sábado, 20 de fevereiro de 2016

Alberto Carlos Almeida: A política com Dilma até 2018

Valor Econômico - Eu &Fim de Semana

O governo Dilma vai até 2018, como está previsto na Constituição, e as reformas mais profundas demandadas pelos principais agentes econômicos e formadores de opinião não serão realizadas. Este é meu cenário básico, não apenas para 2016, como também para os anos seguintes. Há quem se mostre indignado diante dessa possibilidade e afirme que o Brasil não resistirá a três anos assim. Obviamente, essa forma de pesar pode ser questionada de diversas maneiras, e uma delas é tão simples quanto óbvia. Por mais profunda que seja a crise, três anos não são nada quando se pensa em perspectiva histórica. Qualquer país resiste a crises profundas por vários anos seguidos. A Europa resistiu a uma imensa guerra que durou seis anos. O continente outrora destruído por ele próprio está aí, após pouco mais de 50 anos, unido, firme e forte como uma das regiões mais desenvolvidas do mundo.

Findo o Carnaval e iniciado efetivamente o ano legislativo, veremos, em breve, que 2016 tenderá a ser na política, e em diversos aspectos, muito semelhante a 2015. Teremos pela frente um ano de intenso conflito político, caracterizado pelo equilíbrio de forças entre governo e oposição. Sim, equilíbrio. Apesar de nominalmente o governo ter ampla maioria no Congresso, essa vantagem lhe falta em momentos importantes (do mesmo modo que a tem em outros momentos igualmente importantes), como ocorreu na votação da comissão que daria início ao processo de impeachment.

A primeira dimensão de meu cenário básico é o cumprimento constitucional do mandato presidencial. No dia 11 de novembro de 2015, nesta coluna, em artigo intitulado "O que está a favor de Dilma", afirmei que as chances de impeachment eram muito baixas. Naquela semana, essa afirmação estava inteiramente contra a corrente: a abertura do processo de impeachment acabava de ser aceita por Eduardo Cunha e o governo tinha sofrido uma grande derrota na Câmara, que havia votado a favor de uma comissão de impeachment francamente contrária ao governo. Naquela semana, grande parte da mídia e dos analistas afirmava que o impeachment de Dilma era apenas uma questão de tempo. Afirmar, então, nesta coluna, que "a probabilidade de que Dilma sofra o impeachment permanece baixa" aparentava ser menos resultado de uma análise fria e mais a consequência de uma suposta torcida a favor do governo. A análise fria, quando se trata de prever, acaba sendo superior a qualquer tipo de torcida, a favor ou contra.

A afirmação de que Dilma tende a concluir seu mandato em 2018 está baseada em nada mais simples do que dizer que vivemos no presidencialismo. No presidencialismo, o mandato é fixo, com datas exatas para começar e para terminar. Qualquer mudança só pode ser resultado de uma imensa crise política, algo sem precedentes. O presidencialismo protege o presidente. Há inúmeras salvaguardas para o ocupante do cargo. Uma é a necessidade do apoio de 2/3 de deputados para que a abertura do processo de impeachment tramite em direção ao Senado. Graças a essas salvaguardas, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e fez com que etapas do impeachment já aprovadas na Câmara fossem anuladas.

Se o impeachment se tornou algo improvável, afirmam alguns, é possível que Dilma e Michel Temer percam o mandato em função do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É difícil fazer qualquer previsão em relação a uma decisão tomada por apenas sete pessoas. O que sabemos é que o TSE jamais cassou o mandato de governadores de Estados importantes ou prefeitos de capitais da região Sudeste. É possível que agora, diante da quebra de vários precedentes, como foi o caso da prisão de um senador em exercício de mandato, o TSE venha a cassar a presidente e o vice-presidente da República. Diante disso, talvez o melhor seja jogar uma moeda numa disputa de cara ou coroa. Minha sugestão é que o leitor se reúna com mais seis amigos em torno de uma mesa para refletir sobre quão grave é a decisão de cassar os mandatários máximos da nação quando tomada por somente sete pessoas. Neste caso, e considerando-se também a ausência de precedentes para Estados e capitais importantes, a moeda poderia dar um resultado enviesado a favor do governo.

Há especulações, até mesmo delírios, acerca de como abreviar o mandato de Dilma. Vira e mexe, fala-se de semipresidencialismo ou semiparlamentarismo. Mudanças de regime de governo não são coisas triviais. Prova maior disso é que, quando se propôs o parlamentarismo, ele foi submetido a um plebiscito que o derrotou. Nos anos 1960, o parlamentarismo foi adotado como forma de evitar que Jango se tornasse presidente com plenos poderes após a renúncia de Jânio Quadros. A experiência, como acontece com frequência com casuísmos ostensivos, foi temporária e mal avaliada.

Tancredo Neves foi o primeiro-ministro que mais tempo ficou no cargo. Nas atas das reuniões de gabinete, o sapiente Tancredo afirmou que o parlamentarismo no qual ele era o líder máximo funcionava como se fosse presidencialismo, porque o Congresso não aprovava o que o governo propunha e mesmo assim o governo não caía. Sei disso porque minha tese de doutorado é sobre esse período. Por fim, se o parlamentarismo fosse adotado agora, ainda que em seu formato "semi", isso seria um golpe, porque teria como objetivo único reduzir os poderes de Dilma. É muito difícil levar a cabo um golpe dessa natureza quando há um grande equilíbrio de forças, como acontece agora.

A segunda dimensão do meu cenário básico é a impossibilidade política de que sejam aprovadas reformas que mudem as expectativas de atores econômicos, como investidores e empresários. Em primeiro lugar, quando se fala em reformas, é preciso deixar claro de que reformas estamos tratando. Considero que a grande reforma que mudaria as expectativas é a da Previdência, com o estabelecimento de 65 anos como idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres. Seria importante também que as despesas fossem desvinculadas do orçamento e a regra de aumento do salário mínimo fosse modificada. Dificilmente essas medidas serão aprovadas.

Há várias razões para isso. A primeira é que Dilma não foi reeleita com essa finalidade. O eleitor que manteve Dilma na Presidência desejava a continuidade de seu governo. Esse eleitor considerava que sua vida tinha melhorado não apenas nos oito anos de Lula, como também nos primeiros quatro anos de Dilma. Essa melhoria é sinônimo de expansão de direitos - em particular, do direito de consumir por meio do aumento da renda familiar. A imagem do PT é a imagem de defensor dos mais pobres.

Os mapas de votação do partido, em qualquer eleição, são claros quanto a isso: quanto mais pobre a região, maior a força relativa do PT. É por isso que o Nordeste deu grande vantagem a Lula e Dilma nas quatro últimas eleições. Realizar uma reforma que levasse as pessoas a trabalhar mais tempo, como seria o caso da reforma da Previdência, é sinônimo de piorar as condições de vida dos mais pobres. O interesse difuso expresso pelo voto no PT é contra isso.

O interesse organizado petista também. Em 13 de novembro e 2015, um domingo, 40 mil pessoas foram à avenida Paulista manifestar-se a favor do impeachment. Apenas três dias depois, na quarta, 55 mil pessoas foram às ruas manifestar-se contra o impeachment. Todos os que fizeram isso são contra o aumento da idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres. Dilma precisa da mobilização de rua contrária ao impeachment no caso de crescimento das chances reais de que isso aconteça. Ora, ela jamais ficaria contra os interesses daqueles que defendem nas ruas a conclusão de seu mandato em 2018. A entrevista do ministro da Previdência, Miguel Rossetto, na edição do Valor do dia 15 deixa claro que o governo ouvirá esses setores organizados. Isso significa que dificilmente vai propor a reforma tal como almejada pelos agentes econômicos.

Não podemos esquecer, obviamente, do Poder Legislativo. A reforma da Previdência exige a maioria constitucional de 308 deputados para que seja aprovada. Segundo as últimas pesquisas públicas, o governo tem hoje uma avaliação positiva, de "ótimo" e "bom", da ordem de 12%. Dificilmente deputados e senadores votariam a favor de uma reforma nesse contexto de avaliação de governo. Mais importante ainda, eles estão começando o segundo ano de seus mandatos. Quanto mais se aproxima a data da próxima eleição, menor é o incentivo para os parlamentares votarem a favor de medidas que diminuem direitos, como é o caso da Previdência. Como o governo debaterá o tema durante o primeiro semestre, no momento em que a proposta for encaminhada ao Congresso já se terão passado, no mínimo, mais seis meses.

Não se pode esquecer que em outubro há eleições municipais e muitos deputados ou são candidatos a prefeito ou apoiam prefeitos em seus Estados. Votar a favor de uma reforma da Previdência este ano é gerar um argumento a mais para que seus eleitores punam nas urnas a ele, deputado, e a seus aliados. Dito de forma simples: não faz sentido gerar ruído em ano eleitoral. Deputados e senadores mais provavelmente votariam a favor de uma reforma profunda da Previdência se estivessem no primeiro ano de seus mandatos, e se fossem levados a fazer isso por um Poder Executivo eleito para mudar e não para continuar, como acontece com Dilma.

A situação pela qual estamos passando tem muito a ver com o equilíbrio entre governo e oposição. Caso a avaliação do governo fosse melhor, acima de 40% de "ótimo" e "bom", por exemplo, certamente não haveria esse equilíbrio e o governo teria condições bem mais favoráveis para aprovar amplas reformas. O contrafactual não interessa. O equilíbrio tende a permitir que Dilma conclua seu mandato em 2018, mas também tende a impedir que aprove as reformas demandadas pelos principais agentes econômicos. O governo seguirá o caminho do meio termo, adotando medidas variadas que venham a apontar na mesma direção das reformas mais amplas. Assim, do ponto de vista dos agentes econômicos, a direção poderá ser considerada a correta, mas a velocidade será bem mais lenta. Não será por isso que o Brasil acabará.
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Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” e “O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo”

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