quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Míriam Leitão: Radiografia externa

- O Globo

Uma solitária notícia boa na economia brasileira vem do setor externo. A queda do déficit está sendo mais rápida do que se projetava. E isso, ainda que tenha como causas a alta do dólar e a recessão brasileira, tem o efeito positivo de ajudar a recuperação e diminuir o risco de uma crise cambial. O Brasil teve muitas crises provocadas pelo déficit externo e sabe como é arriscado.

O Banco Central divulgou ontem os dados de dezembro e, portanto, do ano inteiro de 2015. A queda do déficit foi de US$ 104,2 bilhões para US$ 58,9 bilhões. Era 4,31% do PIB e ficou em 3,32%. Um ajuste de um ponto percentual em um ano e que pode continuar caindo. Já há departamentos econômicos de grandes bancos, como Bradesco e Itaú, prevendo déficit zero entre este ano e o próximo.

O dólar em alta tem vários fatores perturbadores na economia, como o de elevar o custo do endividamento e aumentar a pressão sobre a inflação. Mas ajuda a fazer o ajuste do setor externo, ao reduzir a capacidade de importar, viajar e contratar serviços no exterior. Além disso, aumenta a competitividade dos produtos brasileiros lá fora, porque eles ficam mais baratos quando convertidos para a moeda americana.

Esse mesmo efeito, o de diminuir o desequilíbrio externo, pode ser conseguido por razões mais positivas, como melhorar o saldo comercial por aumento das exportações, ou reduzir o déficit na conta turismo pela vinda de mais turistas estrangeiros ao Brasil. De qualquer maneira, seria assustador se, diante de uma crise como a brasileira, o país tivesse um déficit difícil de financiar e não contasse com o volume de US$ 368 bilhões de reservas.

— Dois indicadores que causam muito desconforto são o déficit externo e o déficit fiscal, que formam os déficits gêmeos. Pelo lado fiscal, não houve muito avanço, mas no externo houve uma forte redução, de um ponto do PIB em um ano, o que é significativo — diz Lívio Ribeiro, pesquisador do Ibre/ FGV.

Ribeiro explica que o balanço de pagamentos é uma espécie de radiografia da economia porque exibe os sintomas de vigor ou de deficiência de vários setores. A queda das exportações e das importações, ou seja, da corrente de comércio, como aconteceu no ano passado, é um sinal de fraqueza, porque indica que o país está diminuindo as relações com o resto do mundo, mesmo com a alta do dólar. Da mesma forma, a redução de remessas de lucro para o exterior significa que as empresas estão tendo menos retorno no Brasil. O gasto menor de turistas brasileiros lá fora também reflete o desemprego e a renda mais apertada.

— A redução do déficit acontece tanto pela alta do dólar quanto pela recessão. Na minha visão, o impacto da retração tem sido mais significativo. Essa natureza do ajuste me preocupa, porque mostra que não é reflexo de um ciclo virtuoso. Se o país voltar a crescer, o déficit também voltará a subir — afirmou.

Enquanto as importações caíram cerca de US$ 58 bilhões no ano passado, segundo os números do Banco Central, as exportações caíram US$ 34 bi. Com isso, o déficit comercial de US$ 6,6 bilhões virou um superávit de US$ 17,6 bilhões. Mas esse número azul não significa que a economia tenha ficado mais forte, já que a corrente de comércio diminuiu.

As remessas de lucro de empresas para o exterior caíram de US$ 31,2 bilhões para US$ 20,8 bilhões. As empresas multinacionais instaladas no país não estão conseguindo vender mais internamente, a ponto de compensar a desvalorização do real. Na prática, elas perdem duas vezes: primeiro, com a queda das vendas pela recessão; segundo, pela conversão das receitas em reais para dólares.

A diminuição dos gastos com aluguéis e equipamentos no exterior foi a primeira desde o início da série histórica, em 2010. No ano passado, caiu de US$ 22,6 bi para US$ 21,5 bilhões. Efeitos da crise na nossa maior empresa.

— Esses gastos vinham subindo muito e agora houve reversão. Isso é reflexo da crise da Petrobras e da redução dos investimentos no setor de óleo e gás — disse Lívio Ribeiro.

A queda do déficit em conta- corrente é importante, mas não é suficiente. Seria impossível financiar o déficit se ele continuasse crescendo, dado que agora o país perdeu o grau de investimento.

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