terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Míriam Leitão: Todas as armas

- O Globo

Brasil precisa usar todas as armas e combater em todas as frentes o vírus zika. A decisão da Organização Mundial de Saúde ( OMS) coloca a crise do vírus zika em seu devido tamanho: é uma emergência global. Depois dessa decisão, caberá ao Brasil elevar o nível de todas as ações. Tudo o que foi feito até agora no país, o epicentro desse terremoto, foi pouco, porque o vírus se alastra fazendo suas vítimas entre os mais vulneráveis.

O que foi determinante para que a OMS decretasse a emergência global foi a microcefalia, a ligação entre a doença e a má formação do cérebro dos bebês. O mundo vai trabalhar mais rápido, as pesquisas poderão ser aceleradas e os países vão aumentar o grau de cooperação no combate à doença. É a hora de o Brasil fazer mais do que tem feito.

Até agora, desde que a doença começou a fazer suas vítimas, e os pesquisadores descobriram a ligação entre o vírus e a microcefalia, o governo reagiu lentamente, o ministro Marcelo Castro fez declarações estranhas, e a presidente Dilma pouco apareceu. As ações começaram a ganhar mais substância nas últimas horas. Só agora se tem uma medida que permite ao Estado entrar nas casas que tenham focos do mosquito Aedes Aegypti. Ontem, o ministro disse que o caso pode ser ainda pior do que o imaginado.

Numa hora como esta, de emergência, de aguda aflição para as mães de crianças com microcefalia, de pânico entre casais que esperam seus filhos nascerem, o Brasil precisa de um ataque a esta tragédia em todas as frentes, com todas as armas. As histórias contadas neste jornal na edição de domingo são completamente inaceitáveis. As famílias têm que enfrentar a demora no diagnóstico, a falta de estrutura para que os bebês recebam o tratamento adequado. Em Pernambuco, onde houve mais casos da doença, há apenas quatro locais de reabilitação. Já em meio ao surto, houve falha no envio de larvicida para o Nordeste.

Estamos enfrentando o primeiro verão com esse surto, mas o Ministério da Saúde, o governo como um todo, não tem tempo para aprender porque a doença está avançando de forma “explosiva”, como disse a Organização Mundial de Saúde.

Neste difícil momento do Brasil, tudo parece ter vindo ao mesmo tempo. Recessão, inflação, colapso das contas públicas. No caso, os cortes no Orçamento não podem negligenciar o que é urgente. O tempo da escassez de recursos exige mais dos gestores públicos. Eles precisam saber as prioridades, aquelas às quais destinar o dinheiro dos contribuintes.

O país tem que refletir sobre todos os aspectos desse drama. Inclusive, se provocado, o STF precisa decidir a favor da vontade da gestante na interrupção da gravidez. Uma mulher, vítima da incompetência do país em conter o avanço do mosquito, não pode fazer às escondidas, a preços exorbitantes, a interrupção da gravidez, caso tenha optado por isso. Nunca será uma escolha fácil. A mulher que assim decidir precisa ser apoiada e não tratada como criminosa.

As famílias que tiverem os filhos precisam de todos os recursos que a ciência dispõe no momento para estimular as crianças e assim reduzir as limitações que certamente a criança terá. Tudo isso é tão dilacerante que todos os outros dilemas da vida brasileira, a crise econômica, a desordem política, tudo fica menor. Este é o pior dos nossos problemas, e a ele o país tem que dar a máxima atenção.

Bastou um caso nos Estados Unidos para uma reunião das áreas de saúde e segurança nacional. O Brasil já coleciona 4.180 casos de microcefalia suspeitos de estarem ligados ao vírus zika e só nos últimos dias se vê a Presidência mais envolvida com o problema. Até agora, tudo se passava como se fosse assunto do ministro da Saúde, que foi indicado para o cargo não por suas credenciais para tratar um problema dessa dimensão, mas para compor o xadrez político da presidente Dilma. Ontem, após a OMS decretar emergência global, Dilma convocou uma reunião ministerial e decidiu falar à Nação. Tarde e pouco.

Ainda se pode evitar os casos não acontecidos, ainda se pode tentar minorar o sofrimento dos atingidos pela tragédia, ainda se pode amparar as mães que tomarem a difícil decisão de não levar adiante a gravidez, ainda se pode montar uma estratégia nacional eficiente contra esse inimigo.

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