segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Cristian Klein: Entre o mosquito e o molusco

• Governo e oposição elegem seu inimigo público número 1

- Valor Econômico

Depois de um 2015 em que a política nacional experimentou talvez seu maior entrave institucional, desde a redemocratização, 2016 avança sob o signo da distensão dos espíritos e da recentralização do poder de agenda no Executivo. A oposição, antes pintada para a guerra total, agora se diz interessada por uma atuação mais propositiva, menos beligerante. A vitória de Leonardo Picciani na disputa pela liderança do PMDB na Câmara deu mais fôlego ao governo e mostrou, indiretamente, a capacidade de a presidente Dilma Rousseff ter algum controle sobre sua base aliada no Congresso. O impeachment, antes na ordem do dia, foi substituído pela agenda do combate ao vírus zika, que transformou um mosquito no inimigo público número 1.

Quer dizer, ainda tem Lula. A avalanche de denúncias contra o ex-presidente mina sua popularidade e o efeito é mais a médio do que a curto prazo. Com isso, a oposição espera tirá-lo do páreo em 2018 - como adversário direto ou temido fiador de candidaturas do PT, não só a presidencial. Afinal, quantos já não padeceram em suas regiões do ataque do animal político - o "molusco", no maldizer oposicionista - no auge de sua influência eleitoral? Vide as derrotas de Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Heráclito Fortes, Mão Santa e Marco Maciel, ao Senado, em 2010.

Aplacar o lulismo e o petismo tem sido a frente prioritária, em 2016, não Dilma. Quanto mais a opinião pública é exposta aos supostos malfeitos do ex-presidente, mais a oposição imuniza-se contra um resultado cada vez menos provável. No século XIX, Émile Durkheim, um dos pais da sociologia, inspirou-se na biologia e na medicina para criar um método próprio à análise dos fenômenos sociais, e por extensão aos políticos. Mas diferentemente da dengue, da zika ou da chikungunya, o petismo está longe de ser uma epidemia em expansão. Basta ver os dados eleitorais, que mostram o inverso, o paulatino refluxo da votação do partido na eleição presidencial.

Não é o aumento de poder do PT que estimulou o PSDB e legendas satélites a subirem o tom. É seu enfraquecimento. No ápice da popularidade de Lula, a oposição era considerada desarticulada, débil, sem viço. A eleição extremamente polarizada e a estreita margem de diferença entre Dilma e Aécio Neves lhe deram injeção de ânimo cavalar. Ao quase vexame de se ver fora do segundo turno, quando Aécio tinha 15% das preferências, seguiu-se a redenção tucana. Ironicamente, foi o PT que, ao desconstruir Marina Silva, salvou o PSDB de sua tragédia. A gangorra entre Aécio e Marina, porém, já mostrava a desidratação do petismo. Parcela imensa dos eleitores, quase metade, estava disposta a despejar seus votos em qualquer que fosse o adversário de Dilma.

O vigor da oposição tem a ver com uma quase regra política, certa vez descrita pelo escritor e pensador francês Alexis de Tocqueville, ao analisar a Revolução Francesa. A queda do Antigo Regime não ocorre quando o poder se mostra mais forte e opressor, mas quando amolece e dá sinais de exaustão.

Foi esse o clima que predominou na política em 2015, na relação entre Executivo e Legislativo, entre os partidos, chegando até as ruas, onde grandes manifestações pediram a derrubada de Dilma, mas também a sua permanência. Seria descabido comparar com o pós-1789, mas a montanha-russa de acontecimentos, ora pró e ora contra o governo, no que diz respeito à sua própria sobrevivência, causou reviravoltas que, do ponto de vista da lógica política, mostram um processo sem controle, imprevisível, sem um equilíbrio estável. A ponto de permitir marchas e contra-marchas, a ascensão de um personagem como o presidente da Câmara Eduardo Cunha ou a movimentação do vice Michel Temer, alçado à posição de virtual presidente no auge da crise.

Em 2016, pelo menos quanto aos fatores maiores de instabilidade, o ímpeto do impeachment refluiu, a despeito de novas manifestações marcadas para o próximo mês. A intervenção do STF, ao definir as regras do processo de afastamento de modo favorável à presidente, destravou o jogo e reverteu as expectativas em relação ao projeto em curso de demolição do governo.

Na fase de estabilização, Dilma distribuiu cargos, escorou-se no PMDB do Rio, liderado pelos Picciani, e vê os efeitos da melhor articulação política, conduzida pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, um dos cotados para a sucessão em 2018 pelo PT. Propõe uma reforma da Previdência de complicada implementação, mas que desarma, em parte, a beligerância da oposição, instada a demonstrar mais responsabilidade.

A corda foi esticada ao máximo. Não é mais difícil chegar à conclusão de que a solução de uma das crises econômicas mais agudas da história do país depende da cooperação dos atores políticos. Que a situação é tão grave que seus efeitos podem causar estragos para além de 2018, 2019, quando os adversários do PT esperam retornar ao poder. É um azar da oposição que os interesses do país se confundam, no momento, com os interesses do governo.

E é um azar do governo que o principal fator de instabilidade, Cunha, ainda permaneça à frente do Câmara. O pemedebista está num processo de definhamento, lento, como mostrou a derrota de seu candidato, Hugo Motta, à liderança da bancada do partido.

Costuma-se dizer, parafraseando o ex-senador paraibano Ney Suassuna, que governo é que nem cobra: até morta mete medo. Pois a máxima também serve para o Executivo em relação àquele que ocupa a presidência da Câmara como um autêntico oposicionista. O cálculo de Cunha, diferentemente de PSDB e Cia., que ainda têm um componente de responsabilidade e de preocupação com a imagem perante a opinião pública, guia-se cada vez mais pelo individualismo e pelo instinto de sobrevivência.

Fator que favorecerá a distensão é a proximidade das disputas municipais, dominadas por temas locais, e quando os parlamentares voltam suas preocupações para as bases eleitorais. Mas outras duas fontes de instabilidade ainda continuam no horizonte: os desdobramentos da Operação Lava-Jato e das investigações que envolvem Lula. Nestas frentes, ainda haverá muita febre, dores nas articulações e manchas vermelhas para Dilma se preocupar.

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