domingo, 21 de fevereiro de 2016

Samuel Pessôa: Austericídio de Levy?

- Folha de S. Paulo

O ano de 2015 passou, temos os dados fiscais fechados e uma boa ideia do que será o PIB do ano passado. Falta somente o dado para o quarto trimestre, que será divulgado no início de março. No entanto, com as estimativas do PIB do Ibre, de recuo da economia de 3,7% em 2015 ante 2014, podemos avaliar em que medida a política fiscal foi a causa da queda do PIB.

Vários críticos da política de ajuste do ministro Joaquim Levy nomearam-na de "austericídio". A austeridade fiscal teria causado a forte recessão.

Se de fato a queda de 3,7% do PIB foi causada pela queda do gasto público, e lembrando que o austericídio de Levy se iniciou em janeiro de 2015, seria necessário que, para cada R$ 1 a menos de gasto pelo setor público, ocorresse redução de produção de R$ 5,2 no mesmo ano-calendário. Ou seja, a tese do austericídio sugere que o multiplicador fiscal no Brasil é da ordem de 5,2.

Como cheguei a 5,2? Todos os valores do raciocínio a seguir são a preços do quarto trimestre de 2015. O gasto primário do governo federal em 2015 foi em torno de R$ 37 bilhões superior ao gasto primário do ano anterior.

No entanto, as estatísticas oficiais do gasto de 2015 incluem os R$ 56 bilhões das despedaladas que foram pagas em dezembro de 2015, mas que de fato ocorreram nos três anos anteriores.

Assim, se reduzirmos o gasto de 2015 de R$ 56 bilhões e aumentarmos o gasto de 2014 em metade desse montante (a metade restante sensibilizou o gasto nos dois anos anteriores), concluiremos que houve queda do gasto público de 2015 em comparação ao de 2014 de R$ 46,5 bilhões. Como a queda do PIB de 2015 em comparação a 2014 será de R$ 240 bilhões, a razão de 240 por 46,5 produz 5,2. Simples assim.

A dificuldade é que a literatura sugere que o multiplicador fiscal é da ordem de 1 e produz seus efeitos em dois anos. O trabalho de junho de 2015 do FMI "A Simple Method to Compute Fiscal Multipliers", de Nicoletta Batini e colaboradores, apresenta extensa revisão dos estudos dos últimos anos.

Para as economias desenvolvidas (tabelas 1 e 2 à pág. 7), inúmeros trabalhos sugerem multiplicadores fiscais entre 0,3 e 1,2. Se a economia estiver em recessão e for desenvolvida, o multiplicador fiscal pode atingir 2,4 um ano e meio após o início da política. Finalmente, se a economia estiver com juro nominal nulo, o multiplicador fiscal poderá atingir 4 (tabela 5, pág. 12).

O trabalho do Banco Mundial "Fiscal Multiplier in Recession and Expansions", de julho de 2014, sugere que o multiplicador fiscal instantâneo (isto é, no mesmo ano de implantação da política) para economias emergentes em recessão é de 0,55 (tabela 4).

Estudos feitos com dados brasileiros –por exemplo, o trabalho "Controvérsia Recentes sobre Multiplicadores Fiscais", do atual secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Carlos de Castro Pires– obtêm valores em torno de 1 para o multiplicador fiscal.

A tese do austericídio, portanto, somente faz sentido se o multiplicador fiscal brasileiro for de dez a cinco vezes maior do que os valores estimados. Os detratores da política econômica de Levy precisam explicar à sociedade em quais estimativas se baseiam para trabalhar com valores tão elevados para o multiplicador fiscal.

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