segunda-feira, 13 de julho de 2015

Opinião do dia – José de Souza Martins : ‘Só sai dela com negociação’

O cenário político brasileiro não é o de uma convincente crise que leve à interrupção do mandato de Dilma Roussef. Mas a presidente está cercada de um conjunto anômalo de adversidades, a menor das quais é a do ponto de vista que sobre seu mandato tem o principal partido de oposição, o PSDB. A maior dificuldade de seu governo está no interior da aliança que deveria assegurá-lo.

Inviabilizada a coalizão, praticamente fica inviabilizada a governabilidade. Um terceiro fator negativo da crise é a postura do Lula e de setores do PT que desamparam a presidente em nome de interesses que não são os do governo e do País, mas do partido.

De crise política se sai com negociação, abrindo mão de concepções próprias e abrigando, no que couber, concepções alheias. O cenário sugere que chegamos ao fim do protagonismo do PT, mesmo que Dilma Roussef preserve seu mandato até a data prevista para concluí-lo. Nesse sentido, para administrar a crise, ela teria que governar em nome de interesses que não são os de seu partido.
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José de Souza Martins é um escritor e sociólogo brasileiro. Professor Titular aposentado do Departamento de Sociologia e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. O Estado de S. Paulo, 12 de julho de 2015.

Congresso discute controle do TCU às vésperas de análise das contas de Dilma

Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

• Projetos, como o que prevê fiscalização externa do órgão, voltaram à pauta de comissões há um mês, em datas próximas ao início do julgamento do balanço de 2014

BRASÍLIA - Parlamentares governistas e de oposição fizeram andar no Congresso projetos que pressionam integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU) às vésperas do julgamento das contas da presidente Dilma Rousseff. Desde o mês passado, voltaram à pauta de comissões da Câmara propostas que encurtam a permanência de ministros da corte nos cargos e a obrigam a abrir sua administração para fiscalização do Legislativo e do próprio governo. No Senado, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) quer criar uma “autoridade fiscal” com atribuições semelhantes às do tribunal.

O TCU monitora a tramitação dos projetos, que constam em uma lista de 61 que têm impacto no seu funcionamento. Na semana passada, o tema foi tratado pelos ministros em reunião fechada e tem sido fonte de preocupação. A avaliação interna é que “essa movimentação repentina” das propostas “sugere que é para pressionar” a corte.

O TCU apontou no mês passado distorções de R$ 281 bilhões no Balanço Geral da União de 2014 e fixou prazo de 30 dias para a presidente apresentar defesa sobre 13 irregularidades, entre as quais as chamadas “pedaladas fiscais”. Com base nas explicações, o tribunal dará, possivelmente em agosto, parecer para embasar julgamento do Congresso sobre as contas. Os ministros podem recomendar que sejam rejeitadas, aprovadas ou se abster de uma opinião.

A oposição e setores da base aliada em conflito com o governo tentam influenciar os ministros a optar pela reprovação, o que abriria caminho para pedir o impeachment de Dilma por suposto crime de responsabilidade. O Palácio do Planalto, por sua vez, faz lobby em contrário e tenta evitar que um parecer adverso da corte chegue ao Congresso.

Fiscalização. Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle incluiu na pauta de votação desde 17 de junho - dia em que o TCU abriu o prazo para Dilma responder - proposta que abre uma fiscalização “contábil, financeira, orçamentária e operacional” do Congresso sobre a área administrativa da corte.

O projeto original, do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), põe o próprio governo, por meio da Controladoria-Geral da União (CGU), como auxiliar do Legislativo na tarefa de fazer o pente-fino. “O TCU chega na Câmara e dá todo tipo de pitaco. Acho estranho não querer ser fiscalizado. Nenhum órgão é soberano, acima do bem e do mal”, justifica o deputado.

A proposta foi apresentada em 2013 e, de lá para cá, tramitava em “banho-maria”. Na semana anterior ao julgamento no TCU, ela recebeu parecer favorável do deputado Hissa Abrahão (PPS-AM), da oposição. O presidente da comissão, Vicente Cândido (PT-SP), já o incluiu duas vezes na pauta, mas o colegiado recuou diante dos pedidos de integrantes do tribunal e de divergências na própria comissão sobre o texto a ser adotado.

O TCU faz auditorias em órgãos do governo, entre eles a própria Controladoria-Geral da União. Um dos principais problemas, para integrantes da corte, é que o projeto inverteria papéis, colocando um ente fiscalizado pelo tribunal para fiscalizá-lo. A CGU é um órgão de controle interno do governo e não tem, por lei, competência para inspecionar o tribunal, um órgão auxiliar do Legislativo.

No último dia 1.º, a proposta quase foi votada, mas, a pedido do TCU, o deputado Edinho Bez (PMDB-SC) pediu vista e apresentou um parecer em separado, que exclui a possibilidade de a CGU participar. Diante da polêmica, o relator também recuou e protocolou, na sexta-feira passada, um relatório com a mesma alteração. Vicente Cândido avisa que o projeto voltará à pauta no mês que vem, quando o TCU prevê julgar as contas de Dilma. “Vamos dizer que é uma coincidência. Não vejo nenhuma retaliação”, alega.

Reformulação. Ainda na Câmara, na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), uma Proposta de Emenda à Constituição sugere uma ampla reformulação do TCU. Um dos artigos prevê que ministros da corte, que hoje ficam no cargo da nomeação até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos, tenham mandato de três anos.

O texto foi apresentado em 2007 pela deputada Alice Portugal (PC do B-BA), foi arquivado no início do ano e desarquivado em seguida. Em 16 de junho, véspera da sessão no TCU que julgaria as contas do governo, ganhou parecer pela admissibilidade - o que significa que não fere aspectos da Constituição e está apto a tramitar nas demais comissões.

O relatório foi do deputado Veneziano do Rêgo (PMDB-PB), irmão do ministro do TCU Vital do Rêgo. O gabinete do deputado explica que o relatório não aborda o mérito da proposta, por não ser atribuição da CCJ, e que o peemedebista é até contra as alterações sugeridas.

Integrantes da oposição se mobilizam também para desenterrar uma proposta que pune o presidente do TCU por crime de responsabilidade se ele deixar de processar e julgar infração cometida por prefeitos. Em geral, presidente do TCU não relata nem julga. Em casos específicos, ele vota quando é necessário o desempate.

No Senado, Renan apresentou no fim de junho, dias após o início do julgamento no TCU, proposta para criar uma “autoridade independente” a fim de monitorar, avaliar e fazer alertas sobre a política fiscal do governo. O tribunal, no entanto, já faz trabalho semelhante.

Para integrantes da corte, trata-se de um órgão concorrente. Além disso, argumentam, o texto não deixa claro como será constituído seu corpo técnico, que estará sob o comando de um diretor escolhido, em lista tríplice, pelo presidente do Senado.

Renan diz que a ideia é “aprimorar os mecanismos de avaliação e controle da política fiscal”, em favor do “crescimento econômico”. Segundo sua assessoria, não há conflito com as atividades do TCU, pois o novo órgão não aplicará sanções nem terá função no julgamento das contas do governo.

Nova meta fiscal será discutida em reunião com Dilma

Adriana Fernandes, Erich Decat e Murilo Rodrigues Alves - O Estado de S. Paulo

• Coordenação política do governo vai debater hoje sobre as propostas de reduzir ou de criar uma banda para o superávit primário

A mudança da meta fiscal de 2015 será levada para discussão hoje na reunião de coordenação política da presidente Dilma Rousseff, apesar de ela ter dito no sábado, em Milão, que trabalha para manter a meta em 1,1% do PIB. O governo tem até o próximo dia 22 para tomar uma decisão sobre o assunto – este é o prazo final para o envio ao Congresso de relatório bimestral do Orçamento.

“A posição do Executivo em relação à meta será discutida na reunião de coordenação política sob a liderança da presidente”, disse o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), que integra o núcleo político do governo. A meta fiscal, ou de superávit primário, é a economia que o governo faz para pagamento de juros da dívida.

A presidente vai receber da equipe econômica os cenários fiscais em jogo e a perspectiva de receitas extraordinárias com maiores chances de entrarem nos cofres do governo até o final do ano. Além da redução da meta de R$ 66,3 bilhões, ou 1,1% do PIB, a área econômica estuda criar uma banda de flutuação para o superávit primário entre 0,6% e 1,6%, num modelo parecido com as metas de inflação.

Abatimento. A proposta que fixa uma margem de tolerância para a meta fiscal ressuscita, na prática, o mecanismo usado até o ano passado que permitia o abatimento da meta das despesas com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O abatimento funcionava com um “amortecedor” para administrar frustrações de arrecadação ou aumento de despesas inesperadas.
Os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), quando definiram as metas para 2015, 2016 e 2017, acabaram com o abatimento. Foram fixadas metas chamadas “puras”, com alvo fixo, para retomar a confiança na política fiscal.

“A banda é tudo de bom para todos”, disse um integrante da equipe econômica. A vantagem é que ela permite administrar os riscos em torno do desempenho da arrecadação e das votações pelo Congresso.

Há cerca de dois meses, diante de pressões de parlamentares para que se fizessem concessões nas propostas do ajuste fiscal para que se pudesse aprová-lo em uma reunião da coordenação política, Levy e Barbosa avisaram que a meta não seria cumprida. De lá para cá, o governo faz “jogo de cena” em torno da mudança da meta. Mas o aval para a mudança já foi acertado por Levy com as lideranças políticas, o que envolveu o anúncio da proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) de reduzir a meta para 0,4% do PIB.

A reunião de hoje deve deliberar sobre uma proposta um pouco mais alta do que a meta de Jucá. Segundo lideranças do Congresso que conversaram com Levy, ele trabalha por uma meta maior contando as receitas de medidas que foram e serão tomadas. Mas mesmo um valor em torno de 0,6% do PIB é considerado ambicioso pelos técnicos do governo. / Colaborou Lisandra Paraguassu

TSE cruza dados eleitorais e presidenciais de Dilma

• Oposição baseia ação em supostos abuso de poder e financiamento ilegal

• Maioria dos ministros da corte foi indicada por governos do PT, mas relator foi nomeado no governo FHC

Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Técnicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) preparam um cruzamento dos dados da prestação de contas da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff com os gastos do Palácio do Planalto com viagens e eventos no período eleitoral.

O levantamento será avaliado junto com os depoimentos de delatores do esquema de corrupção da Petrobras no pedido de cassação feito pela oposição contra a petista e o vice Michel Temer.

A ideia é analisar se houve abuso de poder político e econômico como diz a oposição.

Os documentos já foram enviados pela Presidência à Justiça Eleitoral. No ano passado, Dilma conciliou em viagens eventos oficiais e atos de campanha. O PT, no entanto, ressarcia os cofres públicos pelos deslocamentos feitos com a estrutura oficial no período eleitoral.

O uso da máquina pública é um dos argumentos utilizados por partidos de oposição, puxados pelo PSDB, para pedir que o TSE casse o registro de Dilma e Temer e dê posse ao senador tucano Aécio Neves (MG) na Presidência.

Na ação, a oposição sustenta ainda que Dilma deve deixar o comando do país porque as campanhas do PT teriam sido financiadas com dinheiro de corrupção na Petrobras, o que tornaria a eleição "ilegítima" e viciada.

Outra acusação é que o governo segurou divulgação de dados oficiais durante as eleições e fez pronunciamentos em cadeia de rádio e TV para promover a petista.

Já foram ouvidos o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Yousseff e o ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Herton Araújo. Nesta terça-feira (14), será a vez do dono da UTC, Ricardo Pessoa, prestar depoimento.

Em seu acordo de delação premiada, Pessoa disse que doou R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma por temer prejuízos em negócios com a Petrobras. O montante foi declarado à Justiça Eleitoral.

O andamento da ação provocou novo embate entre governo e oposição, levando a troca de ataques entre Dilma e Aécio sobre golpismo.

Diante da politização, ministros do TSE ouvidos pela Folha passaram a defender cautela na apuração do caso e demonstraram irritação com as especulações sobre a tendência dos votos.

Dois integrantes do tribunal, sob a condição de anonimato, rechaçaram a tese de um eventual terceiro turno na corte. Aplicar a lei não pode ser considerado golpe, afirmou um ministro. Um colega reforçou que ser julgado, defender-se e questionar faz parte das regras democráticas. "As instituições brasileiras têm credibilidade."

Entre os ministros, porém, há quem veja a cassação via TSE como complexa, se não houver algo flagrante, e que seria melhor deixar decisões drásticas para vias que incluam aval do Congresso, caso da análise das contas de 2014 do governo no TCU (Tribunal de Contas da União).

Votos
A expectativa é de que a ação seja analisada entre agosto e setembro pelo tribunal. Dos sete ministros, cinco foram escolhidos por governos do PT e dois pelo PSDB. A indicação, no entanto, não garante um cenário favorável ao governo.

Relator do pedido de cassação no TSE e ministro do STJ, João Otávio de Noronha foi nomeado por Fernando Henrique Cardoso.

Presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli tem criticado o governo --sendo que já atuou como advogado-geral da União no governo Lula e advogou para o PT. Vice-presidente do tribunal, Gilmar Mendes tem atacado ações de governos petistas.

Chegaram aos cargos pelas mãos de Dilma o ministro do STF Luiz Fux e a ministra do TSE Luciana Lóssio, que ocupa vaga dos advogados no tribunal e foi escolhida depois de atuar na área jurídica da campanha do PT em 2010.

O ex-presidente Lula indicou a ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura e o ministro Henrique Neves, também da classe dos advogados, para atuar como substituto no TSE. Ele, porém, foi reconduzido para cadeira de ministro titular por Dilma.

PF mapeia dinheiro de cartel para José Dirceu

• Relatório mostra caminho que suposta propina percorreu até chegar à JD Consultoria

Cleide Carvalho / Mariana Sanches - O Globo

SÃO PAULO — A Polícia Federal rastreou o caminho do dinheiro que liga o cartel de empresas que fraudaram a Petrobras ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. A sequência de operações está descrita em um relatório da Polícia Federal sobre as irregularidades cometidas pela construtora Camargo Corrêa nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Antes de chegar à JD Consultoria, do ex-ministro, o dinheiro passou por dois intermediários, os chamados operadores da Operação Lava-Jato. Um deles, Milton Pascowitch, dono da empresa Jamp, disse em delação premiada, no começo do mês, que o pagamento feito a Dirceu era propina oriunda dos desvios da Petrobras.

Laudo da PF mostra que, de 2009 a 2014, durante a vigência do contrato de obras da refinaria, a Camargo Corrêa repassou R$ 67,7 milhões a duas empresas do consultor Julio Camargo, a Piemonte (que recebeu R$ 22,7 milhões) e Treviso (para a qual foram repassados R$ 45,048 milhões). Júlio Camargo já assinou um acordo de delação premiada com a Justiça e, em depoimento, confessou os crimes.

No mesmo período, essas duas empresas depositaram R$ 1,375 milhão a Pascowitch. Ele afirmou ainda que era o próprio Dirceu quem fazia “insistentes” pedidos de dinheiro, necessários para garantir a manutenção dos contratos da Engevix com a Petrobras.

Laudo foi enviado à Justiça Federal pela PF
Os levantamentos da Polícia Federal mostram que foi por meio de Pascowitch que o dinheiro chegou a Dirceu. Dentro do mesmo período em que recebeu os depósitos, a Jamp repassou, entre 2011 e 2012, a José Dirceu valor bem próximo ao que ele recebeu: R$ 1,457 milhão. Os valores recebidos por Dirceu da Jamp constam de um relatório da coordenação-geral de pesquisa e investigação da Receita Federal.

No laudo enviado à Justiça Federal pela PF, a JD Consultoria aparece listada entre as 31 empresas “suspeitas de promoverem operações de lavagem de dinheiro” em contratos de obras da Refinaria Abreu e Lima. Piemonte e Treviso, de Julio Camargo, também são citadas no mesmo documento.

A JD Consultoria e Assessoria foi criada pelo ex-ministro Dirceu, em sociedade com seu irmão Luis Eduardo, depois que ele deixou o governo, fustigado pelas denúncias do mensalão, pelas quais acabou condenado. A Jamp, de Pascowitch, é a sexta empresa que mais repassou dinheiro à JD.

Dirceu também recebeu pagamentos por meio da JD de outras seis empresas acusadas de compor o cartel das empreiteiras investigado na Operação Lava-Jato. Entre 2010 e 2013, segundo o relatório da Receita, o montante chega a R$ 8,5 milhões. De acordo com o documento, a JD recebeu da Construtora OAS R$ 2,9 milhões, da UTC Engenharia, R$2,3 milhões, da Engevix, R$ 1,1 milhão, e da Egesa Engenharia, R$ 480 mil. Além delas, a própria Camargo Corrêa repassou diretamente à empresa de Dirceu R$ 900 mil. Em nove anos de funcionamento, a empresa de Dirceu faturou R$ 29 milhões, pagos por mais de 50 empresas.

Segundo informações fornecidas pela defesa do ex-ministro à Justiça, a empresa teria prestado consultoria em países da Europa e da América Latina em setores como engenharia, telecomunicações e indústria. Para tentar comprovar que efetivamente atuava como consultor, Dirceu anexou ao processo seus passaportes, que registram mais de cem viagens ao exterior entre 2006 e 2012.

José Dirceu está na mira dos investigadores da Lava-Jato há mais de seis meses. Depois de avaliar a contabilidade das empreiteiras OAS, UTC e Galvão Engenharia, a Polícia Federal descobriu os pagamentos a Dirceu, o que fez com que a Justiça Federal decretasse a quebra do sigilo bancário e fiscal da JD Assessoria.

Em janeiro passado, a juíza substituta da 13ª Vara da Justiça Federal, Gabriela Hardt, que determinou as ações contra Dirceu, argumentou que os recursos recebidos pela JD das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato seguiam o mesmo molde que abasteceu o esquema montado pelo doleiro Alberto Youssef. Segundo ela, Dirceu operava “através de empresas de fachadas”, com repasse de propina “pelo pagamento de serviços de consultoria fictícios a empresas diversas para viabilizar a distribuição de recursos espoliados do Poder Público”.

Preços dez vezes maior
A investigação da Polícia Federal é rica em detalhes sobre como o cartel funcionou para dar vitória ao consórcio responsável pelas obras na Abreu e Lima, liderado pela Camargo Corrêa, na Unidade de Coqueamento Retardado (UCR). De abril de 2010 a junho deste ano, a Petrobras já pagou R$ 4,573 bilhões pela obra, incluindo atualização monetária. O preço original da obra era R$ 3,411 milhões.

Os investigadores, em documentos internos, afirmam que a chance de ter existido cartel nos contratos da estatal é de 99,9%. Os investigadores descobriram que a empreiteira também obtinha enormes lucros comprando insumos para obras. Em alguns casos, o preço cobrado da estatal chegou a ser 10 vezes mais alto do que o pago pelo consórcio.

Dirceu diz que colaborou com Engevix no exterior
A assessoria do ex-ministro José Dirceu afirmou, em nota, que o contrato com a Jamp “teve o objetivo de seguir na prospecção de negócios para a Engevix no exterior, em especial no Peru”, sem qualquer relação com a Refinaria Abreu e Lima. A nota “refuta qualquer ilação de que os serviços de consultoria para a Jamp não foram prestados” e diz que a defesa de Dirceu não teve acesso ao “conteúdo do relatório da Polícia Federal sobre a obra de Abreu e Lima nem ao depoimento do empresário Milton Pascowitch”. A assessoria de Dirceu lembra que o presidente do Conselho da Engevix, Cristiano Kok, e o ex-vice-presidente Gerson Almada “já declararam à imprensa e à Justiça que José Dirceu foi contratado com o propósito de expandir os negócios da construtora no exterior”. Também em nota, a assessoria da Camargo Corrêa afirmou que seu advogado, Celso Villardi, “apresentou documentos nos autos sobre pagamentos realizados para a JD” e que “todos os serviços foram efetivamente prestados”.

Condenado no mensalão, ex-ministro tentou Habeas Corpus
O laudo enviado à Justiça pelo Ministério Público Federal, que inclui a JD Consultoria entre as empresas “suspeitas de promoverem operações de lavagem de dinheiro” em contratos das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, é mais um capítulo envolvendo o ex-ministro José Dirceu nas investigações da Operação Lava-Jato. Dirceu, condenado no mensalão por corrupção ativa, teve seu nome ligado ao esquema de corrupção na Petrobras e, de lá para cá, tentou duas vezes um habeas corpus preventivo, negado pelo juiz.

Documentos apreendidos pela PF apontaram que a JD Consultoria teria recebido transferências milionárias de empreiteiras envolvidas no esquema. Na semana passada, a PF divulgou que, mesmo tendo investigado a JD Consultoria em inquérito separado, “permanece a suspeita sobre regularidade dessas relações, reforçada pelo vínculo temporal estabelecido com a obra da UCR/Renest (Unidade de Coqueamento Retardado da Abreu e Lima)”.

A PF informou ainda que, na construtora Camargo Corrêa, também investigada, encontrou uma planilha eletrônica com descrição de contrato com Dirceu. Dizia: “serviços de consultoria análise dos aspectos sociológicos políticos do Brasil”. A data do contrato era 22 de abril de 2010, e havia a referência “vencido”.

Um dos advogados do ex-ministro, Roberto Podval, em nota ao GLOBO, disse que Dirceu “nunca teve contrato com o consórcio responsável pela obra da Refinaria Abreu e Lima”. De acordo com Podval, “Dirceu foi contratado pela Camargo Corrêa para atuar em Portugal, como a própria construtora reconhece. Portanto, não há qualquer relação com contratos ou obras da Petrobras”. A nota diz ainda que “todas as informações, como contratos e notas fiscais, já foram encaminhadas à Justiça Federal do Paraná em janeiro”.

Contratos com empreiteiras
O MPF chegou à JD Consultoria ao analisar documentos da Receita Federal e constatou que três construtoras — Galvão Engenharia, UTC Engenharia e OAS — investigadas na Lava-Jato transferiram dinheiro para contas da JD. Na época, a assessoria de Dirceu informou que ele prestou serviço de consultoria. Em janeiro deste ano, a Justiça quebrou os sigilos bancário e fiscal de Dirceu, do sócio, que é irmão do ex-ministro, e da empresa. O ex-ministro, então, comunicou ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato no Paraná, que encerrou as atividades da empresa.

Meses depois, em delação premiada, Milton Pascowitch disse que intermediou pagamento de propina a Dirceu para que a Engevix, empreiteira investigada, mantivesse contratos com a Petrobras. Segundo Pascowitch, a empresa dele, a Jamp, pagou R$ 1,5 milhão para a JD.

Logo após o depoimento de Pascowitch ser divulgado, os advogados de Dirceu entraram com pedido de habeas corpus preventivo. O juiz federal Nivaldo Brunoni, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), negou. Dias depois, o mesmo juiz negou um novo pedido.

Com a divulgação da relação das empresas suspeitas de lavagem de dinheiro, o procurador Carlos Fernando Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da Lava-Jato, disse à revista “Época Negócios” que “está muito difícil a situação do José Dirceu em relação ao que recebia da Jamp”. E completou: “as histórias estão sendo contadas sem o mínimo de cuidado de razoabilidade. Eles estão se confundindo”.

Dinheiro desviado da Petrobras também pagou prostitutas de luxo

Flávio Ferreira - Folha de S. Paulo

CURITIBA - Além de financiar a compra de helicópteros, lanchas e carros importados, o dinheiro desviado da Petrobras pelo esquema de corrupção investigado na Operação Lava Jato também foi usado para pagar serviços de prostituição de luxo com "famosas" da TV e de revistas para diretores da estatal e políticos, segundo relatos de delatores às autoridades do caso.

A história foi explicada ao Ministério Público e à Polícia Federal pelo doleiro Alberto Youssef e o emissário dele, Rafael Angulo Lopez, após eles terem sido questionados sobre expressões usadas nas planilhas nas quais registravam o fluxo do dinheiro do esquema de corrupção.

De acordo com os controles dos dois delatores, só em 2012 cerca de R$ 150 mil foram gastos para financiar a contratação das garotas, algumas delas conhecidas pela exposição em programas de TV, capas de revistas e desfiles de escolas de samba.

Colaboradores explicaram que todos os valores associados aos termos "artigo 162" e "Monik" nas planilhas foram destinados ao pagamentos de prostitutas que cobravam até R$ 20 mil por programa.

A expressão "artigo 162" era uma referência ao endereço de uma cafetina conhecida como "Jô", que agenciava programas para os dirigentes da Petrobras e políticos.

Nas planilhas entregues aos investigadores, há vários lançamentos de R$ 5 mil e R$ 10 mil ligados a esses termos. Muitas vezes as prostitutas buscavam os pagamentos em dinheiro no escritório de Youssef, segundo os relatos.

O dinheiro do esquema de corrupção também era usado para bancar festas com as garotas. Só em uma delas, no terraço do hotel Unique, em São Paulo, foram gastos R$ 90 mil principalmente em bebidas, de acordo com os delatores.

Um comprovante de transferência bancária de um exdiretor da Petrobras para uma garota conhecida na mídia, no valor de R$ 6 mil, foi encontrado em uma das buscas autorizadas pela Justiça na Lava Jato, e ficou famoso entre os investigadores do caso.

A força-tarefa da Lava Jato não utilizou esse papel e as explicações dos delatores sobre o emprego de valores desviados para contratação de prostitutas, pois a mera solicitação ou aceitação de propina ou vantagem pessoal já confere o crime de corrupção -- não importando, para fins penais, a maneira como o dinheiro sujo foi utilizado.

Embora a prostituição não seja crime, explorar o trabalho de garotas de programa é.

China e EUA preocupam governo Dilma

Assis Moreira - Valor EconÔmico

UFÁ, RÚSSIA - A intensa turbulência nas bolsas de valores da China deixou um "sabor amargo" na delegação do governo brasileiro que participou da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Ufá na semana passada. Existe preocupação, também, com a turbulência que pode ser provocada pela esperada elevação da taxa de juros nos Estados Unidos.

O que assustou autoridades dos Brics foi ver a segunda maior economia do mundo usar seu enorme poder de fogo durante dias sem conseguir neutralizar o risco de colapso das bolsas, o que ampliou a desconfiança dos mercados.

Para autoridades brasileiras, o que ocorreu nos mercados por causa da China mostrou como é importante aproveitar o tempo para fortalecer as defesas da economia antes da elevação dos juros nos EUA que pode provocar mais um período de volatilidade.

Como o Valor apurou, para enfrentar esse quadro, o governo quer garantir que as expectativas de inflação estejam, até lá, realmente ancoradas na meta - de 4,5%. Nesse período, o plano é ter o ajuste fiscal implementado para valer.

Além disso, o programa de swap cambial do Banco Central - uma espécie de contrato que dá proteção contra flutuação da moeda - está próximo de US$ 104 bilhões e rolando cerca de 60% dos contratos. Diminuindo a rolagem das operações, o Banco Central permite maior flutuação da taxa de câmbio e estaria abrindo espaço para uma ação mais incisiva à frente, se necessário.

Em meio à acumulação de incertezas no cenário mundial, o compromisso de ancorar as expectativas de inflação antes que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, eleve os juros poderia levar o BC a estender o ciclo de alta dos juros aqui dentro. Nos últimos dias, o BC vinha começando a sinalizar o oposto.

Na delegação brasileira, era dada ênfase à afirmação de que volatilidade não pode ser confundida com vulnerabilidade. Menções de analistas a "cinco emergentes frágeis" a choques externos, que inclui o Brasil, são vistas como posicionamento de mercado para vender moedas e ações. A situação da zona do euro tambem está sendo monitorada pelo governo. A avaliação brasileira é de que há realmente um grande esforço europeu para evitar agravamento da situação da Grécia. Mas é algo complexo e pode ser demorado.

Brasil quer inflação ancorada quando Fed subir juros
A intensa turbulência nas bolsas de valores da China deixou um "sabor amargo", para representantes do governo brasileiro que participaram da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), em Ufá na semana passada. E reforçou o sentimento do quanto é importante aproveitar o tempo para fortalecer as defesas da economia antes da potencial volatilidade que virá com o aumento dos juros nos Estados Unidos.

Conforme o Valor apurou, para enfrentar tal quadro as autoridades querem garantir que a expectativa de inflação esteja realmente ancorada na meta até lá, com o ajuste fiscal rigoroso implementado, e ter conforto no uso do programa de swap.

A presidente Dilma Rousseff foi à cúpula dos Brics em Ufá, a capital muçulmana da Rússia, a 1,3 mil quilômetros de Moscou, acompanhada do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, num momento de agitação dos mercados provocada pela combinação de dois eventos: as incertezas sobre a Grécia na zona do euro e o estouro da bolha chinesa, que evaporou US$ 3,5 trilhões das bolsas de Xangai e Shenzen em algumas sessões.

O que assustou autoridades de países parceiros foi ver Pequim usar seu enorme poder de fogo sem conseguir por dias estancar o problema, o que ampliou a desconfiança dos mercados.

A delegação brasileira procurou ver até que ponto a correção nas ações chinesas é relevante do ponto de vista macroeconômico, de consumo e de investimentos. A avaliação é de que parece limitada. Mas os chineses admitiam a parceiros que não tinham uma visão precisa sobre o episódio.

Fontes do governo brasileiro argumentam que as exportações para a China são grandes, representam 17% do total vendido pelo país, mas não chegam a 2% do PIB. Isso porque a economia brasileira é fechada e o comércio exterior tem peso menor.

Porém, admitem que o impacto indireto é importante pela percepção de risco dos agentes de mercado e pelos preços das commodities.

Em meio ao desconforto deixado pelo revés chinês, na delegação brasileira se enfatizava que volatilidade não pode ser confundida com vulnerabilidade.

Com relação à zona do euro e aos problemas da Grécia, o importante para o Brasil, nos contatos com o Banco Central Europeu (BCE) e alguns outros bancos centrais que não fazem parte da moeda única, é sinalizar que estará na linha de frente para limitar um contágio de uma eventual saída da Grécia do bloco.

A avaliação brasileira é que há realmente um grande esforço para evitar agravamento da situação da Grécia. Mas é algo complexo e pode ser demorado.

O evento que mais desperta atenções do Brasil e outros emergentes é, sobretudo, quando os EUA vão normalizar a sua política monetária e como isso vai ocorrer.

A percepção do governo brasileiro é que o processo tem sido bem comunicado pelo Federal Reserve (o BC dos EUA) e será o movimento mais antecipado em política monetária de que se tem notícia na história mundial.

Se houver um movimento de venda de moedas emergentes, isso vai afetar a economia americana. O Fed já incorporou esse risco. Para os BCs de emergentes, como o brasileiro, tal leitura é suficiente para ter a parceria da autoridade monetária americana nesse processo de normalização.

No entanto, o temor é que mesmo a melhor comunicação não evite certos riscos. Faz oito anos que não há subida de juros nos EUA. Existe uma geração de operadores de mercado, com média de 25 a 30 anos, que nunca viu o juro aumentar.

Alguns membros do Fed têm sinalizado que a normalização da política monetária vai ser proporcional à reação do mercado. Se for boa, vão subindo os juros. Se for mais negativa, o Fed pararia um pouco. Alguns chegam a falar em reversão em caso de virada brusca no mercado, algo considerado pouco verossímil na percepção brasileira.

A expectativa é que o começo da alta dos juros americanos possa ocorrer em setembro, dezembro ou no ano que vem. Para o Brasil, isso não é menos relevante. Quanto mais cedo for, maior a possibilidade de aumento gradual. Se for mais tarde e mais abrupto, cresce o risco de abalos nos mercados.

Pelo entendimento do governo brasileiro, a sua primeira linha de defesa é o câmbio flutuante. Isso sinaliza que o BC e a equipe econômica estão atentos aos riscos, têm se preparado e vão aproveitar o tempo para continuar reforçando suas defesas.

No governo, a avaliação é que o BC tem feito progressos para ancorar as expectativas de inflação à meta. A constatação inevitável é que a inflação em 2015 vai ser alta por conta do reajuste de preços relativos e da valorização do dólar. Só a conta da luz teve um reajuste de 50%, exemplifica uma autoridade. O entendimento é que o juro alto está segurando os efeitos de segunda ordem do ajuste de preços relativos para que esses não se propaguem para 2016. E o BC está conseguindo isso, na avaliação no governo.

Além disso, para o BC o importante é ter o ajuste fiscal rigoroso, e que seja para valer.

No quesito proteção cambial, o estoque de contratos de swap está próximo de USS 104 bilhões. Com a rolagem parcial desses instrumentos a cada vencimento, o BC estaria abrindo espaço para uma ação mais incisiva à frente, se necessário.

Uma questão em Ufá foi como o Brasil vai se recuperar mais rapidamente, como promete a presidente Dilma Rousseff, com juros tão elevados. Para um importante membro da delegação brasileira, o crescimento envolve também fatores não econômicos. Ele observa que o juro é negativo na Europa, mas ainda assim o crédito continua caindo. Acha que também no Brasil, independentemente da política monetária, a confiança é fundamental para reativar a atividade.

Para essa fonte, se for examinado o que houve com a inflação e os juros nos primeiros seis meses do ano, possivelmente o juro real instantâneo está "muito baixo" no Brasil.

Euclid, fala com a Merkel

• Tsakalotos é um marxista com modos informais. Seu preparo e temperamento permitem algum otimismo

• O novo ministro das Finanças da Grécia terá a missão de reabrir o diálogo com os alemães, a União Européia e o FMI Se conseguir, será um herói de nosso tempo

Rodrigo Turrer, com Gabriel Lelíis – Revista Época

O grito foi alto — e ouvido na Europa inteira. O "não" da população grega no referendo sobre os termos de um novo acordo com os credores do país tem repercussões imediatas e pode afetar as próximas gerações. Logo de cara, pode resultar na saída da Grécia do Euro. Se as previsões mais catastróficas se confirmarem, pode ser apontado no futuro como o primeiro sinal de esfacelamento do projeto europeu. O homem com a missão de evitar isso, estancar a sangria da Grécia e conseguir ajuda externa é um pacato economista de 55 anos, formado na Universidade de Oxford, casado com uma britânica e portador de dupla nacionalidade, holandesa e grega. Euclid Tsakalotos é conhecido por seu estilo despojado e temperamento ameno -o exato oposto de seu antecessor, o extravagante e mercurial Yannis Varoufakis, que deixou o cargo na semana passada. "Depois do resultado do referendo, eu soube de uma certa preferência de participantes do Euro grupo pela minha..."ausência" de suas reuniões", escreveu Varoufakis em seu blog pessoal. "Uma ideia que o primeiro-ministro considera potencialmente útil para ele chegar a um acordo. Por essa razão, estou deixando o Ministério das Finanças." Assim, sobrou para Tsakalotos convencer a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional a ajudar os gregos.

O ministro que saiu é um especialista em Teoria dos Jogos e ajudou o governo grego a fazer uma aposta que parecia maluca, mas se revelou correta: o chamado às ruas e a força do voto de um referendo aumentaram o poder dos negociadores gregos diante do Eurogrupo, que reúne ministros de Finanças e outras autoridades da Zona do Euro. Mas, com seu estilo truculento e agressivo, o ex-ministro estava identificado demais com as posturas intransigentes adotadas pela Grécia nas negociações dos últimos meses. "A saída de Varoufakis é um aceno aos credores feito pelo governo grego", escreveu Mujtaba Rahman, especialista em Europa da consultoria de risco Eurasia. "(O novo ministro) Tsakalotos conhece seu partido profundamente e pode ajudar a construir uma ponte entre os objetivos europeus e os objetivos gregos".

Tsakalotos anda de moto, usa mochila e dispensa terno e gravata, mas não segue o abrasivo discurso radical de seu antecessor. Nascido em Roterdã, na Holanda, em 1960, filho de um engenheiro civil e uma dona de casa gregos, Tsakalotos passou 30 anos na Inglaterra – onde estudou no colégio St. Pauli, um reduto da aristocracia britânica, antes de cursar política, filosofia e economia em Oxford, outro reduto aristocrático. Ph.D. em economia e política, começou a dar aulas na Universidade de Kent, ainda na Inglaterra, onde conheceu a economista Heather Gibson. Os dois se casaram e tiveram três filhos, antes de se mudar para a Grécia, em 1994, quando Tsakalotos virou docente 11a Universidade de Atenas.

O novo ministro difere do anterior em forma e conteúdo. Ao contrário de Varoufakis, que se proclama um"marxista errático", Tsakalotos – que também se define como marxista - é adepto da chamada "Nova Esquerda" Ou seja, como Tony Blair, nome mais reluzente da tendência, dispõe-se aparentemente a assumir compromissos com a realidade capitalista sem perder de vista seus objetivos sociais. Começou a militar no Partido Comunista da Grécia nos anos 1980 e se tornou um dos principais ativistas do Synaspismos — uma coalizão de esquerda fundada em 1991, que abarcava trotskistas, socialistas e verdes, e deu lugar, em 2013, ao Syriza, do atual primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Desde o começo do Syriza, Tsakalotos é um de seus principais ideólogos, disposto a tudo para ajudar - até a ficar no caixa do souvlaki, um espetinho grego, nas festas para arrecadar fundos. Em 2012, foi eleito para o Parlamento grego. Antes de Varoufakis ser nomeado ministro das Finanças, Tsakalotos era o favorito para o cargo. Teve de se contentar com o posto de ministro adjunto de negócios estrangeiros e aguardou sua chance.

A paciência será uma virtude importante nas próximas rodadas de negociação — e a mudança no estilo é nítida. Na última quarta-feira, dia 8, depois de meses de impasse, Tsakalotos adotou um tom humilde e cumpriu a primeira condição para evitar a saída da Grécia da Zona do Euro: enviou o pedido para um terceiro programa de ajuda financeira. Atenas solicitou um resgate de € 50 bilhões, em troca de três concessões. A primeira é aceitar um programa completo de resgate, o que implica se submeter a revisões contínuas por parte do Eurogrupo. A segunda é a elevação do IVA (imposto sobre consumo) e uma reforma no sistema de aposentadorias a partir da semana que vem — um entrave nas negociações até agora. Por fim, Atenas deixou de pedir uma completa "reestruturação da dívida" e aceita discutir a questão até o fim do ano.

Ainda é pouco. Os gregos terão muito trabalho pela frente antes de dar fim ao período de tormento. E, qualquer que seja o desfecho dos acordos dos próximos dias, será amargo. Se houver algum tipo de acordo e a Grécia continuar no Euro, evita-se a catástrofe — mas persiste o problema da dívida dificílima de honrar, a pesar sobre uma economia já esmagada. Um novo empréstimo, como o pedido por Tsakalotos, inflará o montante da dívida para € 350 bilhões, quase o triplo do PIB.

O domingo, dia 12, foi fixado como um prazo para o acordo. Se não houver acordo, a saída da Grécia da Zona do Euro é uma opção concreta. O efeito afugentaria o investimento nos demais países europeus, uma vez que haverá maior insegurança sobre o futuro da moeda comum. Um estudo da firma de advocacia Baker & Mackenzie estima em US$ 1,4 trilhão o efeito da derrocada do euro na economia mundial. O problema econômico levaria a um problema político ainda maior. O euro sempre foi mais do que uma moeda: é a joia do projeto de unificação europeu. Uma eventual saída da Grécia poderia abrir a porteira para a fuga - ou expulsão - de outros endividados, como Portugal e Itália. Seria o fim prático da moeda comum de 19 países, fundamental para cimentar o projeto. A incerteza política aumentaria. O projeto de integração regional mais bem-sucedido do mundo ficaria rachado. Ganhariam voz nacionalistas e extremistas contrários à União Europeia em todo o continente. Como disse Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu; "Um fracasso será doloroso para o povo grego e pode ter um impacto geopolítico em toda a União Europeia. Quem pensar o contrário é ingênuo"

Os líderes europeus precisam encontrar rapidamente uma solução. Os sócios procuram uma fórmula para evitar o calote de uma dívida de € 3,3 bilhões que precisa ser paga ao Banco Central Europeu no próximo dia 20. A Grécia provavelmente se comprometerá com novas medidas (cortes ou reformas). Enquanto isso, a Europa deverá dar alguma segurança a bancos e instituições financeiras gregas que estejam no rumo do colapso, pela contínua fuga de capital.

Em uma tragédia grega clássica, problemas aparentemente insolúveis podem ser resolvidos pela entrada em cena de um elemento radicalmente novo, como um deus com poderes para consertar o que está errado. O recurso se chama de deus ex machina. É injusto depositar esse tipo de responsabilidade sobre um homem. Mas é o que se espera, agora, de Tsakalotos.

Após acordo, Grécia fica no euro e recebe socorro de € 86 bilhões

Andrei Netto - O Estado de S. Paulo

• País receberá liquidez emergencial, plano de socorro de longo prazo e reescalonamento das dívidas, mas terá de adotar reformas drásticas; parlamento grego precisa aprovar medidas até quarta-feira

PARIS - Líderes políticos dos 19 países da zona do euro chegaram na manhã desta segunda-feira, 13, a um acordo unânime para por fim a seis meses de crise na Grécia. Em troca de um programa de reformas e de austeridade de amplitude inédita, Atenas receberá um terceiro programa de socorro de cerca de € 86 bilhões, além do reescalonamento de sua dívida externa. O governo radical de esquerda de Alexis Tsipras também receberá liquidez imediata a ser desbloqueda pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), permitindo retirar o país da situação de default de pagamentos e reabrir o sistema financeiro.

O acerto foi anunciado no final da madrugada, no horário de Brasília, manhã na Europa, quando Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu – o colégio de chefes de Estado e de governo da União Europeia – veio a público, via Twitter: "O EuroSummit chegou a um acordo por unanimidade", afirmou. "Tudo pronto para um programa do Mecanismo de Estabilidade Financeira (ESM) para a Grécia com sérias reformas e suporte financeiro."

Minutos depois, em entrevista, Tusk ironizou a expressão "Grexit", usada para designar o fantasma da saída da Grécia da zona do euro, improvisando um jargão novo, em inglês, com as palavras "Greek" e "agreement". "Hoje, depois de 17 horas de negociações, nós chegamos ao nosso objetivo. Vocês podem chamar de 'aGreekment'", brincou. "Haverá condições estritas a cumprir. Esta decisão dá à Grécia uma chance de se recolocar no bom caminho com o apoio de seus parceiros europeus."

Atenas terá de transferir para um fundo de gestão que será instalado em território grego um total de € 50 bilhões em ativos de empresas públicas, que serão privatizadas. Deste valor, € 25 bilhões serão utilizados para recapitalizar o sistema financeiro do país, que teria falido caso não tivesse fechado as portas nos últimos oito dias. Ainda não estava claro na manhã de hoje, mas os bancos gregos poderiam ser "internacionalizados" – ou seja, seus ativos poderiam ser transferidos aos organismos internacionais.

"O Grexit é coisa do passado", festejou Tsipras, depois da maratona de negociações, iniciada há quase seis meses, e que colocou o país à beira do precipício. O primeiro-ministro não hesitou em comemorar os termos do entendimento, os mesmos que a imprensa europeia denunciou como "draconianos" e "humilhantes", e que a revista alemã Der Spiegel classificou de "catálogo de atrocidades". "Eu prometo reformar a Grécia. A batalha foi dura e ainda o será. A população deve apoiar nossos esforços. É um acordo de recessão, mas o pacote para o crescimento e o novo empréstimo nos ajudarão", afirmou Tsipras, sem deixar o discurso ideológico e de combate de lado: "A Grécia deve continuar a lutar contra a oligarquia que a mergulhou nessa situação".

François Hollande, presidente da França e um dos grandes responsáveis pela permanência da Grécia na zona do euro, foi outro a comemorar a decisão. Assessores do Ministério das Finanças francês chegaram a reescrever a proposta grega, auxiliando lado a lado o governo Tsipras a convencer os parceiros. "Em determinado ponto, nós tememos que a zona do euro perdesse um de seus membros", reconheceu. "O que eu quis foi do interesse da Grécia, do interesse da França e do interesse da Europa.

Já a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que chegou a levar a Bruxelas uma proposta para excluir a Grécia da zona do euro por cinco anos – a cláusula de "Time out" –, afirmou que assinaria o entendimento com "toda a convicção", mas manteve o tom de cobrança, reticente, que marca a posição alemã sobre o assunto. "Será um caminho longo e difícil", afirmou, descartando, entretanto, que haja uma alternativa. "Nós não precisamos de um plano B, porque o plano A foi aprovado."

O entendimento, que inclui o FMI – a despeito dos esforços feitos por Tsipras para alijar o fundo – ainda precisará ser aprovado por alguns parlamentos nacionais, como os de Alemanha e França, mas a iniciativa deve ter caráter simbólico. Por outro lado, o governo de Tsipras terá de começar a aprovar medidas em seu Parlamento desde a quarta-feira, com o objetivo de trazer a vida financeira do país à normalidade o mais rápido possível.

A participação do FMI, no entanto, está condicionada ao pagamento do que a Grécia deve ao Fundo, informou nesta segunda-feira a Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia. No último dia 30 de junho, o governo grego deveria ter pagado € 1,55 bilhão ao Fundo, mas acabou dando o calote.

Articulações a favor e contra o impeachment

Andréa Jubé e Raquel Ulhôa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Enquanto a presidente Dilma Rousseff busca preservar o mandato, um plano de ação para afastá-la do cargo avança no Congresso. A articulação pressupõe a rejeição das contas de seu governo no Tribunal de Contas da União, que o Palácio do Planalto dá como favas contadas.

Uma lista com um placar estimado da admissibilidade do impeachment circula em um grupo restrito de deputados. A expectativa de recondução dentro de 60 dias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot - que conduz as investigações da Lava-Jato -, acentua o ambiente de tensão.

De seu lado, o comando do PMDB vem analisando diferentes propostas para evitar o impeachment - desfecho considerado traumático, mas o mais provável. Uma das hipóteses levantadas no grupo ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao ex-presidente José Sarney é a implantação do parlamentarismo já, durante o atual mandato, se o impeachment tornar-se inevitável. Mas essa é uma alternativa que seus defensores consideram de difícil viabilidade porque teria obstáculos no STF, na oposição, na sociedade e na própria presidente.

Parlamentares articulam plano para afastar presidente do cargo

Andrea Jubé – Valor Econômico

BRASÍLIA - Enquanto a presidente Dilma Rousseff se empenha em preservar o mandato, um plano de ação para afastá-la do cargo avança no Congresso Nacional. A articulação pressupõe a rejeição das contas de seu governo no Tribunal de Contas da União, que o Palácio do Planalto dá como favas contadas. Uma lista com um placar estimado da admissibilidade do impeachment circula em um grupo restrito de deputados. A expectativa de recondução dentro de 60 dias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot - que conduz as investigações da Lava-Jato -, potencializa o ambiente de tensão. Portanto, setembro é o marco determinante para os rumos da crise política: se reflui, ou agrava-se.

"Se Dilma reconduzir Janot, "comprará mais briga com a Casa", disse ao Valor um político com 20 anos de parlamento. O procurador-geral ganhou a antipatia dos parlamentares depois de abrir inquéritos e oferecer denúncias contra 49 políticos, incluindo 13 senadores, 22 deputados, ex-ministros e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB. O rol de investigados contempla parlamentares de todas os matizes, do PT, PMDB, PP, PSB, PTB e até PSDB.

Há um roteiro e um calendário traçados entre partidários do impeachment. O primeiro passo é o julgamento das "pedaladas" fiscais no TCU, previsto para os dias 5 ou 12 de agosto. Em seguida, há novos protestos de rua contra o governo convocados nas redes sociais para 16 de agosto. Na segunda quinzena de agosto, o parecer sobre as contas chega ao Congresso. No dia 17 de setembro, termina o mandato de Janot e o novo procurador-geral é anunciado.

Como fator de tensão paralelo, avança no Tribunal Superior Eleitoral a ação para impugnar a chapa Dilma-Michel Temer por suposto abuso de poder econômico, proposta pelo PSDB. Um ministro do núcleo político admite que o governo teme a decisão do TCU, mas considera frágeis os indícios da investigação eleitoral.

Quem percorreu os corredores da Câmara e do Senado na última semana notou que o "impeachment" era tema de nove entre dez rodas de conversas. Duas empresas de comunicação faziam pesquisas com os deputados sobre o "sim" ou "não" ao afastamento da mandatária.

A lista que circula em um grupo reservado de deputados da base e da oposição contabiliza de 348 a 353 votos favoráveis à abertura do processo, tendo como base o parecer do TCU recomendando a rejeição das contas. Informalmente, este parecer foi batizado de "a Fiat Elba de Dilma", em alusão à peça-chave que deflagrou o processo contra o então presidente Fernando Collor em 1992. Pela Constituição Federal, são necessários 342 votos (dois terços) para que o processo seja instaurado na Câmara e depois enviado ao Senado, responsável pela votação final.

Mas veteranos do parlamento alertam que há espaço para negociação. "Dilma está no fio da navalha, mas pagamos um preço alto por isso no passado", disse um líder aliado sobre a deposição de Collor.

Há um longo ritual a se percorrer antes mesmo da abertura do processo de impeachment na Câmara. Antes o parecer do TCU tem de ser votado na Comissão Mista de Orçamento, e depois no plenário das duas Casas. A comissão mista não aprecia as contas de um governo desde 2002. O colegiado pode seguir a ordem cronológica e começar pela apreciação das contas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, antes de alcançar 2014. Enquanto isso, Dilma ganha tempo para ampliar o diálogo com os aliados, que estão indóceis por causa do congelamento das emendas parlamentares e a demora na nomeação dos cargos.

O Valor apurou que o clima é de serenidade e prudência entre deputados experientes das bancadas do PDT, PSB, PTB e PSD, que compõem a base aliada. Uma liderança do PSB disse ao Valor que a bancada considera o impedimento uma saída drástica. Num cálculo rápido, esse pessebista contabiliza pelo menos 180 deputados contrários ao processo.

Há defensores do impeachment no PMDB que está dividido - já que suas principais lideranças são alvo de inquéritos na Lava-Jato -, mas, em contrapartida, há defecções na oposição. No PSDB, deputados ligados ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, potencial candidato à sucessão presidencial, preferem confrontar uma presidente combalida a um novo mandatário revigorado.

Por ora, o Planalto escalou os ministros da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, e do Planejamento, Nelson Barbosa, para explicarem a legalidade das "pedaladas" aos congressistas em audiências públicas e aos ministros do Tribunal de Contas da União. Simultaneamente, ministros indicados pelos partidos têm visitado o Congresso para conversar com suas bancadas e tentar desfazer as tensões e o clima de radicalização.

PMDB discute medidas para evitar o impeachment de Dilma

Raquel Ulhôa – Valor Econômico

BRASÍLIA - Por avaliar que a presidente Dilma Rousseff perdeu as condições de recuperar a credibilidade, a confiança da sociedade e a capacidade de governar, o comando do PMDB vem analisando diferentes propostas para evitar o impeachment - desfecho considerado traumático, mas o mais provável. Uma das hipóteses levantadas no grupo ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao ex-presidente José Sarney é a implantação do parlamentarismo já, durante o atual mandato, se o impeachment tornar-se inevitável. Mas essa é uma alternativa que os próprios defensores consideram de difícil viabilidade, porque encontraria obstáculos no Supremo Tribunal Federal (STF), na oposição, na sociedade e na própria presidente.

Apesar das dificuldades políticas envolvidas, lideranças pemedebistas encomendaram a especialistas minuta de modelo de parlamentarismo que poderia ser adotado no país neste momento. Pela ideia original, Dilma se tornaria chefe de Estado, o chefe de governo seria eleito pelo Congresso e um ano depois seria realizado um referendo para a população confirmar ou não o novo sistema de governo.

Os que admitem essa solução citam o precedente de 1961, quando o Congresso aprovou a adoção do regime parlamentarista no Brasil como tentativa de solução para a crise decorrente da renúncia de Jânio Quadros. Foi o que tornou possível a posse do então vice-presidente, João Goulart. O parlamentarismo durou menos de 17 meses e teve três gabinetes.

Há alguns dias o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defendeu a implantação do parlamentarismo, mas após o governo Dilma Rousseff. Em entrevista, disse que tentar mudar o sistema de governo no atual mandato seria "golpe branco". O parlamentarismo pós governo Dilma também é a proposta do senador José Serra (PSDB-SP). "Precisamos conversar sobre o parlamentarismo", disse o ex-presidente José Sarney disse ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada, em café da manhã na casa de Renan, com a presença de outros senadores, segundo participantes. A conversa não avançou.

Há, entre os dirigentes do PMDB, o mesmo diagnóstico - que o agravamento da crise é irreversível -, a mesma estratégia final - evitar o impeachment da presidente -, mas ideias diferentes de como chegar lá. A ideia do parlamentarismo já é tratada "com desenvoltura", mas, segundo um integrante da cúpula, não passa de "exercício da banalidade".

A solução precisaria da concordância da Dilma, o que soa improvável; do STF, que poderia rejeitar a emenda constitucional porque um plebiscito realizado em 1993 manteve o presidencialismo; da oposição, mas o grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) defende que a solução da crise seja a cassação do mandato de Dilma e do vice, Michel Temer, pela Justiça Eleitoral; e da população, cuja rejeição aos políticos mostra que não haveria disposição de entregar ao Congresso a escolha do chefe de governo.

Na avaliação do comando pemedebista, que tem se reunido frequentemente com o vice-presidente, Michel Temer, presidente nacional do partido, a situação de Dilma agravou-se na semana passada, consolidando o questionamento da legitimidade do governo. Principalmente porque ela deu declarações rebatendo o impeachment, chamando a oposição de golpista e até citando renúncia. Chamou a crise para si e mostrou ser uma presidente fraca, que precisa ficar se defendendo das críticas de falta de legitimidade.

"Se a própria presidente trata do assunto, o impeachment passa a ficar no nível de frugalidade total. Todo mundo fala nisso como se fosse uma coisa banal", diz outro pemedebista. "Mais grave ainda é a presidente da República ficar nos Estados Unidos e na Rússia debatendo com Aécio Neves, com acusações de golpismo. Quem tinha que fazer isso é a base parlamentar aliada. Em vez de governar, fica promovendo o terceiro turno da disputa eleitoral", completa.

Prova da deterioração das relações da presidente com sua base aliada também foi dada na semana passada. Na terça-feira, mesmo dia em que Temer reuniu-se com líderes e presidentes de partidos da base aliada, que, depois, divulgaram nota de apoio a Dilma, o Senado aprovou uma medida provisória estendendo a política de reajuste do salário mínimo aos benefícios dos aposentados do INSS que são maiores do que o mínimo.

Ou seja, os aliados assinaram nota de apoio mas votaram contra os interesses do governo. A presidente terá de vetar a proposta, segundo governistas, aumentando seu desgaste.

Lideranças pemedebistas dizem não acreditar em reversão do quadro, a favor de Dilma, porque é o próprio governo, o PT e a base que produzem os principais fatos negativos e o Palácio do Planalto que agrava a crise. "Na iminência de um processo de impeachment, é preciso ter alternativas na mesa", explica um pemedebista, referindo-se à ideia do parlamentarismo.

Como o Brasil vai superar esse furacão?

• O país enfrenta uma tempestade perfeita. Mas a crise é de governo, não das instituições. E isso é razão para esperança em dias melhores

Guilherme Evelin – Revista Época

Em meteorologia, uma tempestade perfeita se forma quando há uma combinação rara de vários eventos climáticos que, em sua confluência, contribuem para aumentar o poder de devastação do vendaval. O Brasil está hoje no meio de uma tempestade perfeita. O país enfrenta uma convergência de crises nas esferas econômica, política e judicial que estão aumentando dramaticamente a intensidade das turbulências atuais.

Desde o começo do ano, as circunstâncias se agravaram em todas as frentes. Na economia, todas as projeções sobre a inflação, a queda do PIB, o aumento do desemprego e o estado das contas públicas pioraram em relação aos cenários iniciais de 2015 - que já eram sombrios. Na política, o governo Dilma Rousseff chegou ao nível mais baixo de apoio popular desde o governo José Sarney e perdeu o controle da agenda política. Sem sustentação, vem sendo submetido a sucessivas derrotas em votações no Congresso. No âmbito judicial, as investigações da Operação Lava Jato colocaram na cadeia acionistas e executivos das duas maiores construtoras do país - Odebrecht e Andrade Gutierrez. Também levantaram denúncias de que o caixa da campanha da reeleição da presidente Dilma, em 2014, foi abastecido com recursos desviados dos contratos superfaturados no esquema do petrolão. A medida da vastidão da tempestade foi dada na semana passada quando Dilma, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, disse que não vai cair - reação um tanto estabanada porque, ao comentar a hipótese, a presidente da República quebrou um dos códigos do poder: em casa de enforcado, não se fala de forca.

A sensação de vertigem em meio a um redemoinho aumenta porque uma crise alimenta a outra. Ao atingir algumas das maiores empresas do país, a Operação Lava Jato contribui para acentuar a recessão da economia. A crise econômica ajuda a afundar ainda mais o governo e a tirar dele sustentação política. A crise do governo, por sua vez, piora as perspectivas da economia. Sem estabilidade política, que é capaz de dar confiança no futuro, os investidores não se animarão — e isso dificultará a recuperação do crescimento econômico. E a sensação de desgoverno dá mais fôlego para os processos judiciais que podem, no limite, custar o cargo da presidente da República.

Como escapar desse ciclo infernal? O Brasil tem condições de superar a crise sem ser engolido pelo turbilhão? Em Uma história do povo americano, o ensaísta inglês Paul Johnson escreveu que a ascensão dos Estados Unidos de ex-colônia do Reino Unido à maior potência mundial foi determinada por muitos fatores, "mas o mais importante é sempre a qualidade das lideranças". "Afortunadamente para a América, a geração de políticos que emergiram para liderar as colônias rumo à independência foi um dos mais formidáveis grupos de homens da história: sensíveis, mentes abertas, corajosos, bem-educados, talentosos, maduros e dotados de visão de longo prazo", diz Johnson.

Desse ângulo, há motivos para cultivar o ceticismo. Como diz o ex-ministro e economista João Sayad, a "ausência de liderança do Brasil é gritante". "Falta ideia e falta gente", diz Sayad (leia a entrevista na página 52). Não é só o mandato da presidente Dilma que está sob ameaça de ser levado de roldão por investigações policiais-judiciais. Na linha de sucessão da República, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também são alvos de investigações e podem ser processados. Faltam aos partidos políticos, depauperados, quadros com as qualidades dos líderes da Independência americana mencionadas por Johnson. Em 1992, no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a presença de lideranças no Congresso, como Ulysses Guimarães, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, ajudou a superar o trauma da queda do primeiro presidente eleito após o fim da ditadura militar. Hoje, como diz o cientista político Carlos Mello, professor do Insper, em São Paulo, "está difícil distinguir quem não é baixo clero no Congresso Nacional"
.
A grandeza dos Estados Unidos foi feita, porém, também por instituições políticas sólidas que resistem à passagem dos homens e garantem o valor republicano da igualdade de todos perante a lei. Por esse ângulo, talvez de prazo mais longo, é possível ver a crise atual com lentes mais otimistas, como faz o cientista social Luiz Werneck Vianna (leia sua entrevista na página 50). "Os ocupantes dos cargos-chaves estão correndo risco de cair, mas a possibilidade de queda mostra que as instituições estão funcionando com muito vigor. Talvez o saldo atual seja o amadurecimento da política brasileira. O parafuso está sendo apertado", diz Werneck.

Ao contrário do que disse a presidente Dilma Rousseff e alguns dos mais aguerridos defensores de seu governo, não há golpismo. Os ritos da Constituição de 1988 estão sendo cumpridos. Não há uma crise institucional. Há uma crise de governabilidade — séria, é verdade. Mas o que o governo precisa fazer para superá-la, antes de tudo, é governar.

Com Marcelo Moura, Pedro Marcondes de Moura c Vinícius Gorczeski

Luiz Werneck Vianna - O Otimista

• Para o cientista político Luiz Werneck Vianna, as instituições brasileiras vão bem - e reclamar de golpismo é um recurso velho, que faz lembrar a era Vargas

Marcelo Moura – Revista Época

A presidente Dilma Rousseff foi convocada pelo Tribunal de Contas da União a explicar as pedaladas fiscais do Orçamento de 2014 e é investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela denúncia de que sua campanha pela reeleição recebeu doações irregulares. Uma condenação pode abrir caminho para a cassação do mandato e do vice-presidente, Michel Temer. Os próximos na linha de sucessão da República, os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado Federal, Renan Calheiros, também são alvos de investigações e podem vir a ser denunciados. A remota possibilidade de uma perda total na cúpula do Executivo e do Legislativo não preocupa o cientista social Luiz Werneck Vianna. Ao contrário. A independência para conduzir investigações que põem em risco os mandatários do país, afirma Werneck, mostra a força das instituições do país.

ÉPOCA - A presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado enfrentam investigações que, no limite, podem lhes custar os cargos. Há risco de uma crise institucional no Brasil?

Luiz Werneck Vianna - A crise atual é um copo pela metade. Depende de como se olhe. Os ocupantes dos cargos-chave estão correndo risco de cair, mas a possibilidade de queda mostra que as instituições estão funcionando com muito vigor. Com muita rigidez. Talvez o saldo atual da crise seja, ao contrário do que veem alguns, o amadurecimento da política brasileira. Eu vejo por esse ângulo. O parafuso está sendo apertado.

ÉPOCA - O amadurecimento da política no Brasil pode ser traumático, como na Itália após a Operação Mãos Limpas, que levou à decadência dois dos maiores partidos?

Werneck - Vejo a crise brasileira como um avanço, não como retrocesso. Há um elemento de imprevisibilidade aí, mas penso que todos os atores envolvidos têm a consciência de que há muito mais a preservar do que a destruir.

ÉPOCA - O que há a preservar e o que há a destruir?

Werneck - O que há a preservar são as instituições da Constituição de 1988, que ampliou o poder de investigação de órgãos como o Ministério Público. A destruir, o poder de quem tiver cometido irregularidades. Enquanto a apuração ocorre, há uma crise de governabilidade no país.

ÉPOCA - O que explica a atual crise de governabilidade?

Werneck - A crise começou quando a presidente assumiu o segundo mandato e rompeu com a base aliada. Qualquer presidente brasileiro, desde Fernando Collor (empossado em 1990, sofreu impeachment em 1992) sabe que fica muito exposto sem maioria parlamentar. Fernando Henrique Cardoso e Lula foram muito ciosos de manter o apoio do Congresso. Dilma fez outro cálculo e desestruturou sua base de poder.

ÉPOCA - Como essa crise pode ser superada?

Werneck - Não vai ser fácil. Uma boa parte dessa crise vem da crise econômica, que esvazia o apoio ao governo. Os problemas econômicos dificilmente vão embora.

ÉPOCA - A presidente Dilma chamou de golpistas aqueles que falam em seu Impeachment. Há um clima de golpismo no país?

Werneck - Eu não vejo golpismo. Reclamar de golpismo é um recurso velho, que faz lembrar a era Vargas. Acho que o pacto das instituições está inteiramente preservado. O TSE está apurando possíveis irregularidades, o TCU está apurando, a Polícia Federal está apurando. A apuração de denúncias é um sinal de saúde de nossas instituições. O que caracteriza um golpismo é recorrer aos militares. Até agora, ninguém apelou aos quartéis. Partidários e opositores da presidente falam em apelar às ruas, mas não vejo nisso uma intenção de apelar à força. Uma guerra civil é extremamente improvável.

ÉPOCA - Um impeachment, o segundo em 30 anos de redemocratização» não abalaria a democracia?

Werneck - Prefiro que não ocorra impeachment, mas, se vier, veio. Terá vindo da lógica autônoma de instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público, o TCU ou o TSE. São órgãos de investigação e regulação previstos na Constituição, fortalecidos por regras que a própria presidente Dilma ajudou a implementar.

ÉPOCA - O Supremo Tribunal Federal considerou constitucionais o casamento gay e a cota para negros nas universidades. Há um protagonismo desproporcional do Judiciário?

Werneck - O protagonismo do Judiciário foi criado e aprimorado por nós. Não é de hoje. Ele vem amadurecendo desde a década de 1930, por decisão da própria sociedade. Quem trouxe a Justiça do Trabalho para as relações do trabalho fomos nós. Quem trouxe a Justiça Eleitoral para as eleições fomos nós. Há mais de 80 anos. Quem criou instituições como a ação civil pública fomos nós, na Constituição de 1988. Quem deu vida às ações diretas de inconstitucionalidade foi o Partido dos Trabalhadores, durante o governo FHC. O PT mostrou a existência de um novo espaço de luta política, no Judiciário.

ÉPOCA - Como vê o novo protagonismo do Legislativo, que passou a ditar a agenda política do país?

Werneck - O presidencialismo de coalizão fortaleceu o Legislativo como mercado de trocas e lugar de favores. Quando o Legislativo assume o protagonismo, não é de se lamentar. É de se vangloriar. Finalmente, o Legislativo legisla.

ÉPOCA - Por que o Poder Executivo não consegue se impor mais no Congresso?

Werneck - Dilma não notou que as circunstâncias mudaram. O presidencialismo não pode ser mais o que foi durante o governo Lula, que desfrutou apoio parlamentar e popular por conta de programas sociais bem-sucedidos. Ela não percebeu que não poderia ser tão rígida e desafiadora ante os partidos da base aliada. Para governar, tem de ter base parlamentar que a sustente. Hoje, Dilma não tem apoio nem da bancada do partido dela. Não dá para governar sem apoio.

ÉPOCA - Quando poderemos superar a crise política?

Werneck - No curto prazo, não vejo perspectiva. Nenhum partido foi capaz de se renovar. Estão esclerosados. Olhe para a Espanha, a Itália ou a Grécia. Eles têm políticos jovens e movimentos sociais presentes na vida partidária. Aqui, há um dissídio. Os jovens no Brasil estão nas ruas contra a redução da maioridade penal, mas a Câmara não capta. Nem quer captar. Ela se divide em bancadas temáticas: a da bala, a dos evangélicos, a dos ruralistas... É sinal de que há algo muito doente. A democracia demanda partidos representativos. Tomara que uma consequência dessa crise política seja a abertura dos partidos políticos.

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Luiz Werneck Vianna é cientista social, mestre em ciência política pelo Iuperj e doutor em sociologia pela USP. É autor de livros como A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (2007) e A democracia e os Três Poderes no Brasil (2002)

Aécio Neves - O golpe do golpe

- Folha de S. Paulo

A velha cantilena usada de forma estridente pelo governo petista sempre que se sente acuado já não surte efeito. Mais uma vez, o grito de guerra de um hipotético complô contra o partido está em curso. A estratégia tem uso recorrente. Em momentos distintos, já foi usada para atacar a mídia, as elites intelectuais, os protestos de rua e por aí afora.

Nesse raciocínio, tudo o que contraria os interesses do PT é golpe. No atual contexto, a imprensa divulga os escândalos do petrolão? Trata-se da imprensa golpista. O TCU analisa as contas do governo Dilma? Para o PT é golpe. O TSE investiga se houve recursos de propina na campanha da presidente? Golpe de inconformados, dizem os petistas. A Polícia Federal e o Ministério Público cumprem com independência suas funções? Golpe, dizem eles. Milhões de pessoas ocupam as ruas com críticas ao governo? Trata-se de golpistas de direita, analisa o partido. Ninguém escapa, somos todos golpistas --menos os iluminados do PT.

Para eles, os outros são sempre os culpados de todos os males. Os outros tramam dia e noite para tirar o PT do poder. Não cola mais. Os brasileiros não aceitam mais o engodo.

A quem serve o factoide do golpe criado na semana passada? Claramente uma estratégia do marketing petista, a ideia de propagar com insistência uma mesma mentira, repetidamente, em coro orquestrado, serve para tentar dar unidade e amplitude ao discurso do seu fragilizado campo político. 

É uma velha receita seguida de novo por todos os níveis do PT, do mais alto escalão ao militante pago para insuflar as redes sociais. Entre lidar com a verdade ou se esconder na mentira, o partido escolheu, de novo, evitar a realidade.

Sabemos todos --inclusive o PT-- que, felizmente, não existe espaço para nenhum retrocesso no sistema democrático brasileiro. O que o partido teme, na verdade, é o funcionamento dos instrumentos da nossa sociedade democrática.

Existe, sim, um grande golpe em curso --mas ele vem do andar de cima. Um golpe contra os brasileiros que deram ao governo um voto de confiança e que, em troca, receberam um bilhete de entrada para um país em queda livre, com desemprego nas alturas, redução de benefícios trabalhistas, inflação beirando a casa de dois dígitos em algumas capitais, tarifas públicas em aumento crescente.

O mais grave neste cenário é a incapacidade do governo de governar de fato. No lugar do trabalho sério, a bravata. O governo e o PT fariam um enorme bem aos brasileiros se imprimissem à gestão do país o mesmo vigor que despendem ao incorporar roteiros mirabolantes ditados, mais uma vez, pelo marketing da mentira e da conveniência.

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Para que tirar Dilma?

- O Globo

"Desde outubro último que Aécio Neves não perde uma eleição". Carol Barrozo, no Twitter
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Chega de farsa! A oposição não quer derrubar Dilma. Prefere vê-la se arrastar, exangue, até o último dia do seu mandato. Para que correr o risco de substituí-la já? Para dar lugar ao vice do PMDB? Para ser obrigada a fazer com a economia o que Dilma está fazendo — ou coisa pior? Para que Lula tente se recuperar em paz até a eleição de 2018? A essa altura, Lula torce para que Dilma renuncie. Logo...

TODO O PODER a Dilma! Ou melhor: o mínimo de poder a Dilma! E o máximo de desgaste a ser compartilhado por ela com Lula e o PT — os três no “volume morto”, segundo o próprio Lula. Recente pesquisa do Ibope constatou que o “lulismo”, hoje, sustentase mal e mal nas áreas mais pobres do Nordeste. E mesmo ali está em processo de encolhimento.

SE UMA NOVA eleição presidencial em segundo turno tivesse sido disputada na semana passada por Aécio Neves (PSDB) e Lula, Aécio teria vencido com folga por 48% a 33%. Perderia para Lula apenas no Nordeste e entre os eleitores de menor renda e escolaridade. Na faixa dos que ganham mais de cinco salários mínimos, Aécio massacraria Lula por 72% a 28%.

DILMA OBTEVE quase dois terços dos votos válidos (descontados os nulos e brancos) nos municípios em que o PT venceu no segundo turno as eleições presidenciais de 2006, 2010 e 2014. Agora, nesses mesmos lugares, Lula atrairia 52% dos votos contra 48% de Aécio. Um empate técnico, a levar-se em conta a margem de erro da pesquisa que ouviu em todo o país 2.002 eleitores.

EU SEI, você lembra de 2006 quando Lula se reelegeu apesar de baleado pelo escândalo do mensalão. Em vez de pedir o impeachment dele, a oposição achou melhor deixá-lo sangrar — e deu no que deu. Compreendo o seu temor. Dizem que a História só se repete como farsa. Não posso garantir. Sei, porém, que 2006 pouco tem a ver com 2015. Ou nada.

LULA É LULA. Dilma é Dilma. Lula tem carisma e é bom de gogó. Dilma não tem, e quando fala é quase sempre um desastre. Antológica a saudação à mandioca. Bem como à “mulher sapiens”. Em 2006, Lula era popular, ainda recém-chegado ao poder. Os brasileiros concederam a ele e ao PT um desconto. Foi moleza derrotar o insosso Geraldo Alckmin. Tudo mudou desde então.

MENOS DE 10% dos brasileiros aprovam o desempenho de Dilma. Ela jamais será esquecida como uma pura invenção de Lula. E também por ter mentido à farta para se reeleger. A crise econômica potencializou a crise ética que está na raiz da crise política. Essa se agravará caso a Lava-Jato culmine com a eventual prisão de Lula. Somente ele sabe o que fez. Para estar com tanto medo... Sei não.

SÓ SEI QUE pelo menos um partido e um político não têm queixas de Dilma: o PDT de Carlos Lupi e Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder do PMDB no Senado. Depois de apontar o governo Dilma como o mais corrupto da História, Lupi negociou com ele a demissão de Manoel Dias, ministro do Trabalho indicado pelo PDT. Vai trocá-lo por um deputado mais sujeito aos seus caprichos, digamos assim.

HÁ MENOS de um mês, Dilma compareceu em Brasília ao casamento da filha de Eunício com Ricardo Fenelon Júnior, advogado há três anos. Uma festança! Na última segunda-feira, Fenelon acabou presenteado por Dilma com a nomeação para a diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil. O que ele entende do assunto? Nada. E precisa? Basta ser genro de senador aliado de uma presidente débil. Débil no sentido de frágil.

José Roberto de Toledo - O milhão a menos

- O Estado de S. Paulo

Enquanto o Congresso se prepara para merecidas férias (deputados e senadores estavam desacostumados a trabalhar tanto como nesses três meses) e o governo federal divide sua imaginação entre modos de cortar gastos, aumentar impostos e garantir sua própria sobrevivência, talvez valha a pena gastar tinta e bytes com um tema que não tem a ver diretamente com a política partidária, mas que deveria ser uma prioridade das políticas públicas.

Nas últimas duas décadas, 1 milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. Mais precisamente, 1.033.200 entre 1996 e 2013, segundo estatísticas extraídas do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. De cada 100 mortes ocorridas no período, seis foram obra de assaltantes, cônjuges, policiais, traficantes ou desconhecidos. Nem todas as doenças infecciosas juntas mataram tanto. De fato, vitimaram 177 mil a menos.

Mais grave, as mortes matadas vêm aumentando e não diminuindo, como se esperaria. Nunca se matou tanto no País quanto em 2013 (ao menos enquanto as estatísticas de 2014 não são publicadas).

Somando-se “agressões” – como a epidemiologia se refere aos assassinatos –, os mortos em “intervenções legais” – isto é, por ação de policiais – e 80% dos casos cuja “intenção é indeterminada” (quem preencheu a declaração de óbito não soube precisar se foi homicídio, suicídio ou acidente), houve em 2013 65.089 vítimas de homicídio – não no sentido legal, mas literal, de destruição da vida de alguém por obra de outra pessoa.

É um pouco mais do que em 2012, que já havia registrado mais homicídios do que 2011, que havia superado 2010. Apenas por comparação, em 1996, quando a série histórica começa, foram computados 46.648 assassinatos (usando a mesma metodologia). Ou seja, o aumento foi de 40%. A causa é o crescimento e envelhecimento da população, dirão os otimistas. Nem tanto. Ao mesmo tempo, as demais causas de morte cresceram 18% menos.

Sob vários aspectos, poderia ser considerada uma epidemia: além de aumentar continuamente, está se alastrando para quase todos os cantos do País. A tendência é de crescimento em 22 das 27 unidades da Federação. O homicídio se espalha mais violentamente nos Estados do Nordeste. Seu principal vetor também é conhecido.

Pelo que se sabe, ao menos 6 a cada 10 assassinados foram alvo de disparos fatais de armas de fogo. A proporção é provavelmente maior, porque cerca de 20% das declarações de óbito são tão mal preenchidas que se sabe apenas que a pessoa foi morta, mas não se sabe como. Mesmo assim, é o suficiente para se constatar que nenhum objeto é mais eficiente para matar. Para cada morto por facas e facões, pistolas, revólveres e fuzis matam meia dúzia.

Homens são, de longe, os principais autores e as maiores vítimas dos homicídios, na proporção de 9 para 1 em relação às mulheres. Embora aumente em números absolutos, o feminicídio manteve ao longo de praticamente 20 anos a mesma proporção de 10% a 11% dos homicídios. Os outros 90% são consistentemente masculinos.

Praticamente metade das vítimas – sejam homens ou mulheres – estava no auge da juventude quando foi assassinada: 49% dos mortos por homicídio têm entre 15 e 30 anos de idade. O maior risco incide para os brasileiros entre 20 e 24 anos.

A dimensão coletiva desse massacre é quase tão trágica quanto os dramas individuais. São séculos em potencial de anos de vida perdido por tanta gente que morreu tão jovem. Mas há também o impacto econômico. É uma epidemia que ataca o coração da força de trabalho: 3 em cada 4 assassinados tinha entre 20 e 60 anos.

Dos que mudam a lei para ganhar votos, passando por todas as esferas do Executivo e instâncias do Judiciário, os agentes públicos poderiam fazer um minuto de reflexão sobre esse milhão a menos de brasileiros. E agir para que não virem dois.