domingo, 8 de novembro de 2015

Opinião do dia – Antonio Gramsci

Esqueceu-se assim que, se o “economicismo” é ou presume ser também um cânone objetivo de interpretação (objetivo-científico), a pesquisa no sentido dos interesses imediatos deveria ser válida para todos os aspectos da história, tanto para os homens que representam a “tese” como para aqueles que representam a “antítese”. Ignorou-se, além disso, uma outra proposição da filosofia da práxis: a de que as “crenças populares” ou as crenças do tipo das crenças populares têm a validade das forças materiais.
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Antonio Gramsci. ‘Cadernos do Cárcere’, v. 3, p. 53. Civilização Brasileira, 2007.

Dilma mentiu, diz Odebrecht

O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, diz, em mensagem obtida pela PF, que a presidente Dilma mentiu em debate eleitoral ao afirmar que as garantias para construir o Porto de Mariel, em Cuba, eram da empreiteira, contam

Odebrecht: Dilma ‘mentiu’ sobre Cuba

• Em mensagens, presidente da empreiteira contestou tese da petista sobre financiamento para porto

Cleide carvalho, Renato Onofre - O Globo

- CURITIBA E SÃO PAULO- O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, disse que a presidente Dilma Rousseff mentiu ao falar sobre o financiamento para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, durante o último debate do segundo turno da campanha eleitoral, em outubro do ano passado. Assim que Dilma garantiu na TV ao então candidato Aécio Neves que o empréstimo para a obra teria como garantia a Odebrecht, responsável pelo projeto, o presidente da construtora não se conteve. Em mensagem a um dirigente, interceptada pela Polícia Federal, Marcelo foi taxativo:

“Ela (Dilma) disse que as garantias são da empresa, e não do governo de Cuba. Ela está mentindo”, escreveu ele.

A acusação está numa troca de mensagens entre Marcelo Odebrecht e Benedicto Barbosa da Silva Junior, um dos executivos do grupo. O material integra novo relatório de investigação da PF sobre o esquema de corrupção na Petrobras.

Marcelo mandou a mensagem quando Dilma e Aécio discutiam sobre as obras do porto cubano. O tucano criticava o empréstimo do BNDES para a obra. Quando o senador alegou que “o governo brasileiro aceitou que essas garantias fossem dadas em pesos cubanos num banco na ilha de Cuba", Dilma rebateu:

— Sempre que se financia uma empresa, as cláusulas de um financiamento diz respeito a essa empresa. As garantias são elas quem dão, não é Cuba, quem dá a garantia é a empresa brasileira para o BNDES.

Depois de escrever que Dilma estaria mentindo, Marcelo sugeriu que Benedicto passasse um torpedo para a “irmã”, tratando do que chamou de mentira da presidente, mas volta atrás na decisão: “Passe um torpedo para a irmã. O financiamento e as garantias são do governo de Cuba. Aliás, melhor deixar quieto, vai que ela (a irmã) mostra seu torpedo para alguém lá!”.

A PF não informa quem seria a “irmã” citada na mensagem.

O financiamento do Porto de Mariel, a 40 quilômetros de Havana, foi alvo de polêmica na campanha de 2014. A obra é investigada em dois inquéritos onde o Ministério Público apura se houve irregularidade na concessão de empréstimo do BNDES.

O porto custou US$ 957 milhões, dos quais US$ 682 milhões foram financiados pelo banco. Documentos encaminhados à CPI do BNDES pelo próprio banco indicam que parte dos contratos foi garantida pelo governo cubano por meio do Banco Nacional Cubano (BNC). Num deles, é informado que o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (COFIG) “aprovou em 29 de janeiro de 2010 cobertura do Seguro de Crédito à Exportação com lastro no Fundo de Garantia às Exportações ao projeto Porto de Mariel”. No site do BNDES, a garantia informada sobre os empréstimos concedidos ao porto é “seguro de crédito/FGE”.

O Fundo de Garantia às Exportações (FGE) é formado com dinheiro do Tesouro Nacional e administrado pelo próprio BNDES. O comitê é composto apenas por integrantes do governo federal.
Procurada pelo GLOBO, a Odebrecht “lamentou o vazamento de informações” e reafirmou que a troca de mensagens apenas esclareceu o tema, para que “não prevalecesse informação incorreta”.

O BNDES, assim como o Palácio do Planalto, não responderam às questões encaminhadas pelo GLOBO. A assessoria da empreiteira informou apenas que os dados sobre a operação estavam disponíveis no site do banco.

As garantias quem dá não é Cuba. Quem dá a garantia é a empresa brasileira ao BNDES
Presidente Dilma No debate com Aécio Neves, sobre o financiamento do Porto de Mariel, em Cuba

‘Veja’: marqueteiro de Dilma é investigado pela Lava-Jato

• João Santana teria recebido dinheiro não declarado em contas no exterior

O Globo

-SÃO PAULO- João Santana, marqueteiro das campanhas de 2010 e 2014 da presidente Dilma Rousseff, está sob investigação da PF e do Ministério Público na Operação Lava-Jato, de acordo com reportagem da revista “Veja”. Santana teria recebido dinheiro não declarado por meio de contas no exterior.

Autoridades da Suíça, segundo a publicação, enviaram a investigadores brasileiros informações que apontam indícios de que dinheiro do esquema na Petrobras pagou, no exterior, despesas de campanha do PT. Conforme a revista, um investigador do caso, que não foi identificado, declarou que “nunca antes a Lava-Jato chegou tão perto do Palácio do Planalto”.

Em nota, o publicitário disse: “É fato notório — e por mim amplamente divulgado — que tenho, há vários anos, quatro empresas de marketing político no exterior”. Ele acrescentou que “desde o início, as atividades destas empresas foram informadas aos órgãos de fiscalização brasileiros, como manda a lei”, e que suas movimentações financeiras no exterior estão associadas, exclusivamente, a trabalhos realizados por estas empresas.

Duda Mendonça, outro marqueteiro de campanhas petistas, admitiu à CPI dos Correios que recebera no exterior pagamento por serviços prestados durante a eleição do ex-presidente Lula.

‘Época’: MPF aponta Lobão como elo entre esquemas

• Documento sobre propinas na Petrobras e na Eletronuclear cita senador do PMDB

- O Globo

-SÃO PAULO e BRASÍLIA - Documento enviado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal aponta o senador Edison Lobão (PMDB-MA) como o elo entre os esquemas de corrupção na Petrobras e na Eletronuclear. Os registros, que chegam a 62 páginas, foram revelados pela revista “Época”.

Um dos trechos diz: “Dentre os políticos do PMDB que obtiveram vantagens indevidas advindas da Eletronuclear e da Petrobras, com o aprofundamento das investigações, é possível apontar o ex-ministro de Minas e Energia (e senador) Edison Lobão como um dos vários pontos comuns (ápice da pirâmide no âmbito do Ministério das Minas e Energia) que formam uma área de intersecção crescente das duas investigações em andamento”.

Para chegar a essa conclusão, segundo a revista, a Procuradoria baseou-se, entre outras informações, em trechos da delação de Luiz Carlos Martins, funcionário da Camargo Corrêa. Além de Martins, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, outro delator, já havia falado sobre o pagamento de R$ 1 milhão a Lobão em um esquema envolvendo contratos de Angra 3.

O advogado do senador, Antonio Carlos de Almeida Castro, disse que a defesa está fazendo uma série de questionamentos sobre a validade das delações e que não faria comentário específico sobre o documento.

Nova etapa da Lava-Jato vai responsabilizar partidos

Lava Jato responsabilizará partidos na Justiça por corrupção na Petrobrás

• Procuradores da força-tarefa preparam ações cíveis para pedir a partir de 2016 o ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro de propina recebido por legendas, em especial PT PMDB e PP, acusadas de comandar o esquema na estatal

Por Fausto Macedo, Julia Affonso e Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

CURITIBA - A força-tarefa da Operação Lava Jato vai imputar aos partidos a responsabilidade pelo bilionário esquema de cartel e corrupção na Petrobrás a partir de 2016. Com pelo menos R$ 2,4 bilhões recuperados aos cofres públicos até aqui, resultado de mais de 30 acordos de delação premiada com os réus e três termos de leniência com empresas, o Ministério Público Federal traça as estratégias para buscar a condenação na Justiça Federal das legendas – e não apenas seus dirigentes.

As penas serão propostas em ações cíveis – até agora empresas apenas foram foram acionadas fora da área criminal – e representarão duro golpe à saúde financeira das agremiações. Além da devolução dos valores desviados da estatal – mais de R$ 20 bilhões, segundo os primeiros laudos – ao longo de 2004 e 2014 e de multas, partidos podem ficar sujeitos a retenção de valores dos fundos partidários e suspensão e cassação de registro da legenda.

“Vamos entrar com uma ação cível pública contra os partidos que participaram dos crimes, que aturaram para que os benefícios de recursos acontecessem e se beneficiaram dele”, afirmou o procurador da República Deltan Dellagnol, da força-tarefa. “Estamos caminhando na Lava Jato por etapas porque temos um mar de informações e evidências. É como se fossem frutos de uma árvores, nós colhemos quando eles ficam maduros. A ação dos partidos ainda está amadurecendo.”

Leis. Um dos maiores riscos para os partidos está na aprovação de um projeto de lei que trata especificamente do tema partidos, proposto pelo MPF, dentro do pacote de 10 Medidas Anticorrupção, lançado em março deste ano e em fase de coleta de assinaturas – serão necessários 1,5 milhão para apresentação ao Congresso.

O item 8 do pacote prevê a aprovação de um projeto de lei de iniciativa popular que trata da responsabilização dos partidos políticos e da criminalização do caixa 2. “A medida é importante porque, até então, apenas os dirigentes (pessoas físicas) respondiam por eventuais crimes cometidos em benefício do partido. No mesmo sentido, propomos a criminalização do caixa 2, inclusive para as pessoas físicas diretamente envolvidas na movimentação e utilização desses recursos. A pena é de reclusão de 4 a 5 anos”, informa o MPF, em sua justificativa do anteprojeto.

“O que a medida 8 faz é prever o crime de caixa 2 eleitoral para desincentivar a prática por empresários e por políticos e partidos. Nessa mesma medida é criada a lavagem de dinheiro eleitoral para punir pessoas.”

Sem uma legislação regulamentada específica que responsabilize os partidos, como pessoa jurídica – como se fosse uma empresa -, por causa dos atos de corrupção, outro item previsto é o que responsabiliza as agremiações partidárias por envolvimento com ato de corrupção. As siglas poderão ser responsabilizados com multa ou até cancelamento do registro — nos casos de condutas de responsabilidade do diretório nacional. As multas propostas são entre 10% e 40% dos repasses do Fundo Partidário relativos ao exercício no qual ocorreu o ato. Podem ainda ser suspensos do recebimento de repasses do fundo ou ter o registro cancelado.

“O objetivo é espelhar nas agremiações partidárias exigências feitas para quaisquer pessoas jurídicas”, explica o procurador da Lava Jato. Atualmente, a legislação de combate à corrupção de 2013 abriu a possibilidade de impor penalidades para empresas por envolvimento em atos de corrupção, mas deixa uma brecha de como isso ocorre na prática, quando os alvos são partidos. É que as penalidades previstas no regramento jurídico são medidas como multa sobre o faturamento do último ano e proibição de contratação com o poder público.

O problema é que partidos não têm faturamento, nem contratam com o poder público. “Então nós (MPF) criamos previsões para que se possa ter penalidades aplicáveis aos partidos envolvidos com atos de corrupção, como retenção de parte do fundo partidária até a suspensão ou mesmo a cassação do registro do partido.”

Base aliada. O avanço da Lava Jato contra os partidos atinge, em especial, a base aliada do governo Dilma Rousseff. Em pouco mais de um ano e meio, a força-tarefa comprovou – nos processos criminais em Curitiba, sob a guarda do juiz federal Sérgio Moro – que PT, PMDB e PP controlavam um esquema de fatiamento de postos estratégicos da Petrobrás.

Através dessas diretorias da Petrobrás, empresários e políticos sistematizaram uma sofisticada estrutura de desvios em contratos, cobrança de propinas e lavagem de dinheiro que abasteceu cofres das legendas de maneira oficial. Para isso, foram usadas doações eleitorais e partidárias oficiais e feitas por caixa-2, sustenta o MPF. A lista inclui legendas da situação e também oposição – apesar do controle governista do esquema. Os partidos têm negado envolvimento em irregularidades.

No organograma da organização criminosa alvo da Lava Jato, PT, PMDB e PP dividiram três áreas estratégicas da Petrobrás. Nessas diretorias estavam concentrados os grandes investimentos, como obras de refinarias e o projeto de nacionalização das plataformas e navios-sonda, nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010).

O valor da propina era, em média, de 1% do valor dos contratos e seus aditivos, sendo dividido entre executivos da Petrobrás, operadores financeiros e políticos e partidos.

A Diretoria de Abastecimento, responsável pelas obra de refinarias e dos complexos petroquímicos, o controle era do PP, no início, e depois de 2007 compartilhado como o PMDB, sustenta a força-tarefa da Lava Jato, em ações já revertidas em condenação. O PMDB comandava ainda a Diretoria de Internacional – área que realizado o mais ruidoso episódio dos escândalos na Petrobrás, a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

“Já no caso da Diretoria de Serviços, o valor da propina girava, em regra, em torno de 1% a 2%”, diz o MPF. “Sendo também dividido entre integrantes dessa diretoria, operadores financeiros e políticos do Partido dos Trabalhadores (PT)”, sustenta o MPF em suas ações.

Fruto dos desdobramentos do processo do mensalão, envolvendo o esquema de lavagem de dinheiro usado pelo ex-líder do PP José Janene (PP-PR) – morto em 2010 – para ocultar sua propina do caso, as investigações da Lava Jato tiveram como primeiro foco de devassa a Diretoria de Abastecimento. Duas das principais obras investigadas nessa etapa foram a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e as obras de modernização e ampliação da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Curitiba.

Com os dois maiores e mais influentes partidos do esquema, PT e PMDB, fora da mira da Lava Jato, em um primeiro momento, investigadores da força-tarefa conseguiram consolidar provas suficientes, no decorrer de 2014, com foco na cota do PP na Petrobrás, para demonstrar em juízo a ocultação de valores nos caixas das agremiações. Em conluio com empreiteiras cartelizadas, os políticos das três legendas da base do governo Dilma teriam montado o maior esquema já descoberto de contabilidade paralela de partidos e de ocultação de propinas em forma de doações e contribuições oficiais.

Comprovação. Em 2015, já com esforços concentrados nos esquemas de desvios do PT e do PMDB, nas diretorias de Serviços e Internacional da Petrobrás, a Lava Jato colheu seus primeiros frutos com as condenações do juiz federal Sérgio Moro – da 13ª Vara Federal em Curitiba – de nomes como o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto e o ex-diretor Renato Duque (Serviços) – apadrinhado do ex-ministro José Dirceu.

A Lava Jato tem documentos como os entregues pelo empresário Augusto Ribeiro Mendonça, dono do grupo Setal, em sua delação, que ajudaram a comprovar o caminho do dinheiro que chegou aos cofres do partido, via Vaccari. Foram R$ 4 milhões arrecadados em doações oficiais ao partido e anúncios pagos em editora ligada à legenda, que eram fruto de corrupção em quatro contratos da estatal.

A confissão de um dos líderes do cartel que fatiava obras na Petrobrás, o dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, foi decisivo na consolidação da acusação de que doações legais e ilegais aos partidos e candidatos ocultaram propina.

“As doações políticas propiciam maior acesso aos tomadores de decisões, facilitando acesso mais rápido aos seus objetivos e interesses de uma maneira mais eficaz e célere”, afirmou Pessoa.

A comprovação na Justiça Federal de que a propina desviada da Petrobrás abasteceu os caixas dos partidos – não só os que Comandavam o esquema, mas outros como o PSB, PTB e até o PSDB – será um trunfo do MPF, na busca pelo ressarcimento aos cofres públicos, a partir do próximo ano. “A condenação reflete a existência de amplas provas, que serão usadas na área cível para obter uma condenação nessa área, como já obtivemos na criminal”, afirma Dellagnol.

Ibope indica que PT é hoje o partido com maior rejeição

• Legenda tem 38% de rejeição, contra 8% do PSDB; desgaste do PT aumentou após protestos de 2013

Ibope indica aumento da rejeição ao PT

• Dos entrevistados, 38% apontaram a legenda como aquela de que menos gostam; no outro extremo, 12% indicaram a sigla como a preferida

Daniel Bramatti, José Roberto de Toledo - O Estado de S. Paulo

Ocupante da Presidência da República desde o início de 2003, o PT é hoje o partido com maior rejeição no Brasil, segundo pesquisa Ibope feita na segunda quinzena de outubro. Do total de entrevistados, 38% apontaram a legenda de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff como aquela de que menos gostam. No outro extremo, 12% indicaram o PT como partido preferido – ou seja, para cada petista, há cerca de três antipetistas no País.

No ranking da rejeição, o PT não apenas está em primeiro lugar, mas é o líder disparado. Em distante segundo lugar, com 30 pontos porcentuais a menos, está o PSDB (8% de rejeição). O PMDB, com 6%, aparece em empate técnico, também na segunda colocação.

É a primeira vez que o Ibope mede a rejeição às legendas com uma pergunta específica (“de qual desses partidos você gosta menos?”). Não é possível, portanto, saber se a onda antipetista está em seu ápice. Mas há indícios de que essa tendência no eleitorado se fortaleceu desde o ano passado.

Em outubro de 2014, pouco antes da eleição presidencial vencida por Dilma, o PT tinha uma imagem “favorável” ou “muito favorável” para 41% dos eleitores, também segundo o Ibope. Outros 46% viam o partido de forma “desfavorável” ou “muito desfavorável”. De lá para cá, a parcela com opinião contrária ao PT cresceu para 70%, enquanto os favoráveis se reduziram a apenas 23%.

Outro indicador do desgaste dos petistas é a evolução da taxa de preferência pela sigla. Em abril de 2013, pouco antes da onda de manifestações de protesto pelo País, o PT era o partido preferido de 36% da população – o melhor resultado para a legenda em uma década.

Mas os protestos de rua provocaram mudanças significativas na opinião pública: em julho de 2013, a taxa de preferência pelo PT já havia caído para apenas 22%.
Desde então, apesar de ter vencido a eleição presidencial de 2014, o partido foi associado a novos episódios de desgaste, entre eles o agravamento da crise econômica e o escândalo de corrupção na Petrobrás, investigado pela Operação Lava Jato.

O PSDB, partido que disputou com Lula e Dilma os segundos turnos das quatro últimas quatro eleições presidenciais, não se beneficiou diretamente da queda de popularidade de seu principal adversário.

Os tucanos também têm hoje uma imagem pior do que de outubro de 2014. Na época, segundo o Ibope, a soma de opiniões “desfavoráveis” e “muito desfavoráveis” sobre a sigla chegava a 45%. Atualmente, atinge 50%.

Por outro lado, no ranking da preferência partidária, é a primeira vez que o PSDB empata tecnicamente com o PT no primeiro lugar – mas o fenômeno se explica mais pela queda dos petistas que pela ascensão dos tucanos.

Geografia. A rejeição ao PT é maior na região Sul, onde 46% dos entrevistados apontam a legenda como aquela de que menos gostam – taxa oito pontos porcentuais superior à média nacional. Também se concentra nos setores mais escolarizados e de renda mais alta.

Entre os eleitores com curso superior, a taxa de rejeição ao partido chega a 50%, mas cai para 28% entre os que estudaram até a quarta série. Na divisão do eleitorado por renda, o PT é o mais rejeitado por 46% dos que ganham mais de cinco salários mínimos, e por 28% dos que recebem até um salário mínimo.

O partido também sofre maior rejeição entre os mais jovens (43% na faixa de 16 a 24 anos) que entre os mais velhos (33% entre aqueles com 55 anos ou mais).

O Ibope ouviu 2.002 pessoas em 140 municípios do País entre os dias 17 e 21 de outubro. A margem de erro estimada é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos.

Para PT, investida é uma tentativa de inviabilizar a legenda

• Petistas falam em 'conspiração das elites' e 'judicialização da política' e já ensaiam uma defesa prévia

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

O PT foi pego de surpresa pela notícia de que a força-tarefa da Lava Jato vai acionar o partido para reaver valores desviados da Petrobrás. Em conversas reservadas, dirigentes da legenda avaliaram a decisão como uma tentativa de inviabilizar a sigla pela via financeira e, assim, eliminar o PT do cenário político brasileiro de uma vez por todas.

Petistas falam em “conspiração das elites” e “judicialização da política” e, embora não esperassem para agora uma ação do Ministério Público Federal, já ensaiam uma defesa prévia.

Segundo dirigentes petistas, o partido pode argumentar que o recebimento de valores desviados da Petrobrás não foi submetido a nenhuma das instâncias partidárias e, portanto, caso se confirmem as denúncias, qualquer desvio seria uma ação isolada.

O roteiro segue o que foi adotado no processo do mensalão, quando o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro Delúbio Soares foram condenados mas o partido foi poupado.

A estratégia, no entanto, esbarra na atuação do ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso e condenado em primeira instância. Petistas veem em Vaccari uma diferença crucial em relação a Delúbio. Ao contrário do antecessor, que privilegiava o grupo majoritário, ao qual pertencia, Vaccari irrigava campanhas de candidatos de diversas correntes internas.

Na sexta-feira a alta cúpula do PT participou de um aniversário simbólico de Vaccari, em São Paulo. O evento foi fechado à imprensa. Apesar da solidariedade ao companheiro preso, petistas estão apreensivos.

O motivo é um texto publicado dez dias atrás por uma filha do ex-tesoureiro no qual ela diz que o pai, em hipótese alguma, faria uma delação premiada. O texto foi interpretado por parte da direção petista como um recado ao partido.

‘Doações políticas são feitas para que se obtenha uma vantagem’, diz dono da UTC

• Ricardo Pessoa afirmou em delação premiada que sua empresa dobrou as doações, atingindo os R$ 54 milhões, como estratégia para 'aumento de volume de negócios'

Por Fausto Macedo, Julia Affonso e Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

“As doações políticas são feitas para que se obtenha uma vantagem, seja ele devida ou indevida, seja para que partido for.” A delação premiada do dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, deu aos investigadores da Lava Jato a confissão de um dos principais membros ativos da corrupção na Petrobrás, via doações eleitorais a candidatos e partidos em troca de “benesses” nos governos.

Pessoa disse que a UTC doou nas eleições de 2014 o total de R$ 54 milhões em repasses oficiais a candidatos e partidos. “Esse valor doado em 2014 foi atípico, ‘o maior de todos’, visto que a UTC costumava fazer doações políticas na ordem de R$ 20 milhões”, contou o empreiteiro, em depoimento a força-tarefa da Lava Jato.

Um dos coordenadores do cartel de empreiteiras acusado na Lava Jato, Pessoa revelou que o “incremento no valor deveu-se a uma estratégia da UTC em ampliar a sua área de relacionamento, visando o aumento de volume de negócios da empresa”.

No caso das doações feitas para candidatos a deputado e senador, “o interesse da UTC é acompanhar e influenciar a agenda legislativa”. “As doações políticas propiciam maior acesso aos tomadores de decisões, facilitando acesso mais rápido aos seus objetivos e interesses de uma maneira mais eficaz e célere”

No melhor exemplo que as doações podem servir a interesses econômicos e não políticos ou partidários, o dono da UTC citou doações que fez ao candidato Paulo da Força (PDT-SP), de olho na atuação sindical deste nas obras da Usina Hidrelétrica São Manoel, bem como as doações para o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) – condenado no mensalão – por sua “grande relevância” no Ministério dos Transportes.

A força-tarefa quis saber qual a relação entre o aumento de doações é os novos negócios e o delator explicou que “o relacionamento com autoridades eleitas propicia a abertura de potas para que você tinha legitimidade para propor e discutir oportunidade de negócios.

“Nunca foi pedido nada em troca, mas as doações abriram portas de acesso e colocavam a UTC em uma composição de destaque.” Segundo Pessoa, “os candidatos em geral sabiam que em futuras eleições o apoio do declarante seria importante e isto fazia com que ele tivesse uma forma de ‘poder'”.

Amigo de Lula intermediou encontro com Palocci, diz lobista

Graciliano Rocha, Bela Megale – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Na acareação com Paulo Roberto Costa, na sede da Polícia Federal em Curitiba, o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, disse que foi o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do então presidente Lula, que marcou um encontro entre Costa e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho durante a campanha de 2010.

Trata-se de um novo ingrediente para a intrincada narrativa de um suposto repasse clandestino de R$ 2 milhões do petrolão à campanha da candidata Dilma Rousseff.

No final do primeiro semestre de 2010, Palocci já era um dos "três porquinhos" –como ficou conhecido o trio formado ainda por José Eduardo Cardozo e José Eduardo Dutra, que tomaria as decisões estratégicas da campanha da escolhida de Lula.

Na acareação da última quinta (5), que durou dez horas, Paulo Roberto Costa negou a existência da reunião com Palocci da qual Baiano disse ter participado e apresentou uma série de detalhes.

Baiano manteve a versão de acompanhou Costa no encontro com Palocci para pedir apoio à permanência à frente da diretoria de Abastecimento da Petrobras. Pela narrativa de Baiano, os dois se hospedaram no hotel Meliá ou Naoum, em Brasília e foram em um Corolla preto ao encontro de Palocci em uma casa próxima ao lago Paranoá. Baiano não soube explicar a localização exata do imóvel.

Segundo ele, tratava-se de um imóvel residencial com uma sala de paredes azuis e os dois foram levados a um escritório onde esperaram a chegada de Palocci. Dez minutos depois, o então homem-forte da campanha presidencial da escolhida de Lula teria chegado.

Baiano diz que, depois de algumas amenidades, Costa foi direto ao assunto: pedir o apoio de Palocci para continuar no comando da diretoria de Abastecimento.

O então diretor, sempre segundo Baiano, teria dito que divergências no PP - partido que o indicara - e a difícil relação com Dilma Rousseff, que presidira o conselho de administração da Petrobras, ameaçavam sua permanência no cargo.

Palocci, na versão do lobista, teria tranquilizado Costa, afirmando que, não estavam sendo discutidas nas diretorias da Petrobras e que ele era muito bem avaliado pelo desempenho à frente da área de abastecimento.

Paulo Roberto Costa voltou a negar categoricamente que a reunião descrita com Baiano tenha ocorrido, mas voltou a confirmar a existência de um pedido de R$ 2 milhões, entregues pelo doleiro Alberto Youssef, a um emissário do ex-ministro, em um hotel em São Paulo.

Baiano foi o primeiro delator a levar a Lava Jato ao encalço de Bumlai, um pecuarista do Mato Grosso do Sul que se aproximou de Lula durante a campanha de 2002 e que se tornou companheiro frequente de churrascos e pescarias presidenciais.

Em depoimento anterior da delação premiada, o lobista afirmou que Bumlai acertou pagamento de 5 milhões de dólares em propina, pagos pelo Grupo Schahin, em troca de contrato de operação do navio-sonda Vitória 10.000.

Propina do PMDB
Em outro impasse importante da acareação, Costa confirmou que Baiano atuou como operador do PMDB no pagamento de propinas geradas por contratos da Diretoria de Abastecimento.

O lobista refutou que ocupasse o papel de intermediário dos pagamentos a peemedebistas fora dos contratos da diretoria internacional - um feudo do partido.
Baiano disse que ajudou a garantir apoio do PMDB à permanência de Costa no cargo em 2006, chegando a se reunir com o deputado Aníbal Ferreira Gomes (PMDB-CE).

Na versão do lobista, houve confusão porque o deputado do PMDB queria que as empreiteiras começassem a fazer pagamentos imediados das obras em andamento quando o combinado, segundo ele, teria sido os repasses somente em relação a novas obras. Aníbal é investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Na acareação, Baiano voltou a contar que o o esquema de corrupção na área internacional da Petrobras começou em 2006, com o ex-diretor Nestor Cerveró, e envolveu os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Delcídio Amaral (PT-MS), Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-ministro Silas Rondeau, que, após o mensalão, substituiu a então ministra Dilma Rousseff no cargo.

Outro ponto abordado pelos investigadores foi o papel de Otávio Marques de Azevedo, principal executivo da Andrade Gutierrez, no pagamento de propinas.

Tanto Costa como Baiano relataram episódios de encontros ou conversas com o então presidente da holding, que está preso desde junho, sobre um projeto de uma planta de produção de coque verde na Arábia Saudita, mas negaram ter tratado de propina com ele.

Baiano relatou que fora procurado por Alberto Youssef para conseguir uma doação R$ 1,5 milhão da Andrade Gutierrez ao PP. O lobista diz ter se encontrado com Azevedo. O empreiteiro teria dito que um conselho da empresa examinaria estes pedidos, mas nunca deu retorno.

Outro lado
Em nota, a assessoria do ex-ministro Antonio Palocci negou que ele tenha se reunido com Fernando Soares ou feito pedido a Costa.

Em ocasiões anteriores, os senadores Renan Calheiros, Jader Barbalho, Delcídio Amaral e o deputado Aníbal Ferreira Gomes negaram ter recebido repasses de propina de empreiteiras por contratos com a Petrobras.

TSE está apto a julgar cassação, diz Gilmar Mendes

Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não terá problemas para enfrentar a cassação da presidente Dilma Rousseff caso seja comprovado que houve abuso de poder econômico e político nas eleições de 2014.

A afirmação é do vice-presidente do tribunal e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, 59, que acabou preterido da relatoria de uma das quatro ações em discussão na corte. "Não é nada desejável, mas se houver elementos, o tribunal poderá se pronunciar sobre isso, como tem se pronunciado em casos de senador, deputado, prefeito e vereador."

Sobre a Lava Jato, o ministro defende que é preciso desvendar o comando do esquema e lembra que Dilma ocupou cargos relevantes durante o desenrolar das práticas criminosas na Petrobras.

"Sabemos que isso não se desenvolveu por geração espontânea e ela estava em funções-chave desde o Ministério Minas e Energia, Casa Civil e Presidência. Tem ela condições de continuar a governar?", questiona.

Dilma tem condições de chegar ao fim do mandato?

Temos muitas discussões abertas, como o impeachment, processos na Justiça Eleitoral, mas estamos numa situação muito difícil. É preciso encontrar o encaminhamento institucional e não podemos esquecer que, ao lado da grave crise política temos a crise econômica, que exige medidas de quem tem legitimidade, credibilidade e autoridade. Esses são elementos que estão em falta no mercado político.

Renúncia seria o caminho?

Não vou emitir juízo de valor, mas estou convencido de que é muito difícil chegarmos a 2018 com esse quadro de definhamento econômico.

As investigações de corrupção chegando perto do ex-presidente Lula agravam o cenário?

Não se estrutura um sistema dessa dimensão sem a participação de atores políticos importantes. Tanto é que eu brinquei: esse enredo não entra na Sapucaí, é preciso que ele seja completado. Todos nós que temos experiência na vida pública não imaginamos que um deputado vá à Petrobras e consiga levantar recursos. É preciso outro tipo de arranjo.

Dois delatores disseram acreditar que Lula e Dilma sabiam do esquema...

Não vou fazer juízo, mas não acredito que isso nasceu por ação espontânea de parlamentares que foram à Petrobras, Eletrobras, Eletronuclear e decidiram fazer lá um tipo de partido.

O presidente da Câmara é investigado por manter contas no exterior. Diante dessa situação, Eduardo Cunha deveria se afastar do cargo?

A gente tende a falar mal dos nossos políticos, mas, ao longo dos anos, logramos desenvolver uma classe política muito hábil, que propiciou desdobramentos históricos interessantes, como a transição do regime militar para o modelo de 1988. Espero que o segmento político se inspire nesses exemplos para encaminhar soluções adequadas.

Se o Supremo aceitar a denúncia, Cunha deveria se afastar automaticamente?

Não gostaria de emitir juízo de valor.

Alguns deputados questionam a legitimidade de Cunha para avaliar um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

É uma questão interna do Congresso. Mas, por esse argumento, quem ainda poderia tomar alguma decisão? O que se diz é que não há nenhuma prova contra a presidente, mas nós sabemos que isso não se desenvolveu por geração espontânea, e ela estava em funções-chave desde o Ministério de Minas e Energia, Casa Civil e Presidência. Tem ela também condições de continuar a governar?

O PT apresentou um parecer do jurista Dalmo Dallari em que ele diz que o TSE não tem competência para cassar mandato de presidente. O senhor concorda?

Eu acho que nem o Dalmo nem o PT acreditam nesse parecer. Isso não tem o menor cabimento. Nunca se questionou a competência da Justiça Eleitoral. É como dizer que o presidente não esteja submetido às regras básicas de uma campanha limpa.

O senhor reclamou que o TSE estava muito acostumado a chancelar coisas do Executivo. Isso mudou?

O tribunal foi vacilante na campanha presidencial de 2014. O abuso geral da campanha era muito difícil de ser coibido, aumento de Bolsa Família em março, quem impugna esse tipo de questão? O Ministério Público talvez pudesse ter sido ator mais presente. Pelo menos na Justiça Eleitoral, parecia meio cooptado. Acredito que já vivemos um novo momento.

Não teria problema de enfrentar cassação de presidente?

Não. Não é nada desejável, mas, se houver elementos, o tribunal poderá se pronunciar sobre isso, como tem se pronunciado em outros casos de senador, deputado, prefeito e vereador.

Como o senhor recebeu a decisão de que a ministra Maria Thereza de Assis Moura foi mantida na relatoria de uma das ações de cassação?

É uma decisão normal, uma das possibilidades. O processo estará em boas mãos.

Estados são acusados de driblar lei federal para pagar dívidas

• Verba que deveria quitar precatórios vai até para salários

Prática é questionada no STF pela Procuradoria-Geral da República, OAB e associação de juízes

Pelo menos oito estados, incluindo o Rio, são acusados de usar indevidamente recursos depositados na Justiça para tapar buracos no orçamento. No centro da polêmica, que já chegou ao STF, estão R$ 127 bilhões em depósitos judiciais em geral, conta SILVIA AMORIM. O Congresso permitiu que parte dessa verba quitasse precatórios (dívidas de estados com cidadãos e empresas), mas o dinheiro foi usado até para pagar a servidores.

Caixa com chapéu alheio

• Estados estão usando bilhões vindos de depósitos judiciais para pôr seus orçamentos no azul

Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO- Governadores têm pegado carona numa lei aprovada pelo Congresso este ano e replicado nos estados regras mais permissivas para abocanhar recursos de uma conta em poder da Justiça avaliada em R$ 127 bilhões. São depósitos judiciais que, nos últimos meses, diante da crise financeira que assola o país, viraram alvo de uma corrida dos governos para tapar buracos nos orçamentos estaduais de 2015. Pelo menos, oito estados aprovaram leis que estão sendo acusadas de driblar a legislação federal e aumentar a transferência de recursos para seus caixas. Em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, essas iniciativas já resultaram em transferência de R$ 10,5 bilhões de depósitos judiciais para os cofres estaduais.

Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí e Sergipe também criaram regras próprias para usar os recursos. Todos os oito estados estão sob a suspeita de uso abusivo desses depósitos. A Procuradoria-Geral da República (PGR), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) acusam os governos no Supremo Tribunal Federal (STF) de extrapolar os limites impostos por lei federal, chegando a permitir que esses recursos — que deveriam ir para o pagamento de precatórios, dívidas que o poder público tem com cidadãos ou empresas por determinação da Justiça — sejam gastos com salários de servidores, cobertura de rombo da Previdência e despesas gerais dos governos estaduais.

O Rio Grande do Sul, que vive uma das maiores crises fiscais do país, destinou R$ 1,8 bilhão que recebeu este ano para o custeio do governo. Minas Gerais, que resgatou R$ 2 bilhões desde março, está pagando despesas com a Previdência. O mesmo está sendo feito pelo Rio de Janeiro, que recebeu R$ 6,7 bilhões até agora.

Os demais estados não informaram quanto receberam da “poupança” generosa administrada pelos Tribunais de Justiça estaduais. Mas a destinação dos recursos está decidida. Em Sergipe, uma lei de agosto determina não haver “ordem de preferência” para o uso desse dinheiro. O governo tem dito que vai usá-lo para quitar salário de servidores. O estado passa também por uma crise, e a primeira tentativa de transferência de depósitos para o Tesouro sergipano foi marcada por uma trapalhada. Cerca de R$ 147 milhões entraram na conta do governo, mas tiveram que ser devolvidos porque eram de uma outra conta da Justiça que não a de depósitos judiciais.

Equilibrar as contas da Previdência e bancar as despesas com Saúde são a intenção do Ceará para a sua cota de depósitos judiciais. Já a Paraíba pretende usar o dinheiro como garantia para parcerias público-privadas, contrapartidas para convênios federais e investimentos.

CNJ emitiu alerta
Depósito judicial é todo dinheiro depositado em juízo por pessoas, empresas, entidades e poder público. Ele serve para custear o processo e indenizar o vencedor da causa após o trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso). Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o total de depósitos judiciais nos tribunais estaduais é de cerca de R$ 127 bilhões. Preocupado, o CNJ divulgou no último dia 29 um alerta aos tribunais para que observem a regra de preferência dos precatórios para a transferência dos depósitos.

— Essas leis estaduais são draconianas. Passou um boi no Congresso, e agora os governadores querem passar uma boiada nos estados — afirmou o coordenador de Justiça estadual da AMB, Gervásio Santos.

O interesse dos governadores sobre essa conta bilionária cresceu depois que o Congresso aprovou no primeiro semestre a Lei Complementar 151. Ela permite a governadores e prefeitos sacarem até 70% de um tipo específico de depósito judicial (aqueles em que estado e município são parte da ação) para o pagamento de precatórios. Os outros 30% devem permanecer intocáveis num fundo de reserva. Para as administrações que estiverem em dia com precatórios, a lei libera o uso para pagar dívida pública ou fazer investimentos.

A maioria dos estados não se encaixa nessa situação saudável. Mesmo assim, governadores elaboraram leis para ajustar a chegada desses recursos às necessidades imediatas de caixa. A destinação do dinheiro para despesas que extrapolam o pagamento de precatórios é apenas um dos problemas apontados nas ações no Supremo. A PGR, por exemplo, defende que essas leis estaduais são inconstitucionais, porque estados não poderiam legislar sobre Direito processual.

Em algumas ações, a AMB e a OAB destacam como ilegalidade a transferência para os cofres públicos de depósitos judiciais referentes a ações envolvendo entes privados e que nada têm a ver com o Estado. Elas são a maior parte dos R$ 127 bilhões. É o caso de Minas, Sergipe, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Sul. Como a lei federal não trata desse tipo de depósito, os governadores viram uma brecha para aumentar os recursos a serem transferidos.

— A forma como eles estão se apropriando desses recursos compromete a segurança jurídica. Tem que haver garantias claras de que não faltarão recursos para o pagamento das partes dos processos e que os valores transferidos irão para precatórios — disse o presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB, Marco Antonio Innocenti.

O pano de fundo para essa corrida por recursos é a crise fiscal decorrente da crise econômica. No mês passado, O GLOBO mostrou que 11 estados decidiram aumentar impostos. Mas esses recursos vão entrar no Tesouro apenas em 2016. Os governadores precisam colocar as contas de 2015 no azul.

No último mês, dois ministros da Corte suspenderam, em caráter liminar, as transferências de depósitos para Minas Gerais e Paraíba até o julgamento da ação.

Estados justificam estratégia

• Governos defendem direito de legislar sobre uso de depósitos judiciais

- O Globo

-SÃO PAULO- Estados defenderam o direito de legislar sobre o uso dos depósitos judiciais e destacaram a crise econômica como principal razão para a busca dessa parcela de recursos sob gestão da Justiça. O GLOBO procurou os oito governos mencionados. Bahia, Ceará e Sergipe não se manifestaram. Minas Gerais, Piauí e Paraíba consideraram equivocadas as premissas das ações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam leis criadas para regulamentar a transferência de depósitos judiciais ao Tesouro estadual.

Minas recorreu de decisão
O governo de Minas considerou constitucional a aplicação dos recursos em Previdência. Ele também informou que recorreu da decisão do Supremo Tribunal Federal que bloqueou novas transferências aos cofres mineiros. “O Estado continuará defendendo nos autos a constitucionalidade da lei 21.720/15 e a consequente liberação de recursos de depósitos judiciais, em benefício do Tesouro estadual”, informou em nota.

O procurador-geral do Piauí, Plínio Clerton, disse que o governo segue rigorosamente o que determina a legislação federal quanto à aplicação em precatórios. Eles negam receber transferência de depósitos privados.

— Eles alegam que a lei estadual não tem previsão de devolução (dos recursos), e isso não corresponde à verdade, porque a nossa lei estabelece a devolução dentro do prazo de 48 horas — disse Clerton.

O procurador-geral da Paraíba, Gilberto Carneiro da Gama, também disse que os recursos são usados “majoritariamente para pagamentos de precatórios”. Segundo ele, o estado não chegou a receber o dinheiro porque o Supremo também suspendeu as transferências, assim como em Minas.

— Não há conflito com a lei federal e está dentro da competência dos estados de legislar — defendeu.

Ele aponta outros interesses para a disputa judicial envolvendo esses depósitos:

— Estudos revelam que esses recursos, da forma como estão sendo gerenciados, só beneficiam instituições financeiras que usam os mesmos recursos para fazer empréstimos aos estados a juros extorsivos.

Já o governo do Rio de Janeiro informou que a aplicação dos depósitos “tem amparo legal”. Segundo a administração, o estado conseguiu quitar toda a dívida de precatórios com transferências dos depósitos iniciadas em 2013. Neste ano, “o objetivo foi garantir o pagamento de inativos e pensionistas, por conta da crise econômica nacional”, justificou em nota.

No Rio Grande do Sul, a atual administração disse que a situação financeira do estado obriga o uso desses recursos para reduzir o déficit fiscal. O governo informou que a transferência de depósitos judiciais começou no governo Germano Rigotto e foi mantido pelos sucessores

Número de novos trabalhadores por conta própria triplica

Brasileiro busca saída por conta própria

• Recessão triplica número de novos trabalhadores autônomos. Até o fim de 2016, total deve crescer em 1,7 milhão

Daiane Costa - O Globo

A crise que afeta o emprego com carteira assinada está empurrando mais pessoas para o trabalho por conta própria. Nos 12 meses encerrados até agosto, o total de novos trabalhadores autônomos triplicou para 927 mil pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE. Nos 12 meses imediatamente anteriores, o acréscimo nesse grupo havia sido de 328 mil. Com isso, o país já conta com um contingente de 22,15 milhões de funcionários sem patrão.

Para especialistas, o aumento de trabalhadores por conta própria tende a avançar em ritmo ainda mais acelerado com a perspectiva de recessão prolongada. Projeção feita pelo economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, indica que até dezembro do ano que vem, 1,74 milhão de pessoas terão passado a trabalhar como autônomas, o que levará este grupo a atingir a marca de 23,5 milhões.

— Ainda deve haver alta no ano que vem, dado que será um novo ano de recessão, com queda de PIB em torno de 1,5% e aumento do desemprego — explica o economista.

Sem benefícios trabalhistas
A migração para esse tipo de emprego é típica de períodos de retração econômica, quando vagas com carteira são destruídas, explica a economista Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas. Nos 12 meses acumulados até agosto, o total de empregados com carteira caiu 3%, o equivalente a menos 1,1 milhão de pessoas sob a proteção dos direitos trabalhistas, segundo a Pnad.

— Houve uma explosão dos conta própria. São pessoas que perderam o emprego e não conseguiram se recolocar no mercado porque a geração de novos postos é inferior à demanda ou que se viram obrigadas a trabalhar para complementar a renda familiar. A tomada de decisão sobre a participação no mercado sempre é baseada na renda da família. Se ela cai, o jovem que só estudava e a dona de casa passam a ter de trabalhar — explica Silvia.

O coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, Cimar Azeredo, explica que a taxa de desemprego, de 8,7% em agosto, seria ainda maior caso não tivesse ocorrido esse aumento do trabalho por conta própria:

— Se a pessoa passa a fazer bico ou empreender, isso significa um a menos na fila do desemprego.

O contexto dessa migração, porém, não é favorável, pois ocorre por necessidade e não de forma planejada, avalia o sociólogo do trabalho e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Andre Gambier Campos:

— São pessoas que, de uma hora para a outra, acabam ficando sem benefícios como 13° salário, FGTS, férias, e deixam de ter uma jornada de trabalho definida e de contribuir com a Previdência.

Carlos Henrique Leite Corseuil, economista e diretor-adjunto de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, avalia que o país carece de inovação, e o movimento pode ter algum efeito favorável:

— Quanto mais gente experiente e com alta formação se aventurar nesse mercado, maiores as chances de vermos alguém criando algo novo no país.

Cálculos do Ipea mostram que o grau de informalidade no país chegou em junho a 44,67%, o maior patamar em um ano e meio. Isso significa que quase metade da população ocupada não conta com a proteção de leis trabalhistas. A maior parte desse contingente é formada por trabalhadores por conta própria, mas o dado inclui ainda os sem carteira e os sem remuneração.

Menos vagas, mais consultores
O trabalho sem patrão foi o caminho encontrado pelo engenheiro mecânico João Luis Serpa Rouede, de 48 anos. Depois de 14 anos de trabalho em uma multinacional do setor de bebidas, seu cargo foi extinto em fevereiro. Diante da oferta de vagas com salários inferiores ao que recebia, decidiu atuar como consultor independente:

— As empresas estão se aproveitando da crise para reduzir salários. A consultoria era um desejo antigo. Mas não estou fechado para o mundo corporativo. Minha renda caiu uns 30%. É questão de se readequar. Em vez de ir à Disney, a gente leva os filhos ao cinema para manter a escola, o plano de saúde e as despesas da casa.

Segundo Dino Mocsányi, diretor-geral da Academia de Consultores, que reúne mais de 36 mil profissionais, o número de associados cresceu 25% até outubro, impulsionado por profissionais com ensino superior, mais de 40 anos e desempregados.

— Promovemos entre seis e sete cursos de formação por ano. Em 2015, já estamos no décimo. Há muita gente com um ótimo currículo e sem emprego — diz Mocsányi.

O total de microempreendedores individuais (MEIs) — os conta própria formalizados — está crescendo desde 2014, segundo o Sebrae. Saltou de 3,8 milhões em janeiro daquele ano para 5,45 milhões em setembro último, o que significa alta de 43%, ou mais 1,64 milhão de MEIs.

— Quem se formaliza tem mais oportunidades de negócios porque, com o CNPJ e a emissão de nota fiscal, pode vender a pessoas jurídicas e participar de licitações. As pessoas passam a trabalhar por conta própria por necessidade ou oportunidade. O ideal é que seja por oportunidade. Nesse caso, você tem um tempo para trabalhar o plano de negócios, os passos da formalização e pensar na melhor forma de estruturar o negócio — explica Juliana Bastos Lohmann, analista do Sebrae.

Homem de 25 a 49 anos, a cara do desemprego

• Demissões atingem mais perfil típico do chefe de família. Cortes são maiores entre os que ganham de 2 a 5 salários mínimos

Geralda doca, Bárbara Nascimento - O Globo

Às vésperas de completar 40 anos, José Reginaldo Alves já se habituou a receber um não como resposta no ES forço cotidiano para ingressar no mercado de trabalho. Desde que foi dispensado por uma empresa agrícola, há dois anos, onde atuava como encarregado de pessoal, ele nunca mais conseguiu um emprego com carteira assinada. Para sustentar os três filhos, apelou para a informalidade e vive dos serviços que aparecem: um bico como motorista, ou uma ajuda na cooperativa próxima de sua casa, na zona rural de Brasília. Aos currículos entregues, a resposta é sempre a mesma.

— Nem entrevista estão fazendo. Eles dizem que não há vagas e que estão é demitindo. Há mais de dois anos não tenho registro na minha carteira, tenho que me virar com os bicos para completar a renda — conta Alves.

Esse relato reflete as estatísticas do mercado formal de trabalho, que entre janeiro e setembro já perdeu de 657.761 postos. As demissões estão atingindo mais os homens, com idade entre 25 e 49 anos, com ensino fundamental e que ganham entre dois e cinco salários mínimos. Nessa faixa etária, típica do chefe de família, foram registrados 803.606 desligamentos no período, mostra estudo realizado pelo site especializado Trabalho Hoje a pedido do GLOBO, com base nos cadastros do Ministério do Trabalho.

Até 24 anos, ainda há oportunidades
Separado e pai de três filhos — uma menina de 16 anos e dois rapazes, de 18 e 19 —, Alves deseja para eles um destino diferente, dentro da formalidade, com direitos assegurados. Sem a garantia de um salário no fim do mês, ter os mais velhos empregados daria um maior conforto à família. A boa notícia é que, se está difícil para os trabalhadores na faixa de Alves conseguirem uma colocação no mercado de trabalho, seus filhos podem ter mais chances. Esta é uma das conclusões do estudo.

Apesar de a taxa de desemprego entre os jovens ser elevada, a pesquisa mostra que esse é o único segmento que ainda encontra espaço no mercado de trabalho. Seja em vagas de menor aprendiz (entre 14 e 17 anos) ou em outras colocações, os jovens de até 24 anos não perderam empregos com a crise e ainda estão encontrando oportunidades de trabalho. Segundo o estudo, nos primeiros noves meses deste ano, foram criadas 391.740 vagas para jovens de até 24 anos.

O estudante Lucas Alves Mendes se mantém com um emprego de menor aprendiz que conseguiu há quase dois anos. Inscrito em um cadastro de pessoas à procura de emprego, ele não hesitou em aceitar a vaga em um cartório de registro de imóveis do Distrito Federal:

— Assim que fui chamado, ligaram informando que tinha surgido um estágio em uma empresa de engenharia, mas preferi o cartório. Nem fui lá fazer a entrevista.

Lucas trabalha no cartório como auxiliar no arquivo. No fim do ano, o rapaz conclui o ensino médio e planeja cursar Direito para aproveitar a experiência no cartório. Ele conta que, entre os colegas que procuravam uma vaga como jovem aprendiz, a maior parte conseguiu o posto sem grandes problemas. O que falta, segundo ele, é informação e esforço.

— Quem tem um bom encaminhamento e cursos no currículo, consegue ainda com facilidade uma vaga de jovem aprendiz — garante.

Curso superior: saldo positivo
A pesquisa coordenada por Rodolfo Torelly, especialista em mercado de trabalho, comparou a movimentação de admitidos e demitidos em 2015 com o estoque de 40,5 milhões de vínculos existentes em dezembro de 2014, tendo como fonte o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Também foram utilizados dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que contém informações mais abrangentes, como indicadores de idade, gênero, escolaridade e salário.

— O resultado mostra a onda de demissões provocada pela crise na economia, a substituição de salários maiores por mão de obra mais barata, ao mesmo tempo em que pessoas mais qualificadas estão sendo privilegiadas. Parece contraditório, mas não é — afirma Torelly.

De acordo com o estudo, o desemprego atingiu mais os trabalhadores com ensino fundamental completo, que perderam 416.440 postos no ano. As oportunidades para quem cursou o ensino médio também minguaram. Nessa faixa de escolaridade, foram perdidos 336.787 empregos. Já para quem tem curso superior, ainda que incompleto, foram abertos 23.644 postos de trabalho em 2015.

Graduada em Secretariado Executivo, Vailma Fernandes, de 30 anos, deixou há sete meses o emprego no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para se concentrar nos estudos, com o objetivo de fazer concurso para um emprego público. Com os concursos adiados, devido ao ajuste fiscal do governo, ela resolveu voltar ao mercado de trabalho, mas ainda não teve êxito.

— A crise está afetando as empresas, e elas estão mandando gente embora. A gente fica à mercê da economia em crise. Currículo a gente manda todo dia, mas não tem vaga mesmo — diz, desanimada.

O estudo elaborado pela equipe de Torelly mostrou ainda que trabalhadores com salário entre dois e cinco mínimos foram os mais afetados pelos cortes. Nesta faixa de renda, foram perdidos 524.212 empregos este ano. Entre os que ganham acima de cinco salários mínimos, os cortes somaram 153.817. Já na faixa de renda de até dois salários, a perda foi menor: 51.554 postos.

Em um recorte por gênero, o levantamento mostrou que todos perderam empregos, porém, os homens foram os mais afetados, com corte de 492.277 postos. As mulheres perderam 237.306 vagas.

A crise afetou fortemente o chão das fábricas: foram perdidos 287.503 postos na indústria. Mas, em termos relativos, os mais atingidos pelo desemprego são os trabalhadores da construção civil, onde os cortes chegaram a 206.017. Os empregados do comércio também estão sofrendo com a crise, pois o setor eliminou 256.040 postos. Já no caso de serviços, onde foram eliminadas 66.944 vagas no ano, o saldo corresponde a um recuo de 0,40% em relação ao estoque de 2014. A agropecuária é o único setor com desempenho positivo nos primeiros nove meses do ano: mais 91.929 empregos. Mas, como o setor entra no período de entressafra, deverá registrar perdas até dezembro.

Entre os estados, o desemprego está mais localizado em Alagoas, que registrou perda de 10,99% dos postos de trabalho. Rondônia vem em segundo, com redução de 9,89% dos empregos formais, e o Amapá em terceiro, com perda de 9,5% dos postos. O Rio aparece em 13º lugar no ranking dos estados que mais demitiram.

Merval Pereira: A longa jornada

- O Globo

Cedo hoje, com muito prazer, o espaço da coluna para minha amiga e colega da Academia Brasileira de Letras, escritora Nélida Piñon, dentro da campanha #AgoraÉQueSãoElas. Nélida, em 1996, foi a primeira mulher a presidir a ABL, justamente no seu centenário. Ninguém melhor, portanto, para dar testemunho dessa longa jornada das mulheres.

“No passado, ungida pelas tarefas domésticas, a mulher, já pelas manhãs, e até muito tarde, aproveitando a luz natural, ia bordando no tabuleiro sucessivas versões da história que os homens da casa lhe contavam, e que ela, sob o impulso de perplexa melancolia, reproduzia com fios coloridos e a cada movimento da agulha.

E enquanto levava ao forno uma torta infiltrada de essências orientais, mais viajadas que ela, redigia suas receitas com letra apaixonada e certo maneirismo literário. Na expectativa talvez de participar da poética da realidade e vir a ser lida um dia com o mesmo tremor e sensação de delícia que certos poemas lhe provocavam.

Com os séculos, ao já não lhe bastar a resignada placidez do lar, ou responder pela perpetuação da espécie, lutou ela por ser protagonista dos caprichos do cotidiano e do empolgante mistério da vida. Afinal, defrontada com os empecilhos sociais, sentia-se uma estrangeira incapaz de balbuciar as palavras de uma nova língua.

Após séculos de frustrações, exilada na casa, a mulher passou a engrossar a procissão dos aflitos. Nas ruas, nos escritórios, atrás do balcão, acuada pelo dever de escalar os ilusórios degraus do poder, sua consciência urgia por um decálogo que expressasse sua natureza profunda, e a orientasse quanto ao papel social a assumir. Enquanto temia que os avanços profissionais lhe roubassem preciosas conquistas afetivas.

Era mister, porém, enveredar pela linguagem da arte e imergir na própria memória milenar que abrigava mulheres lendárias que, a despeito do perene mutismo, cobravam o papel relevante que lhes era devido desde a fundação do mundo.

Tal memória, que enriqueceu a linguagem, habitou sempre a terra. Esteve na Bíblia, ressentiu-se com o Deus hebraico, que a dispensara como ativa interlocutora. Em Troia, com o astuto Ulisses. Sofreu com o descrédito que Apolo impingiu à Cassandra, a fim de suas profecias jamais serem acatadas. Recriminou a contraditória Artemis que cortava os cabelos rentes das donzelas na noite de núpcias, como sinal de que lhes extirpara qualquer traço de rebeldia. E na tenda de Júlio Cesar presenciou como ele, despojado da imortalidade, assumiu sua ambiguidade.

Uma memória, enfim, que arquivou as evidências do mundo milenar, o monoteísmo, a marcha das heterodoxias, o sagrado e o profano. E que nômade, no início, ocupou afinal os espaços da casa, de onde recolhia as sobras da história. Até tornar-se ela a matriz geradora da intriga narrativa, capaz de albergar a fala oral e as metáforas. Mas quanto mais esta memória encerravase nos limites do privado, sem participar do cotidiano vasto e complexo, melhor uso a mulher fazia dos subterfúgios, do simbólico. A ponto de se tornar alguém cujo mistério requeria decifração poética.

Alijada, porém, da cultura normativa, a mulher concebeu uma realidade que de fato lhe chegava pela metade. Como consequência, acumulou um saber clandestino de grande valia, do qual os narradores dependiam para se apossar dos personagens e frequentar o enigma literário.

Esta memória, de registro poético vedado, encontrase contudo nos livros que ela não escreveu. E isto porque os narradores, ao criarem, dependiam da matéria guardada no coração feminino, e que consistia nas confissões feitas no leito de morte, nas dores do parto, nos sentimentos universais, que só a mulher, na condição de mãe, amante, carpideira, saberia ditar.

É razoável, pois, afirmar que Homero, Dante, Shakespeare, Cervantes, Camões muito devem à mulher, coautora de suas obras.

Viva #AgoraÉQueSãoElas”.

Dora Kramer: Pé na estrada de 2016

- O Estado de S. Paulo

Consciente de que o PT provavelmente não fará para o cafezinho na eleição municipal e preocupado com sua periclitante situação pessoal, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva iniciou a campanha de 2016 com o propósito de evitar que os adversários lancem mão de seu espaço. Faz do ataque sua arma de defesa e tenta transformar a adversidade em vantagem.

“Não temo ser preso”, declara. Falácia. Seria a pá de cal no enterro da imagem do operário que ascendeu à Presidência para mudar “tudo isso que está aí”, incluindo o excesso de corrupção e a falta de ética na política.

Informa que poderá, sim, ser candidato a presidente em 2018. Bravata. As contas abertas na polícia e Justiça, mais a crescente rejeição do eleitorado e a constatação de que se tornou um homem rico com origem da fortuna questionada o impedem de ter certeza sobre o dia de amanhã, o que dirá sobre onde e como estará daqui a mais de dois anos.

Mas Lula precisa falar, porque é o que resta ao PT: atacar a tudo e a todos, mas se fazer de vítima de tudo e de todos. Fora isso, o partido tentará concentrar o debate em temas locais a fim de que a crise nacional não contamine as disputas municipais. Missão quase impossível.

Entre outros e conhecidos motivos porque seus principais adversários, PMDB e PSDB, vão explorar exatamente os aspectos de maior desgaste para o PT. A base do discurso dos pemedebistas _ ressalte-se, nas capitais e grandes cidades – será o documento lançado recentemente pelo partido, “Ponte para o futuro”, com propostas para a retomada do crescimento econômico. O PMDB não quer apenas se mostrar pronto a assumir o governo em caso de impedimento de Dilma Rousseff, mas apresentar suas credenciais à disputa de 2018.

Já os tucanos, no oficial trabalham pelo impeachment e no paralelo preferem que a presidente e o PT fiquem se arrastando exatamente onde estão para que o PSDB possa dizer ao eleitorado: “Nós tínhamos razão”. Uma referência à última eleição presidencial na perspectiva de dar o troco na próxima.

Cabeça de excelências. Em 2016, como de resto em todas as campanhas eleitorais, os políticos vão procurar demonstrar zelo pela vida do cidadão e preocupação com a solução dos problemas em suas cidades. O previsível discurso, contudo, não corresponde à prática.

Uma consulta feita pela empresa Mosaico – de pesquisa e consultoria – a cerca de 200 dos 513 deputados dos dez maiores partidos com representação na Câmara atesta a indiferença de suas excelências em relação a temas essenciais no cotidiano dos brasileiros. Poucos, menos de 10%, consideraram prioritárias as reformas trabalhista, tributária e da Previdência.

A que menos interesse desperta é a mudança nas relações trabalhistas: apenas 5,9% dos parlamentares consideram-na urgente. A ampliação da idade mínima para aposentadoria obteve o grau de urgência por parte de 6,7% dos deputados consultados, enquanto 7,6% deles conferem prioridade à reforma tributária.

A mesma pesquisa aponta que 56% acham que o ajuste fiscal é essencial para a retomada do crescimento econômico e 70% apostam que a CPMF será rejeitada.

Um recorte na consulta aos deputados do PT mostra que 79% da bancada acredita na aprovação do imposto do cheque; 88% não considera o corte de gastos públicos fundamental para o reequilíbrio econômico; 92% dos petistas são favoráveis a medidas de incentivo ao consumo e 79% pedem redução da taxa de juros já.

Em miúdos, nada mais contrário à orientação do ministério da Fazenda que a opinião dos deputados do PT.

Luiz Carlos Azedo: Efeitos colaterais

• Num regime presidencialista como o nosso, dificilmente haverá uma saída para a crise sem uma mudança de rumo no governo federal. Isso está mais do que claro para a sociedade

- Correio Braziliense

O Brasil não é para amadores, já dizia Tom Jobim. A situação atual corrobora bem a situação. Dilma Rousseff nunca foi política profissional, era um quadro da alta burocracia formada no caldo de cultura do castilhismo gaúcho, que aos poucos derivou do PDT para o PT, depois que Leonel Brizola foi ofuscado pela ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da eleição de 1989.

Com o declínio do trabalhismo, Dilma optou pelo petismo, mas no fundo de tudo isso estava uma visão utilitarista do populismo. Ex-militante da Var-Palmares, organização de ultraesquerda que participou da luta armada e foi desbaratada pela repressão do regime militar, foi presa e torturada. Aguentou o tranco e não entregou os companheiros. Isso lhe deu uma aura heróica, mas não lhe deu a astúcia e a sagacidade dos políticos profissionais.

No poder, porém, Dilma mostrou que sabe e gosta de mandar. Fala grosso com os subordinados, da passadeira aos generais. Gostou da cadeira para a qual foi eleita com apoio de Lula e se impôs perante ele no primeiro mandato. O “Volta, Lula!” fracassou porque Dilma disse ao ex-chefe que era candidata à reeleição e pagou para ver. Lula teve de engolir.

Lula acreditava que Dilma seria presidente da República de um só mandato. Não foi outro o motivo da escolha de seu nome para sucedê-lo, em detrimento de outros petistas do primeiro time que provaram ser bons de votos, como atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, eleito duas vezes governador da Bahia e muito bem-sucedido na própria sucessão.

A imagem de grande gestora que serviu de eixo para as candidaturas – eleição e reeleição – provou-se um produto de marketing. No começo, parecia que Dilma entendia do riscado. Com a reeleição também parecia que ela realmente havia se consolidado como liderança política com projeto próprio, seja pelo fato de que se impôs aos adversários, seja pela forma como anulou a influência de Lula na cúpula do governo ao montar o ministério do segundo mandato.

Tudo parecia desmentir o chiste de Tom Jobim em relação a ela. Passado um ano da eleição, porém, o cenário é dramático. Os melhores economistas do país são capazes de fazer bons diagnósticos, apontar os erros do governo e oferecer algumas alternativas, mas não são capazes de construir uma saída para a crise. Essa é a tarefa dos políticos profissionais.

Dilma deveria liderar o debate para isso, mas não consegue construir essa saída, por causa de suas concepções voluntaristas e do sistema de alianças que a elegeu. Dar um cavalo de pau exigiria uma mudança no eixo de alianças, deslocando PT, e o abandono de velhas ideias que caducaram faz tempo, menos na cabeça de Dilma e seus estado-maior.

Beco sem saída
Num regime presidencialista como o nosso, dificilmente haverá uma saída para a crise sem uma mudança de rumo no governo federal. Isso está mais do que claro para a sociedade, mas essa não é a compreensão dos políticos que ainda apoiam Dilma Rousseff. A maioria sempre foi fisiológica e patrimonialista na proporção da fraqueza do governo. E flerta com o populismo petista. Diante disso, como fazer um ajuste fiscal e aprovar reformas estruturais para reduzir o tamanho do Estado à dimensão que a sociedade suporta? Esse é o beco sem saída.

Mas o Brasil, como já se disse, não é para amadores. Nosso populismo nem de longe se equipara ao peronismo argentino, que é quase religioso entre os “descamisados”, ou ao bolivarianismo venezuelano, cujo eixo é a formação de milícias com características cada vez mais fascistas. Não há no Brasil líderes como Peron e Chávez. Getulio Vargas somente virou mito após o suicídio, em 1954, embora gozasse de enorme prestígio popular. Frustrou, assim, os que pretendiam destituí-lo. Mas já não estava vivo para evitar o golpe de 1964.

O líder político cujo prestígio popular mais se aproximou de Getulio Vargas foi o ex-presidente Lula, que desbancou João Goulart e Leonel Brizola. Mas nem de longe deixou um legado político da envergadura da Era Vargas, seja do ponto de vista da organização do Estado, seja do das conquistas sociais.

Um dos efeitos colaterais da crise atual, que fez da presidente Dilma a mais impopular dos presidentes desde a redemocratização do país, é a “desconstrução” da imagem de Lula. O governo atual lançou o país na maior recessão desde a crise mundial de 1929 e, com isso, destrói o legado social do petista. Sem ele, a imagem de Lula é corroída a cada escândalo envolvendo seus parentes, empresários amigos e políticos aliados

Eliane Cantanhêde: Arrastão familiar

- O Estado de S. Paulo

Ou jogaram diretamente, ou criaram as condições ou, no mínimo, fecharam os olhos quando um ou outro passou a tirar proveito da situação. Agora, não adianta por a culpa nos outros nem chorar sobre o leite derramado.

Em entrevista a Kennedy Alencar, do SBT, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva recorreu a uma imagem familiar ao afiançar que não sabia de nadica de nada do que se passava na Petrobrás: “O que as pessoas têm que compreender é o seguinte: quantas coisas acontecem dentro da sua casa, com seus filhos, que você não sabe? Quantas vezes acontece?”

Pode-se supor que ele não sabia que os filhos criaram nada mais nada menos que 17 empresas a partir do momento em que subiu a rampa do Planalto e sentiu o gosto do poder. Empreendedores esses meninos! Luis Cláudio, o caçula, é dono da LFT, que sofreu busca e apreensão da Polícia Federal, e ele já passou pelo constrangimento de depor na PF para explicar negócios com uma empresa de lobby para lá de enrolada na Operação Zelotes.

Isso foi uma surpresa. Até então, o alvo da curiosidade geral era Fábio Luis, o “Ronaldinho” da Gamecorp, como reconheceu Lula na entrevista: “Você acompanha a vida do meu filho Fábio. Acompanha na internet: ele tem avião, ele tem a torre Eiffel, ele tem a Casa Branca, ele tem todos os bois da Friboi. Você não sabe a quantidade de desmentido que é feita todo santo dia”.

Nem José Dirceu, escaldado pela investigação, pelo julgamento e pela condenação no mensalão, escapou de meter a mãe e a família no meio. Lá está ele de novo enrolado, agora com a Lava Jato, tendo de explicar a dinheirama para a casa de uma, para o apartamento de outra. Um homem com uma história cinematográfica como ele...

O ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa foi bem mais direto. Aproveitou-se da facilidade – falha de processos, fiscalização e responsabilização – , expandiu as tarefas para dentro de casa e transformou a família numa quadrilha com papéis bem definidos: a mulher era laranja das contas no exterior, as filhas fechavam os negócios com fornecedores da Petrobrás, os genros cuidavam da contabilidade. Agora, faz ares de arrependido.

Esse envolvimento familiar vale para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que abria uma empresa aqui, fechava ali, mudava para lá, trocava o nome de cá, sempre com a família de alguma forma envolvida. Hoje, chora as pitangas porque mulher, filha e filho estão com o nome na praça. Quanto mais ele tenta explicar, mais se enrola. Primeiro, diz que não mentiu ao negar que tivesse contas, porque essas contas não eram dele, eram de empresas. Ah, bem! Depois, saiu-se com essa da carne enlatada para a África. Ah, bem!

Cunha saca essas histórias fantasiosas para se defender no Conselho de Ética da Câmara, ocupar espaço na mídia e empurrar o desfecho – com provável condenação – para o mais distante possível em 2016. Mas se esquece de que esse é só um dos seus problemas, e nem é o maior. O principal problema de Cunha é na Justiça, que, ao julgar pessoas, passa a julgar também famílias inteiras.