segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

‘Penso que na Lava Jato tudo ocorre dentro da normalidade’, diz Toffoli

Entrevista - Dias Toffoli Ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral

Luiza Muzzi - O Tempo (MG)

Em Belo Horizonte, na última sexta-feira, para palestrar em evento do TRE de Minas, o ministro José Antônio Dias Toffoli falou com exclusividade a O TEMPO sobre seu trabalho à frente do TSE, desafios das eleições municipais, corrupção, cassação presidencial e condução da operação Lava Jato.
No momento em que o país acompanha com expectativa os desdobramentos políticos e o curso do processo que pode até tirar o mandato da presidente da República no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, afirma que as pressões populares não irão interferir nas decisões da Justiça. “Todo juiz tem que estar acostumado a ouvir pedidos e reclamações. Ele não se submete à pressão popular”, diz em entrevista, cujos principais trechos você confere abaixo.

Veja entrevista

Qual avaliação o senhor faz de sua gestão na presidência do TSE?

Foi de muito trabalho. Tivemos a eleição presidencial mais disputada da história, um trabalho de auditoria das urnas, pedido pelo candidato Aécio Neves, uma ampliação e retomada do sistema de identificação biométrica, com o recadastramento, e estamos com meta de chegar até o dia 4 de maio com 50 milhões de brasileiros recadastrados. Também tivemos grande atuação na área internacional e junto ao Parlamento. Encaminhamos ao Congresso um projeto para transformar a identificação biométrica na identificação nacional do cidadão.

Quais são as expectativas para as próximas eleições, considerando o atual cenário político? Como o TSE pode evitar a possibilidade de caixa dois no pleito?

Nesta eleição não haverá dinheiro de empresas. Isso é bastante positivo e salutar. Temos assistido a investigações e escândalos que demonstram que essa proximidade entre o dinheiro das empresas e a política tem se mostrado nefasta e acaba por criar situações que geram crimes. Outra mudança foi estabelecer limites de gasto eleitoral. Até 2014, era o próprio candidato que se autolimitava e dizia quanto ia gastar, o céu era o limite. Como identificar um abuso do uso de recursos em campanha se você não tem um parâmetro equânime para todos os candidatos? As eleições de 2016 terão essas novidades.

Quais são os desafios do TSE na mediação de conflitos eleitorais nesse ambiente político de guerra que o Brasil vive?

O papel é ser ao mesmo tempo aquele que organiza e que julga as eleições. Temos que ter diálogo constante com os partidos políticos e candidatos, que são a clientela da Justiça Eleitoral, e por outro lado temos que garantir que o eleitor possa se dirigir à urna com a consciência tranquila e fazer uma escolha absolutamente livre. E para isso a Justiça Eleitoral está preparada historicamente. O Judiciário, por ser um poder que não interfere, tem tranquilidade de arbitrar as disputas políticas. O grande desafio dessa eleição são os números. Talvez seja a eleição organizada em um único dia maior que exista no mundo. São 550 mil candidatos que teremos disputando vagas de prefeito e vereador. Só entre registro de candidatura e prestação de contas, se gera em poucos meses mais de um milhão de processos.

Como o senhor avalia o atual momento de combate à corrupção no Brasil?

O combate à corrupção é uma constante, e cada vez mais foram criados instrumentos que permitem maior fiscalização. O que podemos dizer e nos orgulhar, embora muitas vezes os fatos nos deixem tristes de verificar situações de corrução, é que há um outro lado da moeda. O Brasil hoje está com instituições funcionando, com regras de alto nível internacional para que se possa combater o crime organizado, a corrupção e então evitar que nós continuemos a viver em uma sociedade do jeitinho, em que os amigos são privilegiados. Estamos cada vez mais indo para uma atuação mais impessoal, independente, e é isso que se deseja do Estado. Não que (a corrupção) não existiu no passado, é que não havia instituições capazes de fazer tais fiscalizações e de levar isso ao Poder Judiciário.

Qual é o peso da pressão das ruas nas decisões da Justiça Eleitoral?

Todo juiz tem que estar acostumado a ouvir pedidos e reclamações. Ele não se submete à pressão popular. Se submete ao ordenamento jurídico, à Constituição e às leis. O ofício judicante tem essa grandeza: ao ser juiz, você tem a frieza de ouvir todos os lados e chegar, de acordo com o ordenamento jurídico, à melhor solução. Então, não há que se falar em pressão sobre a Justiça. É uma responsabilidade grande e a Justiça Eleitoral tem agido sempre com presteza e eficácia. A Justiça Eleitoral é reconhecidamente uma Justiça célere, e nunca deixou de aplicar sanções. Inclusive já tivemos até senador cassado por compra de voto, governadores afastados por abusos da máquina administrativa. São inúmeros os casos que a Justiça decide, porque ela tem por finalidade garantir que aquele que foi eleito foi eleito de maneira limpa, dentro das regras do jogo.

Mas nesse momento estamos diante de um limite, que atinge a disputa presidencial.

É a primeira vez que há uma ação de tal envergadura envolvendo a campanha presidencial. Se houver provas que levem a demonstrar que houve algum tipo de desvio ou influência nefasta de recursos não declarados na campanha, a Justiça Eleitoral decidirá como decide sempre, afastando aqueles que foram eleitos de maneira ilegal. Se não houver prova nesse sentido, vai se decidir no sentido da manutenção do mandato.

Trata-se de decisão que impacta o país. Existe tranquilidade então para lidar com essas ações?

Assim como (a Justiça) atua no âmbito de prefeitos, governadores e parlamentares, não há porque não atuar também no âmbito da Presidência da República, desde que provocada. Este processo (que pede a cassação de Dilma) não foi criado pela Justiça Eleitoral. Foi uma proposição feita pela candidatura que chegou em segundo lugar. E cabe a nós julgarmos.

Como é o desafio de mediar conflitos no âmbito do Congresso, mas, ao mesmo tempo, sem invadir as atribuições do Legislativo?

Isso aflige as cortes constitucionais no mundo inteiro. Cada vez mais o Parlamento tem encontrado dificuldades de resolver temas que são muito quentes e que dividem a sociedade de maneira igual, como aborto, casamento homossexual. O que nós assistimos nos últimos tempos é que as demandas às cortes constitucionais têm aumentado na mesma medida em que o Parlamento não consegue responder à rapidez da sociedade atual. E por curioso que possa parecer, o Judiciário, que é, muitas vezes, mais lento, acaba sendo provocado à resolução desses grandes problemas que no Congresso ficam sem resposta. E aí surge a pergunta: o Judiciário está invadindo a competência do Legislativo? Mas sempre tem aquela resposta: é que o Judiciário não tem o poder de ação, é provocado. Se aquilo está dentro do que diz a Constituição, temos que dar uma resposta.

Como o senhor avalia a condução dos processos da operação Lava Jato?

Esse processo no Supremo tem por relator o ministro Teori Zavascki. E até agora suas decisões vêm sendo mantidas pelo colegiado. Este processo já desdobrou em outras investigações. Eu penso que tudo ocorre dentro da normalidade, com direito a ampla defesa, com acesso ao Judiciário, acesso aos órgãos. Isso faz parte do Estado democrático de direito.

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