algo que o governo federal possa fazer, eu vou pedir e vou cobrar. Eu considero que é um investimento importante para o Estado, principalmente diante da recente decisão da Petrobras de cancelar refinaria no Estado", disse Santana.

Questionada sobre o peso da concessão do aeroporto de Fortaleza na sua decisão final, a Latam disse apenas que "os três aeroportos selecionados têm pontos fortes e pontos de melhorias. Todos têm potencial de desenvolvimento da infraestrutura já existente, que será um fator-chave para a definição".

Santana disse ainda que conseguiu garantir recursos com o governo federal para que uma obra de ampliação de Aeroporto de Fortaleza seja iniciada ainda em julho ou agosto. Ou seja, antes mesmo da concessão do empreendimento ser executada, o que é previsto para o primeiro semestre do próximo ano. A ampliação do terminal, que deve ficar a cargo da paranaense Sial, custará R$ 371 milhões.

Para o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), o fato de Fortaleza estar no pacote de concessões não é crucial para a Latam. "A Latam está acostumada a negociar com a Infraero, que se tornou nossa aliada. Afinal, somos o único entre os três aeroportos que ficou com a Infraero", disse Câmara a lideranças políticas e empresários, em evento convocado logo após o anúncio do pacote de concessões, no Recife.

Há duas semanas, Câmara mobilizou toda a bancada federal do Pernambuco e ex-governadores para pedir empenho no lobby para atrair o empreendimento para Aeroporto Internacional dos Guararapes (Recife). Uma missão, em especial, foi destinada ao senador Humberto Costa (PT): tentar destravar a liberação de uma área de 1.300 metros quadrados no entorno do aeroporto do Recife com o Ministério da Defesa, comandado pelo também petista Jacques Wagner. Sem a cessão desse terreno, que pertence à Aeronáutica, a capital pernambucana fica praticamente fora da disputa.

Entre os que estão na briga, Pernambuco é o único Estado cujo governador é de um partido não aliado da presidente Dilma Rousseff. Agradar a ala pernambucana do PSB - ou pelo menos não atrapalhar o Estado durante o processo de concorrência - pode ser estratégico para o governo tentar atrair para a sua base um partido que hoje se coloca como independente.

Com a economia e número de eleitores menor bem menor do que Ceará e Pernambuco, o Rio Grande do Norte corre por fora, mas está na briga. Robinson Faria (PSD), governador do Estado, diz acreditar que a decisão final da Latam obedecerá critérios técnicos, mas, nem por isso, pretende ficar parado na esfera política. "A economia de todo o país, e o Nordeste não escapa disso, está devagar. Por isso esse hub se tornou tão disputado", diz Faria.

Do mesmo modo que Pernambuco e Ceará, Faria reuniu aliados e opositores políticos em um encontro simbólico de apoio ao hub no Aeroporto São Gonçalo do Amarante este mês, em Natal. Ele aposta no apoio do Ministro do Turismo Henrique Alves (PMDB), tradicional parlamentar do Estado e seu opositor derrotado nas últimas eleições. "Se eu fosse ministro do Turismo, eu ajudaria o meu Estado. Se ele não ajudar, é até estranho. Afinal, ele tem 12 anos de mandato pelo Rio Grande do Norte", afirma Faria.

Publicamente, Alves tem evitado sair em defesa explícita do hub em Natal, alegando que se trata de uma decisão da Latam.

O recém inaugurado aeroporto de Natal é o mais novo entre os concorrentes e único já privatizado. No entanto, conta com a desvantagem de ser o mais distante do centro da capital. Um acesso viário ao aeroporto está sendo construído, mas ainda falta a liberação de cerca de R$ 88 milhões de recursos contratados com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para a obra.

Com investimento entre US$ 1 bilhão e US$ 1,5 bilhão em remanejamento de frota, a Latam deve iniciar as operações do hub já em 2016. Instalado, o empreendimento beneficia todo setor de turismo, segmento de particular importância para os três estados envolvidos na disputa.

Enquanto o mercado de trabalho do Rio Grande do Norte começa agora a se recuperar de um ciclo de demissões no setor têxtil e de cerâmica, Pernambuco e Ceará ainda amargam os dissabores da crise da Petrobras. No início do ano, a estatal suspendeu a construção da Refinaria do Pecém (CE) e, pelo menos por enquanto, colocou em banho maria a segunda fase da Refinaria Abreu e Lima (PE).

Em Pernambuco, a situação piorou com o fechamento de vagas no Estaleiro Atlântico Sul, afetado pela crise na Sete Brasil. No primeiro trimestre, o Estado foi o campeão de fechamento de vagas de trabalho no país, com a eliminação de 35 mil postos, de acordo com o Caged.

Câmara impõe nova derrota ao governo

Raphael Di Cunto e Thiago Resende – Valor Econômico

BRASÍLIA - Contra a orientação do governo, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 206 votos a 179, emenda à Medida Provisória 672 que estende a política de reajuste do salário mínimo até 2019 e aplica a mesma fórmula aos aposentados e pensionistas da Previdência Social que recebem benefícios superiores ao mínimo. Em reunião pela manhã com líderes da base, o ministro da Previdência, Carlos Gabas, avisou que a presidente Dilma vetaria a emenda. A estratégia, no entanto, seria pressionar o governo a apresentar uma alternativa, da mesmo forma que aconteceu com o fator previdenciário.

Aprovado reajuste do mínimo a aposentados
Contra a orientação do governo, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 206 votos a 179, emenda à Medida Provisória (MP) 672/15, que estende a política de reajuste do salário mínimo até 2019, para que a fórmula seja aplicada também aos aposentados e pensionistas da Previdência Social que recebem benefícios acima do mínimo.

Apesar de apenas a oposição e o PDT orientarem suas bancadas a votar a favor da emenda, praticamente metade dos deputados de PSD, PTB e Pros traíram o governo ao aprovarem o destaque. No PP, 19 votaram sim, contra 10 que votaram não. O PT foi mais fiel: apenas dois dos 51 deputados presentes foram contra o Executivo.

Em café da manhã com os líderes da base aliada, o PDT já tinha avisado ao governo que votaria a favor de aplicar a política de reajuste do salário mínimo para os aposentados. O ministro da Previdência, Carlos Gabas (PT), respondeu que Dilma vetaria a emenda caso fosse aprovada - segundo cálculos da Pasta, o impacto de um reajuste de 1% nos benefícios previdenciários acima do salário mínimo é de cerca de R$ 2 bilhões por ano.

O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), autor da emenda junto com o líder do SD, Arthur Maia (BA), afirmou, porém, que a presidente Dilma Rousseff não poderá vetar apenas o trecho referente aos aposentados porque a emenda juntou o salário mínimo aos benefícios previdenciários em um único artigo. "Teria que vetar a política toda", disse.

Para o líder do PDT, deputado André Figueiredo (CE), a extensão para os aposentados não prejudicaria o ajuste fiscal porque o impacto, se existir, só começaria a partir de 2018. "A aprovação é importante para pressionar o governo a apresentar uma alternativa, do mesmo modo que ocorreu com o fator previdenciário", disse.

Pela regra atual, o salário mínimo é reajustado em percentual equivalente à inflação acumulada no ano anterior (o Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC), mais o percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. A fórmula é usada desde 2007 e foi instituída por lei em 2011, com validade até janeiro de 2015.

O modelo, contudo, deve garantir pouca valorização para o salário mínimo nos próximos anos e ter impacto reduzido nas contas públicas por causa da crise econômica. Como o crescimento do PIB em 2014 foi apenas de 0,1%, este será o percentual aplicado de aumento real (acima da inflação) em 2016. Para este ano, o Banco Central projeta retração de 1,1% do PIB.

O PSOL foi o único partido a votar contra a medida provisória, aprovada por 287 votos a 12, por entender que o texto abre a possibilidade de o governo descontar do INPC o percentual de retração da economia e, com isso, promover um aumento abaixo da inflação. Em 2011, o governo viveu o mesmo cenário, mas, pressionado pelas centrais sindicais, concedeu a inflação de dois anos antes sem desconto.

A MP foi encaminhada pela presidente Dilma Rousseff em maio justamente em articulação do governo para evitar que os deputados aprovassem a política de reajuste do mínimo extensiva às aposentadorias. A fórmula desagradava à equipe econômica do governo, que via uma pressão excessiva da valorização do salário mínimo sobre as contas públicas e inflação.

Demissões e 'lay-offs' afetam agora mineração e siderurgia

Danielle Nogueira – O Globo

• Vale dará férias coletivas a 170 funcionários. No ano, são 930 cortes

As demissões e o afastamento de trabalhadores que atingiram em cheio o setor automobilístico chegaram à área de mineração e siderurgia. Depois de a Gerdau deixar cem funcionários em Lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho) na unidade de Charqueadas, Região Metropolitana de Porto Alegre, ontem a Vale informou que colocará em férias coletivas 170 funcionários nos municípios de Brumadinho e Sarzedo, em Minas Gerais. A empresa vai paralisar usinas de tratamento de minério a seco, que operam com maior custo e material de menor qualidade. Entre janeiro e junho deste ano, a empresa demitiu ao menos 930 pessoas em Minas Gerais e Pará, seus dois principais polos produtores no país, segundo sindicatos.

Só este ano, o preço do minério de ferro acumula queda de 12%. E a Vale registra prejuízo há três trimestres. Para enfrentar essa situação, a empresa vai substituir este ano a produção de cerca de 22 milhões de toneladas de minério de ferro com menor qualidade e maior custo. Ou seja, vai paralisar minas menos competitivas e compensar com aumento da produção nas mais produtivas. Mas mantém a meta de 340 milhões de toneladas de minério de ferro para 2015.

As férias coletivas em Brumadinho e Sarzedo, de 30 dias, começam em 7 de julho. Segundo a Vale, o grupo representa menos de 1% dos empregados da companhia no estado. No Pará, 250 funcionários da mina de Serra Leste estão em férias coletivas desde o dia 18, devido a atraso na liberação de licença ambiental para ampliar a produção da mina.

As demissões preocupam os sindicatos. Em Carajás (PA), foram 680 desde o início do ano, segundo o Sindicato Metabase de Carajás. De acordo com seu presidente, Raimundo Amorim, em todo o ano de 2014 foram fechados 700 postos de trabalho na região. Em Brumadinho, foram 50. Em Itabira (MG) as demissões este ano (cerca de 200) ultrapassam a média histórica anual de 120 registrada na última década.

Desaceleração econômica
A Vale não comenta os números. Diz apenas que deve terminar 2015 com mais empregados do que em dezembro de 2014. Não é o que vem acontecendo. Segundo informações enviadas à Comissão de Valores Mobiliários, a Vale tinha 85.305 empregados diretos em 2012. No ano seguinte, recuou a 83.286 e, em 2014, caiu para 76.531.

A indústria siderúrgica também enfrenta grave crise. Levantamento do Instituto Aço Brasil mostra que, nos 12 meses encerrados em junho, houve 11.188 demissões e 1.397 contratos suspensos. Mais 3.955 funcionários devem ser dispensados este ano, estima o instituto. No fim de 2014, a indústria brasileira do aço tinha 122.139 empregados. O cenário levou ao adiamento de US$ 2 bilhões de investimentos, o que deixará de criar 7.194 vagas. Hoje, dois altos-fornos da Usiminas estão parados.

O presidente-executivo do Aço Brasil, Marco Polo, atribui a crise a fatores conjunturais, relacionados à desaceleração econômica do país, e estruturais, que têm relação com custos:

- Temos uma perda de competitividade sistêmica, com elementos como energia cara e carga tributária elevada.

José Serra - O vício da Mediocridade

- O Estado de S. Paulo

Os tropeços do modelo de ajuste econômico implantado pelo governo Dilma não surpreendem. Trata-se de uma frustração anunciada. Como eu disse no Senado no início de março, vaticinando o que viria, estamos diante de um oxímoro perfeito: um ajuste desajustado. Os principais objetivos – promover o equilíbrio fiscal, deter a inflação e melhorar as expectativas dos agentes econômicos – não só não foram atingidos, como ficaram mais distantes.
O comportamento da inflação derrubou as projeções e ela chegará perto dos 10% ao longo do ano. Isso era previsível, dado o tamanho dos reajustes dos preços administrados – energia, combustíveis e transporte –, além da resiliente indexação da economia.

As metas fiscais eram irrealistas e o déficit primário aumentou de 0,6% a 0,8% do PIB (12 meses) entre dezembro e abril. O déficit nominal cresceu de 6,2% a 7,5%% do PIB no mesmo período. Isso também era previsível, graças, de um lado, à queda das receitas do governo (perto de 5% real), derivada da recessão, e, do outro, à aloprada política de juros.

Desde que Dilma se reelegeu, o reajuste acumulado da taxa de juros (Selic) chegou a 2,75 pontos porcentuais. Os aumentos prosseguiram, apesar de a economia continuar desabando, de não haver pressão de demanda e de a diferença entre as taxas brasileiras e as do exterior serem imensas (cerca de 0% nos EUA e na Europa). São aumentos fúteis, mas que, além de derrubarem os investimentos e a atividade econômica, levando junto empregos e arrecadação, entram na veia do déficit público: o custo anualizado para o Tesouro da elevação dos juros é da ordem de R$ 38 bilhões!

O ônus social e político do ajuste desajustado para o governo Dilma ainda está por se manifestar plenamente. O desemprego, que saltou de 4,9% para 6,4% entre abril de 2014 e abril deste ano, caminha para 9% até dezembro, segundo projeção do professor J. R. Mendonça de Barros, que estima a queda do PIB de 1,5% a 2% em 2015 e crescimento zero em 2016. Alguém duvida que, como consequência, a crise política se agravará ainda mais no segundo semestre?
Aliás, se há um terreno em que o desempenho do governo deixa a desejar, é precisamente o das expectativas, que, no mundo econômico de hoje, funcionam cada vez mais como profecias que se autorrealizam. A sinalização de caminhos – frentes de expansão capazes de puxar a economia – é essencial para que políticas de ajustes funcionem melhor. Mas isso é tudo o que o governo não faz. Sem esforço, podemos identificar três frentes possíveis e necessárias: exportações, infraestrutura e petróleo.

No comércio exterior continuamos galhardamente aprisionados na Papuda da união alfandegária do Mercosul, segundo a qual renunciamos à nossa soberania comercial: qualquer acordo de livre-comércio com outro país precisa ser aprovado pelos sócios: Argentina, Uruguai, Paraguai e, agora, Venezuela.

Quanto à infraestrutura – portos, aeroportos, ferrovias, estradas, hidrovias, energia, que turbinam o custo Brasil –, tardiamente se anunciou um plano, dificultado pelos juros elevados, que afastam parceiros privados, e pelos cortes de 36% dos investimentos federais. E para culminar, o toque cucaracha: o novo anúncio substituiu a alucinação do trem-bala Rio-São Paulo pela Ferrovia Transperuana, que supostamente abriria o caminho do Pacífico à economia brasileira. Só que sai mais barato exportar a soja do Brasil Central para a China via Porto de Santos ou Paranaguá que pela ferrovia do Pacífico: US$ 46 menos por tonelada, segundo Blairo Maggi. Mas miragem do projeto não é inofensiva: ao contrário, contribui para tirar a seriedade do anúncio e a piorar as expectativas.

No setor do petróleo, tudo ia bem até o acesso de megalomania que acometeu os governos petistas em relação à empresa, com os imensos e desastrosos investimentos em refinarias (prejuízos de R$ 80 bilhões), o loteamento político de cargos estratégicos e o arrocho dos preços dos combustíveis (prejuízos de R$ 60 bilhões) – estratégia oportunista para segurar a inflação. Assim a dívida líquida da Petrobrás chegou a R$ 330 bilhões, equivalentes a cinco vezes a geração de caixa operacional da empresa. Tanto é que a atual diretoria da estatal programou a venda de ativos da ordem de US$ 14 bilhões!

Em 2010, e como estratégia da eleição presidencial, o regime de concessão para a exploração do pré-sal foi substituído pelo de partilha. Estabeleceu-se que a Petrobrás deveria ser o operador único de cada área licitada e financiar pelo menos 30% do investimento necessário. Entre as discussões e definições sobre a mudança de método, e as dificuldades da Petrobrás para cumprir a nova obrigação, o Brasil ficou cinco anos sem leilões (2008-2013), levando a uma semiestagnação da indústria petrolífera.

Por isso mesmo, apresentei no Senado projeto que retira a obrigatoriedade de a Petrobrás ser a operadora única do pré-sal e de bancar 30% dos custos de investimentos. Hoje ela não tem dinheiro nem capacidade para cumprir esse papel. Garanto que os dirigentes mais responsáveis da empresa apoiam a medida, que, por outro lado, permitiria dinamizar a exploração do pré-sal.

Aliás, a Petrobrás pôs em marcha um plano de venda de ativos de quase US$ 14 bilhões!
Soberania ameaçada? Invasão das transnacionais? Tudo delírio. A Petrobrás detém reservas equivalentes a 40 vezes sua produção anual! Mais ainda, a lei de 2010 permite que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) entregue à empresa, sem licitação, áreas que considere estratégicas. Meu projeto não mexe nisso nem no regime de partilha. (Ou seja, se aparecer um Kuwait dentro ou fora do pré-sal, o CNPE pode imediatamente entregá-lo à Petrobrás.)

Meu propósito é ajudar a recuperação da Petrobrás e a dinamização da produção nacional de petróleo. Uma contribuição à melhora das expectativas sobre a economia brasileira, mas o Palácio do Planalto se opõe.

A característica definidora de um governo ruim é não querer melhorar. O governo ruim se intoxica com a própria mediocridade. Vicia-se nela.

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*José Serra é senador (PSDB-SP)

Merval Pereira - Congresso e TSE juntos

- O Globo

Pode estar sendo inaugurada no país uma maneira civilizada de reduzir a judicialização da política. Parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com assento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estiveram reunidos em Brasília, na casa do presidente do Congresso, Renan Calheiros, para uma troca de ideias sobre temas que dizem respeito aos dois Poderes na reforma política.

O ponto mais importante tratado foi a redução do número de partidos, já que todos concordam que a discussão de questões fundamentais fica fragmentada com 28 partidos com representação no Congresso, dificultando decisões de consenso. A proibição pelo Supremo das cláusulas de barreira, que entrariam em vigor em 2007, parece a todos hoje, políticos e ministros, um erro, mas o fim das coligações nas eleições proporcionais pode ser um ponto a ser recuperado pelo Senado para reduzir o total de partidos. A solução ser á tratar o assunto num projeto de lei, sugestão do presidente do TSE, Dias Tofolli, já que uma emenda constitucional, por ter sido rejeitada pela Câmara, só poderia tratar do mesmo tem a na próxima legislatura.

O financiamento de campanhas eleitorais também foi discutido, e o ministro Gilmar Mendes aprovou a forma como foi feita pela Câmara, através de emenda, pois o tem a está sendo discutido no STF sob a alegação da OAB de que o financiamento privado seria inconstitucional por desequilibrar a disputa em favor dos candidatos com mais dinheiro para campanha. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista quando já havia maioria de votos contra o financiamento privado, pretende liberar seu voto assim que o Congresso definir a questão. Com isso, a ação de inconstitucionalidade ficará prejudicada. A limitação das doações eleitor ais é um assunto que preocupa o ministro Dias Tofolli, que sugeriu aos parlamentares que impusessem um teto que não desse margem a distorções , como na legislação atual, que fixa em 2% do faturamento da empresa esse limite, considerado excessivo.

O presidente do TSE sugeriu R$ 1 milhão por empresa, e houve quem defendesse que cada doador possa financiar apenas um candidato a cada cargo eletivo. Ou um partido, se permanecer a fórmula aprovada na Câmara. A questão do tamanho dos mandatos continua impedindo uma definição sobre o fim ou não da reeleição. Como não se chega a um consenso, a tendência é permanecer tudo como está — 4 anos para deputados e 8 para senadores —, o que faria com que o presidente da República ficasse também com um mandato de 4 anos , sem re eleição , considerado curto por consenso .

Se o impasse não for superado, é possível que a re eleição seja mantida pelo Senado. Aproveitando a ocasião, o ministro Gilmar Mendes fez campanha para que a Câmara adiasse a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC). Ele alega, com o apoio de vários colegas de tribunais superiores, mas com a oposição da Ordem dos Advogados do Brasil, que o novo Código, ao ampliar a possibilidade de as partes levarem suas demandas ao STF ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), vai na contramão da re forma do Judiciário , que instituiu a repercussão geral e a súmula vinculante, institutos constitucionais que limitam o número de demandas que chegam à Corte e dão efeito multiplicador às decisões do STF , que precisa decidir apenas uma vez a questão constitucional, com a solução devendo ser repetida nas instâncias ordinárias .

Atualmente, uma vez decidida a questão pelo STF, cabe aos tribunais de origem aplicar o entendimento em cada caso concreto. Feita essa aplicação, a demanda acaba. O novo CPC criou mais um recurso ao STF: caberá a ele examinar se a aplicação do seu entendimento foi feita corretamente, tornando a Corte responsável por revisar, novamente , cada um dos casos repetitivos. Além disso, o art. 988, IV, do novo CPC, torna possível a reclamação direta ao STF contra qualquer decisão, de qualquer instância, que trate de questões constitucionais resolvidas pelo STF. Em vez de adiar a entrada em vigor do CPC, houve um acordo para que o Congresso aprove um projeto de lei que restabeleça o juízo de admissibilidade dos recursos nos tribunais de origem das ações.

Luiz Carlos Azedo - A mandioca e a mulher sapiens

Correio Braziliense

• Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande

Em baixa nas pesquisas, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva puxando o seu tapete e a base aliada só enrolando na hora de concluir a aprovação do ajuste fiscal, a presidente Dilma Rousseff decidiu assumir a liderança absoluta dos mandioqueiros do Brasil, posição até então exercida pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), um nativista convicto. Em quase 10 minutos de elogios, na abertura dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Brasília, na terça-feira, fez um cumprimento especial “à mandioca” e se autoproclamou uma “mulher sapiens”, ou seja, um Homo sapiens de saias.

Como Dilma exige o tratamento oficial de “presidenta”, nada mais natural que se considere também uma “mulher sapiens”. Como se sabe, os primeiros Homo sapiens surgiram há mais de 300.000 anos. Eram caçadores hábeis, cozinhavam carne, usavam roupas de pele de animais e construíam lanças e cabanas. O fóssil mais próximo, representativo e estudado da espécie foi o Homem de Neanderthal, encontrado na Alemanha. Sua provável existência certamente compreendeu o período entre 70.000 e 40.000 anos atrás, habitando a Europa e a Ásia. Segundo o indício fóssil, era de baixa estatura e musculoso, com um cérebro praticamente do mesmo tamanho que o nosso, com região cerebral correspondente à fala bem desenvolvida.

Mas voltemos à mandioca (Manihot esculenta crantz), da qual Dilma se tornou adoradora, talvez porque tenha substituído a farinha de trigo pela tapioca na bem-sucedida dieta que faz para emagrecer. “Nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação, e aqui nós temos uma, como também os índios e os indígenas americanos têm a deles. Temos a mandioca, e aqui nós estamos, e, certamente, teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje (terça), eu estou saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil”, disparou a presidente da República, para surpresa geral, inclusive para um comedor de tapioca desde criancinha, o líder indígena Marcos Terena, organizador dos Jogos Indígenas.

Gastronomia
Poucos sabem, mas existe um forte movimento em defesa da produção e do consumo do tubérculo no Brasil, liderado pela Associação Brasileira da Mandioca, que promove eventos como o Congresso Caribenho e Latino-Americano da Mandioca, marcado para novembro, em Foz do Iguaçu (PR). A mandioca não é apenas um ingrediente básico da nossa culinária nordestina e caipira, também dá um chame “fusion” a alguns dos restaurantes mais sofisticados do Brasil. Em São Paulo, o D.O.M., de Alex Atala, considerado um dos 10 melhores restaurantes do mundo, serve palitinhos de mandioca de entrada (R$ 17 a porção), além de um sofisticado mil-folhas de mandioca com queijo coalho e manteiga de garrafa nos menus de degustação: quatro pratos (R$ 357) e oito pratos (R$ 495).

No Rio de Janeiro, já existe uma rota gastronômica da mandioca, que vai do brasileiríssimo e sofisticado Nomangue — na Barra, no qual a chef Suzana Batista prepara o bobó de camarão com mandioca batida no leite de coco (R$ 130, para duas pessoas), servido com arroz branco e farofinha de dendê — ao oriental fast-food Manikineko — rede de culinária japonesa, na qual as lâminas de haddock com geleia de pimenta e chutney de abacaxi são servidas numa base de chips de mandioca (R$ 26,90, seis unidades). Em Brasília, a mandioca também frequenta os restaurantes da cidade, desde os de comida típica, como o Brasil Vexado e o Feitiço Mineiro, ao Piantella, um templo da política.

No mesmo evento, Dilma demonstrou também intimidade com a bola, ao receber uma “pelota” feita de folhas de bananeira, presenteada por nativos da Nova Zelândia: “Aqui tem uma bola, uma bola que eu acho que é um exemplo. Ela é extremamente leve, já testei aqui, testei embaixadinha, meia embaixadinha... Bom, mas a importância da bola é justamente essa, é símbolo da capacidade que nos distingue”. Foi aí que surgiu a nova abordagem antropológica das nossas origens: “Nós somos do gênero humano, da espécie sapiens, somos aqueles que têm a capacidade de jogar, de brincar, porque jogar é isso aqui (...) Então, para mim, essa bola é o símbolo da nossa evolução, quando nós criamos uma bola dessas, nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens”, concluiu, para gargalhada geral.

O que pensar de tudo isso? Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ao completar seis meses do segundo mandato ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande. Na próxima segunda-feira, Dilma terá um almoço com os maiores investidores dos Estados Unidos e um jantar com o presidente norte-americano Barack Obama, que podem sinalizar novos rumos para a política externa e para a economia, mais coerentes entre si. Não pode, porém, sair da casinha.

Bernardo Mello Franco - Vem aí a frente de esquerda

- Folha de S. Paulo

Enquanto Dilma Rousseff exaltava as virtudes da mandioca, na noite de terça-feira, um grupo encabeçado por dois ministros do governo Lula começou a articular o lançamento de uma frente de esquerda. O objetivo é contestar a aliança com o PMDB e torpedear o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy.

A ofensiva foi traçada em jantar no apartamento do senador Randolfe Rodrigues, do PSOL. Estavam lá os ex-ministros Tarso Genro (PT) e Roberto Amaral (PSB), o senador Lindbergh Farias (PT) e os deputados Alessandro Molon (PT) e Glauber Braga (PSB), além de dissidentes da Rede, a futura sigla de Marina Silva.

A frente sustenta que o ajuste deu errado e que é preciso empurrar o governo para a esquerda. Seus integrantes farão um manifesto contra a política econômica e buscarão o apoio de movimentos sociais. No sábado, eles se reunirão em São Paulo com João Pedro Stédile, do MST, Guilherme Boulos, do MTST, e dirigentes de centrais sindicais, como a CUT.

"No meio de uma crise tão grave, é uma loucura jogar o país conscientemente numa recessão. É isso o que Levy e o governo estão fazendo", diz o senador Lindbergh. "Essa política econômica é incompatível com os compromissos que a presidente assumiu na eleição", reforça Randolfe.

"As orelhas do Levy devem ter ardido", brinca o ex-ministro Amaral, que prefere definir a frente como "nacional-popular". Ele nega que o grupo esteja ligado a Lula, que tem defendido uma "frente ampla" em reuniões do PT. "Podem pensar isso, mas não é a mesma coisa", afirma.

O manifesto começou a ser redigido por Tarso e deverá ser lançado no próximo dia 6. "Vamos buscar a união das esquerdas e propor um novo pacto com base em compromissos", afirma o petista. Ele diz que a frente não se curvará a possíveis apelos do Planalto para poupar Levy ou o PMDB. "O governo tomou suas medidas e não quer recuar. Mas nós não temos que ficar em silêncio por causa da governabilidade", avisa.

José Roberto de Toledo - Fim de ciclo

- O Estado de S. Paulo

O diagnóstico crítico de Lula sobre o PT é preciso. Recente pesquisa Datafolha encontrou só 11% de simpatizantes do partido, a menor taxa em décadas. Não é um ponto fora da curva, mas o fundo de um buraco que o PT cava – como confirmam pesquisas do Ibope – desde os protestos de 2013. Lula disse estar no volume morto. Não será fácil uma ressurreição.

Fosse só uma questão de simpatia, seria um problema, não uma crise. É mais do que isso. O PT perde filiados desde 2012. Não está sozinho nessa (o PMDB e o DEM, por exemplo, mínguam desde 2008), mas o que houve nos últimos três anos foi a inversão da tendência de crescimento que o partido experimentava desde a sua fundação. Não é pouca coisa. O PT passou a andar para trás.

Segundo levantamento do Estadão Dados, o auge de filiados ocorreu em 2012: 1,612 milhão. Caiu para 1,601 milhão em 2013, 1,592 milhão em 2014 e começou 2015 com 1,586 milhão. O que isso significa para o futuro do partido que governa o Brasil há 12 anos? Que a possibilidade de sofrer um retrocesso nas eleições municipais de 2016 não é pequena. E 2016 prepara 2018.

A perda de capilaridade petista é mais significativa do que o mau desempenho de Lula na pesquisa de intenção de voto do Datafolha. Uma é causa, a outra é consequência. Aécio Neves (PSDB) aparece à frente do ex-presidente porque seu nome está fresco na memória do eleitor. Fatura com o desgaste da imagem de Dilma Rousseff, que prometeu e não entregou, enquanto Lula paga pela sucessão de escândalos envolvendo o PT e pela perda de poder de compra dos emergentes que sustentaram sua ascensão.

Muitas dessas razões são conjunturais e dinâmicas. Mudam com o tempo. Tanto é assim que a acurácia das pesquisas eleitorais em qualquer lugar do mundo é inversamente proporcional ao tempo que a separa da eleição: quanto mais longe da urna, maior a chance de erro. Em meados de 1994, por exemplo, as pesquisas mostravam Lula eleito presidente. Veio o Plano Real, as expectativas econômicas mudaram e Fernando Henrique Cardoso virou FHC.

Se a questão fosse apenas econômica, Lula poderia ter esperança de recuperar parte de seu cacife eleitoral em tempo de disputar como favorito a sucessão de Dilma – caso o ajuste fiscal interrompa a alta da inflação e, mais à frente, crie condições para a retomada dos investimentos, do emprego e da renda. Mas a questão é estrutural e vai muito além do que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pode ou não fazer em dois anos e meio.

Menos filiados significa que o PT convenceu menos gente a entrar no partido do que perdeu militantes. Não só: a legenda segue com dificuldade para mobilizar sua base em um momento crucial. Isso implicará menos cabos eleitorais voluntários em uma eleição que será marcada pelo sumiço dos tradicionais financiadores de campanha (já que muitos deles estão presos pela Lava Jato).

Menos militantes, menos dinheiro para financiar candidatos e sem discurso. O PT não sabe o que dizer para o eleitor. A falta de uma narrativa que faça sentido e seja convincente está por trás das discussões públicas entre petistas. Sem rumo não há estratégia. E sem estratégia não se faz campanha eleitoral.

Datafolha e Ibope mostram que o PT envelheceu mal, perdendo simpatizantes entre os jovens. O problema não está só no eleitorado. Os petistas não renovaram suas lideranças. A geração perdida no mensalão não foi reposta. E o sebastianismo lulista não permitiu que novos nomes surgissem além dos dois Fernandos.

Ambos têm seus próprios problemas. Fernando Pimentel terá primeiro que se livrar da Polícia Federal e fazer um bom governo em Minas Gerais para aspirar a um papel nacional. E Fernando Haddad terá uma difícil reeleição pela frente em São Paulo.

Tudo isso aponta para o fim do ciclo de expansão petista. E, com ele, o contrafluxo das ideias que o PT tentou representar.

Maria Cristina Fernandes - As instituições mais ou menos sólidas de Lula

- Valor Econômico

• O dia em que o ex-presidente deixou de ditar regras

Numa passagem de seu discurso de segunda-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil tinha instituições 'mais ou menos sólidas'. Não explicou a quais delas se referia ainda que 72 horas antes, procuradores e policiais federais, respaldados por um juiz, houvessem prendido dois dos maiores empreiteiros do país. O ex-presidente não mencionou o episódio, mas, meia hora depois de sua fala, o presidente do instituto que leva seu nome faria uma defesa incondicional dos empresários.

É possível que, no discurso, Lula estivesse apenas pensando em seu partido 'envelhecido e sem utopia', mas o ex-presidente embaralhou sua plateia ao emendar, em seguida, que o principal legado deixado por seu governo ao país havia sido o 'exercício da democracia'.

No evento, promovido pelo Instituto Lula com o ex-primeiro-ministro espanhol, Felipe González, o ex-presidente disse que o PT precisa de gente mais nova porque ele fala sempre as mesmas coisas. Não é verdade.

Na última vez que o ex-presidente e González estiveram juntos no Brasil, em evento promovido pelo Valor, era outro Lula. O ex-presidente voltava a falar em público depois de longa hibernação provocada pelo câncer na laringe. Era março de 2013 e o governo da presidente Dilma Rousseff ainda não havia sido sacudido pelas manifestações de junho.

Naquele momento, o ex-presidente sentia-se à vontade para dar lições à democracia europeia. "Aconteceu no Brasil uma coisa fantástica, Felipe. Liberamos o equivalente a US$ 50 bilhões para que os bancos públicos e privados pudessem alimentar o crédito". Os privados, explicou o ex-presidente, usaram o compulsório para comprar títulos do governo, e deixaram os públicos com a bucha na mão. Isso não impediu o que o ex-presidente chamou de 'milagre brasileiro': crédito, transferência de renda para os pobres e aumento de salário. "Não haverá solução para a crise enquanto o povo europeu não voltar a consumir e a produzir", concluiu.

O espetáculo dos bancos públicos iniciado por Lula teve sua apoteose no primeiro mandato Dilma Rousseff não apenas para atender às convicções da nova presidente como também para dar fluxo às consultorias que seu antecessor passou a prestar para deslanchar negócios brasileiros no exterior.

Em entrevista concedida ao Valor naquela manhã de março de 2013 em que se encontrou com González, Lula falou com entusiasmo de suas atividades privadas depois que deixou a Presidência: "Viajo para vender confiança. Se alguém tiver um produto brasileiro e tiver vergonha de vender, me dê que eu vendo".

O ativismo dos bancos públicos entrou na mira da Lava-Jato e deixou Dilma em apuros no Tribunal de Contas da União. Os programas de transferência de renda foram congelados, mas o principal vetor de redistribuição de riqueza da era petista, o salário, é ameaçado pela escalada do desemprego.

Avinagrado o milagre, restou o que o ex-presidente chamou de 'legado da democracia', numa sarneyzação do discurso petista. O legado de Lula deixa de fora seu partido, que, no seu último congresso, conformou-se ao arremedo de reforma política em tramitação na Câmara, e não aprovou nenhuma resolução no sentido de dar mais transparência às suas relações com financiadores.

Ciente do despenhadeiro que aguarda o PT em 2016, Lula parece acreditar ainda ser capaz de arrebanhar movimentos que venham a surgir na esteira do 'Podemos', partido que elegeu as prefeitas de Madri e Barcelona. Fez uso até de Platão: "Nos meus discursos as pessoas colocam 'como diz o poeta', pois eu vou citar um filósofo inglês. A desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta. Que surja um partido melhor que o PT".

No encontro com González de 2013, Lula batera na tecla de uma crise financeira mundial que havia se aprofundado na Europa pela ausência de lideranças políticas capazes de comandar uma reação. "Político não precisa ter medo de crise", recomendou, à época, o ex-presidente.

Agora foi a vez de González. Ao Brasil não faltariam nenhum dos ingredientes que hoje alavancam a economia: agropecuária voltada para uma China importadora de 60% do que come, abundância de energia, tecnologia da informação e capacidade de aumentar a produtividade. Por isso, concluiu González, a crise do Brasil é mais política que econômica.

Fustigado pela plateia de militantes que o questionaram até pelas relações que mantém com opositores do regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, o ex-primeiro-ministro espanhol, tentou por um freio na manobra à esquerda dos petistas: "Há mercado sem democracia, mas não há democracia sem mercado".

González chamou de austericídio a situação de uma Grécia que, depois de queimar um terço do PIB em cinco anos, viu sua dívida aumentar em 60%. Foi nesse momento, já ao final do encontro, que Lula teve uma recaída e voltou a falar da Europa como um continente do qual não há o que se invejar. Depois de chamar de 'coitado' o primeiro-ministro grego Aléxis Tsípras, o ex-presidente solidarizou-se com países que perderam o direito de fazer política monetária e hoje se limitam a manejar instrumentos fiscais. Deve ser horrível morar num país desses.

Odebrecht
Um dia depois do encontro com González, Lula prestou contas à jornalista Teresa Cruvinel das viagens que fez como presidente para promover interesses de empresas brasileiras: "Se os presidentes da República tivessem que ser criminalizados por ajudarem as empresas de seu país, o Bill Clinton não teria ajudado a americana Raytheon a vender o Sivam para o Brasil".

Desde que o primeiro-ministro Li Keqiang veio ao Brasil em maio, a proteção da Amazônia passou a ser alvo de novos parceiros. Entre os memorandos assinados durante sua visita está o de uma parceria com o Banco Comercial e Industrial da China (ICBC) e a indústria de sistemas de defesa daquele país (Ceiec) para renovar e ampliar o Sistema de Proteção da Amazônia, ao qual o Sivam está subordinado. O parceiro brasileiro é a Odebrecht.

Jarbas de Holanda - Crises econômica e política em novo patamar

Os diversos indicadores econômicos, do dia 15 de junho para cá (relativos ao final de maio e já os deste mês) – do IBGE, do BC, de entidades da indústria e do comércio, do ministério do Trabalho, da agência de risco Moody’s – mostram a acentuação do processo recessivo; a intensificação do desemprego; o avanço da taxa inflacionária já chegando aos 9%; em resposta a isto a taxa Selic já projetada para 14,25%; a expansão no mês passado de 1,83% da dívida pública federal para R$ 2,5 trilhões; o descompasso entre a receita e a despesa da União, a primeira estagnada e a segunda crescendo, apesar do contingenciamento de gastos; a forte queda dos recursos dos estados e municípios, com os cortes de repasses do governo central e duros efeitos da recessão em suas receitas próprias; o anúncio feito pela Moody’s de próximo rebaixamento da nota de crédito do país para um ponto acima do de perda do grau de investimento.

Esse cenário é ainda mais agravado por avaliações da maioria dos analistas, e predominantes entre os agentes econômicos, de transferência do final deste ano para o de 2016 de uma retomada, bem modesta, do crescimento. Estimativa refletida na redução de 2% para 1% de possível aumento do PIB no próximo ano, após uma queda neste em torno de 2% que passa a ser projetada. E tal cenário vai colocando na ordem do dia a diminuição do superávit primário de 2015 para menos da metade da meta de 1,2%. Assumida pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy como objetivo importante do ajuste fiscal e para a preservação do grau de investimento do país. Dois fatores do rebaixamento dessa meta: receita muito aquém da melhora de 5% definida no ajuste e surpresas do ministro com os custos bem maiores das “pedaladas” e dos atrasos de pagamento do governo Dilma 1.

Tanto quanto o relativo à economia, o cenário político mudou neste mês em função, sobretudo, de três fatos grávidos de significativas implicações institucionais e na sociedade. Foram eles o inédito questionamento pelo TCU à própria presidente da República sobre sua responsabilidade no descalabro das contas públicas nacionais de 2014, o desencadeamento da nova fase, a Erga Omnes, da operação Lava Jato e os resultados do Datafolha divulgado no sábado à noite (que teriam sido ainda mais negativos para a chefe do governo, seu partido e o ex-presidente Lula se a pesquisa não tivesse sido concluída na quinta-feira, antes da Erga Omnes). Os três fatos, combinados com as crescentes consequências da estagflação, ampliam a crise de governabilidade (amainada pela “terceirização” para o vice Michel Temer das relações com o Legislativo e pela aprovação parcial das medidas do ajuste). Estimulam ações parlamentares conjuntas da oposição liderada por Aécio Neves com as mesas da Câmara e do Senado, articuladas em torno do protagonismo do Congresso. E propiciam a retomada de grandes manifestações sociais de protesto que haviam sido esvaziadas, mas que agora já têm recomeço marcado para agosto.

Reações do governo às críticas de Lula
A tentativa do ex-presidente Lula de sair sozinho do “volume morto” da rejeição social ao governo Dilma, ao PT e também a ele, descolando-se da gestão da sucessora (explicitada em reunião com religiosos esquerdistas, no último sábado, e reiterada anteontem num encontro com o ex-primeiro ministro da Espanha, Felipe Gonzalez), essa tentativa, ou manobra político-eleitoral, gerou grande mal-estar no Palácio do Planalto. Por meio de reação indignada do estado-maior da chefe, que ela evitou assumir publicamente.

Trechos de reportagens de ontem do Valor e do Globo sobre tal reação: “A avaliação interna do Palácio do Planalto é de que o posicionamento do ex-presidente Lula nos últimos dias, com críticas duras ao governo e ao PT, só contribuiria para agravar a crise que contamina o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Num cenário de queda de popularidade, novas prisões de executivos na operação Lava Jato e disseminação de boatos sobre a saúde de Dilma, sobressai a percepção de palacianos de que os “comentários de Lula desagregam num momento em que o governo e o partido deveriam enfrentar juntos a turbulência”. “As declarações de que Dilma está no ‘volume morto’ por causa da baixa popularidade, e, principalmente, de que ela mentiu na campanha à reeleição ao dizer que não mexeria nos direitos trabalhistas e não faria ajuste fiscal foi o que causou mais mal-estar no governo”.

Imprensa da elite e grandes fortunas
As falas de Lula nos dois eventos – com ataques ao governo Dilma e ao PT (cujos quadros hoje “só pensam em cargos e emprego”, e no qual pregou uma “revolução por uma nova utopia” – incluíram, com destaque na de sábado, dois ingredientes da receita dessa “revolução”. Primeiro – o “controle social da mídia”, a fim de que ela seja “libertada dos grupos de elite que a dominam”, de acordo com as resoluções do partido. Segundo: a taxação das “grandes fortunas”. A qual – mesmo recusada pelo ministro Joaquim Levy pela irrelevância que teria para a geração de receita e por se situarem na contramão da prioridade do governo de atração de investimentos privados, internos e externos, e sem viabilidade de aprovação no Congresso – será outra bandeira de “frente popular” buscada por Lula como alternativa ao esgotamento do petismo.

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Jarbas de Holanda é jornalista

Carlos Alberto Sardenberg - Lula quer devolver Dilma?

- O Globo

• O ex-presidente vê, como todo mundo, que o melhor lugar neste momento é na oposição — de preferência numa oposição popular

Ada Colau é a prefeita de Barcelona e certamente era nela que Lula estava pensando quando disse que o PT precisa de pessoas mais novas, audaciosas e com utopias. Ada vem de um movimento social, uma associação que se tornou conhecida por combater o despejo de moradores que não conseguiam pagar a prestação da casa própria. Foi detida algumas vezes por protestos de rua e se elegeu ao lado do Podemos, agremiação de esquerda que foi bem nas recentes eleições municipais. A plataforma: contra o ajuste fiscal do neoliberalismo, a mesma que conduziu ao governo grego o também militante Alexis Tsipras, do partido Syriza, uma coligação de esquerda radical.

No discurso da última segunda, Lula se referiu especialmente ao Podemos. Talvez porque Tsipras esteja neste momento enfrentando um dilema radical: ou faz um acordo com os credores (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu) e, nesse caso, aceita um programa de ajuste fiscal, ou não faz o acordo, cumprindo a promessa eleitoral de romper com os credores, e quebra a Grécia e os gregos.

O espanhol Podemos, portanto, está na fase, digamos, romântica. Ganhou algumas eleições municipais, mas não a nacional. Tem força, é protagonista, mas não assumiu responsabilidade sobre a política econômica. Pode continuar, pois, a atacar os credores e o ajuste aplicado na Espanha, Portugal e Grécia.

O PT está longe da fase romântica dos movimentos de rua. O pessoal agora, segundo o próprio Lula, só quer saber de empregos e cargos. Ao contrário de Ada Colau, arrastada por policiais em diversos protestos, os petistas, ainda segundo o chefe, só saem dos gabinetes se o chefe liberar a folga. E ainda assim não engrossam mais as manifestações.

Para piorar as coisas, o governo Dilma, governo do PT, pelo menos por enquanto, criado e inspirado por Lula, está justamente aplicando um ajuste fiscal do tipo daqueles que Podemos e Syriza combatem. Ou seja, se Lula está certo, o governo do PT é formado por pelegos e oportunistas que, ainda por cima, aplicam um programa econômico dito neoliberal, que, de fato, impõe sacrifícios às famílias e severas restrições à atividade econômica.

Dá para complicar ainda mais. Lula não pode colocar a culpa na direita, nos neoliberais, nos credores internacionais, na banca global. O Brasil está como está por causa da chamada "nova matriz econômica", introduzida no segundo mandato de Lula e reforçada no primeiro governo Dilma. A política de ajuste fiscal é o remédio necessário — o único que sobrou.

Eis porque as manifestações recentes de Lula deixam todos estupefatos, amigos e adversários. O ex-presidente vê, como todo mundo, que o melhor lugar neste momento é na oposição — de preferência numa oposição popular. Mas, para chegar lá, Lula tem que ser oposição ao seu próprio governo e ao seu próprio partido. O seu governo e seu partido têm que se defender do seu maior líder.

Não pode dar certo.

Por outro lado, reparem no seguinte: Dilma está no seu pior momento, com rejeição de 65% conforme o último Datafolha. O PT despenca, está abaixo do volume morto, segundo a boa imagem do ex-presidente. Mas ele, Lula, ainda salva 25% das preferências dos eleitores em qualquer cenário para 2018. De novo: a economia no chão, desemprego em alta, PT esculhambado e afundando na Lava-Jato, o próprio Lula citado como parceiro de empreiteiras cujos dirigentes estão presos, e ele faz 25%!

É tentador, não é mesmo? Desembarcar do governo, do PT, das alianças espúrias, inclusive com o PMDB, e formar um Lula-Podemos.

Lula tem jeito para convencer os outros. Precisará muito disso para convencer os demais eleitores que ele não tem nada com a política econômica, nem com a Lava-Jato, nem com os velhos companheiros, os presos e os soltos.

Tem mais: quando um partido ou uma pessoa desembarca do governo, é normal que devolva os cargos que tinha naquela administração. E como é que Lula devolve a presidente Dilma? Para quem?

Enquanto isso, melhor dar uma olhada no que acontece na Grécia. O momento não é nada bom para o jovem Tsipras. Com os cofres vazios, ele precisa de dinheiro dos credores. Para receber, tem que entregar um programa de ajuste — com cortes nos benefícios sociais e nas aposentadorias (é sempre o mesmo tema, sim) — e aprovar esse programa no Parlamento.

Muito difícil, porque ele formou uma maioria antiajuste e anticredores nesse mesmo Parlamento. Pode cair nas duas situações, portanto: ou porque não consegue aprovar o pacote — e a Grécia entra numa recessão horrorosa, daquela que derruba não um, mas vários governos; ou porque aprova o pacote e sua maioria se desfaz.

Tsipras aboliu a gravata. Vai às reuniões formais de paletó, mas sem gravata. Bem capaz de ser essa a única novidade que deixará.

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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista