domingo, 17 de janeiro de 2016

Miriam Leitão: Corte seletivo

- O Globo

Em época de penúria dos cofres públicos é que faz mais sentido se perguntar qual é o custo de cada decisão e para onde vai o dinheiro coletivo. Esta é a hora, portanto. Há muito imposto que sai dos nossos bolsos para benefícios que não fazem sentido. Uma cervejaria inscrita na dívida ativa do Rio ganha R$ 687,8 milhões, e o governo do Rio corta na merenda escolar. Faz sentido?

Quando há abundância de recursos, as pessoas às vezes nem se dão conta de certos absurdos. Quando o cinto aperta, talvez seja uma oportunidade de fazer perguntas simples: para onde vai o nosso dinheiro? Nós concordamos com a destinação?

A presidente Dilma disse que para “reequilibrar o Brasil é preciso aumentar impostos”. Discordo novamente da chefe de governo. Primeiro seria preciso saber se gastamos bem o dinheiro já recolhido dos cidadãos, que neste momento estão com vários apertos, alguns provocados, como define Élio Gáspari, pela “doutora”. A inflação subiu por erros na condução da política de preços públicos. Ao subir, comeu parte do Orçamento. A recessão está dizimando empregos e o país tem hoje nove milhões de desempregados, apesar de, na campanha, ela ter se vangloriado de o país estar perto do “pleno emprego”.

Há formas de cortar gastos que são regressivas, atingem mais os mais pobres. Mas há despesas que podem ser eliminadas ou reduzidas e, desta forma, melhorar a qualidade do Orçamento. Por que o Brasil precisa destinar R$ 1,2 bilhão ao ano para subsídio ao carvão mineral? É um exemplo. Há vários deles, em qualquer nível da administração.

Os repórteres Chico Otávio e Luiz Gustavo Schmitt revelaram que, no Rio, o grupo Petrópolis, que faz a cerveja Itaipava, apesar de estar na Dívida Ativa, foi beneficiada em novembro passado por um decreto do governador Luiz Fernando Pezão. Em novembro, quem não soubesse da crise fiscal do país era um morador de Marte. O decreto incluiu a cervejaria no Rio Invest. Com isso, a empresa ganhou incentivos fiscais no valor de R$ 687,7 milhões ao longo de 10 anos. A mesma empresa é objeto de ações fiscais no valor de R$ 1 bilhão. É um exemplo, apenas, mas em um estado que está atrasando salário, que corta na merenda de crianças, em que hospitais entram em colapso, que sentido faz dar este ou outros incentivos fiscais aos empresários e especialmente a uma empresa que deve impostos? É distribuição de renda no sentido inverso do que deveria ser. Um Robin Hood às avessas.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, deu ao jornal “Valor Econômico” a informação sobre o custo do pleito do Movimento Passe Livre. Custa R$ 8 bilhões por ano o transporte público de graça na cidade. Seria como, disse o prefeito, se a prefeitura pegasse toda a arrecadação do IPTU para subsidiar o transporte de todos, os que podem pagar e os que têm dificuldade. Hoje, São Paulo já gasta R$ 2 bilhões subsidiando o passe livre dos estudantes e das pessoas com mais de R$ 60 anos. Faz sentido um subsídio pelo critério da idade? E os moradores de São Paulo querem gastar R$ 8 bilhões para atender à reivindicação dos manifestantes?

Talvez fizesse mais sentido haver subsídio para os mais pobres e cobrança de uma regulação eficiente sobre os concessionários de serviços públicos. Como é tolerável no Rio que as empresas ponham para rodar ônibus sem ar-refrigerado nesta sauna em que se torna a cidade no verão? Ter ônibus refrigerados é questão de saúde pública.

A presidente Dilma sancionou um aumento de 163% no dinheiro que vai para o Fundo Partidário, aceitando o argumento de que sem isso não haveria campanha municipal, já que há restrição ao financiamento das empresas. Faz sentido isso? Este momento de recursos mais magros deveria ser visto como uma oportunidade para campanhas menos cenográficas, em que não se pagasse fortunas para marqueteiros construírem imagens falsas dos candidatos. O Brasil precisa de relação mais direta e sincera entre o candidato e os eleitores. E isso seria mais barato.

Há inúmeras perguntas que deveríamos nos fazer neste momento de vacas magras. Os exorbitantes subsídios ao capital no Brasil, através do BNDES, precisam cair para se ter uma sociedade mais justa e um capitalismo mais eficiente. Se nada for mudado, teremos sempre custos públicos e benefícios privados.

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