segunda-feira, 28 de março de 2016

Caixa dois e pixuleco - Luiz Carlos Azedo

• Até agora, a Operação Lava-Jato seguia o caminho do dinheiro desviado da Petrobras. As planilhas da Odebrecht, porém, mostram que o dinheiro era desviado de todo lugar

- Correio Braziliense

Foi-se a época em que o que distinguia um político honesto de um desonesto era o destino dado ao dinheiro arrecadado para a campanha eleitoral. O primeiro gastava na campanha; o segundo, na formação do próprio patrimônio. Caixa dois era a regra e não a exceção. Com a Constituição de 1988, essa linha divisória deixou de existir. Pelo menos para os órgãos de controle: a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral. Vem daí a crise de financiamento da política e dos políticos e os escândalos que culminaram na Operação Lava-Jato.

Mas vamos por partes. Com o vazamento das planilhas de doações da Odebrecht, que citam 24 partidos e 316 políticos, estabeleceu-se um Deus nos acuda entre os políticos e ganhou a força a tese de que todos os partidos e políticos são farinha do mesmo saco. Recrudesceu o discurso petista de que a Lava-Jato é uma orquestração da oposição, de que tudo não passa de um ardil para prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dar um golpe de Estado contra a presidente Dilma Rousseff. O superfaturamento de obras, o desvio de recursos públicos, as doações eleitorais e a propina seriam do jogo. Ou seja, é a banalização do “pixuleco”.

Ocorre que as investigações da Operação Lava-Jato ainda estão em curso, autorizadas em dois níveis: em primeira instância, na alçada do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba; nas instâncias superiores, no Superior Tribunal de Justiça, tendo como relator o ministro Luís Felipe Salomão (que pode se julgar impedido, como no caso Gradin, porque seu filho trabalhava na Odebrecht), no caso dos governadores, e no Supremo Tribunal Federal, no qual é o relator é o ministro Teori Zavascki, para parlamentares federais e ministros de Estado. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral, porém, julgar os casos de crime eleitoral, que podem resultar em cassações de mandato, inclusive da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer.

A divulgação das planilhas da Odebrecht, agora sob segredo de Justiça, misturou alhos com bugalhos. O furdúncio criado é de fazer rezar por São Benedito. Há de tudo nessa roda. Doações legais, doações ocultas, doações não-declaradas, contas na Suíça, depósitos no exterior.

Doações realizadas e não-realizadas e entregas de dinheiro em domicílio, tudo cadastrado e discriminado, em alguns casos com anotações feitas a mão. Apareceu até uma planilha com quase 800 nomes, da época da Constituinte e do governo Sarney, cujos eventuais crimes já prescreveram. Caberá à força-tarefa da Lava-Jato, rastrear o dinheiro e esclarecer a situação de todos os citados.

Até agora, a Operação Lava-Jato seguia o caminho do dinheiro desviado da Petrobras. As planilhas da Odebrechet, porém, mostram que o dinheiro era desviado de todo lugar. Ora, se a atuação do juiz Moro está circunscrita à petroleira, o caso será desmembrado pelo STF, em segredo de Justiça. Mas é bom não perder o fio da meada. Tudo começou com a delação premiada de Ricardo Pessoa (UTC/Constram), que relatou que o dinheiro dado para as campanhas eleitorais (do PT, PMDB e PP, principalmente), era proveniente de corrupção, sobretudo na Petrobras. Uma parte das doações era “por dentro da lei”, nesse caso houve lavagem de dinheiro, ocultou-se a origem do dinheiro. A parte doada “por fora da lei”, dinheiro gasto na campanha, mas não declarado à Justiça Eleitoral, caracteriza falsidade ideológica.

No julgamento do mensalão, a ministra Carmem Lúcia enfatizou: “É muito grave afirmar da tribuna do STF que ‘caixa dois’ é crime e pretender que tudo isso fique impune”. No Código Eleitoral, a pena é de 5 anos de prisão. Caixa dois também é um delito contra a ordem financeira e crimes de colarinho branco e tributário. A ministra assumirá a presidência do STF em setembro. A Lava-Jato será julgada no Supremo, com certeza. Sua anulação, como aconteceu no caso Banestado, desmoralizaria a Suprema Corte.

Nesse aspecto, é bom reler o voto introdutório do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento dos embargos infringentes do “mensalão”, quando fala da “criminalização” da política: “Após o início do inquérito que resultou na AP 470 com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral,à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade”. Segundo ele, a “ninguém deve supor que os costumes políticos serão regenerados com direito penal, repressão e prisões (…). A distinção será apenas entre os que foram pegos e outros tantos que não foram.”

Ou seja, é como o gol com a mão. Só vale se o marcador bobear e o juiz não anular. O mais provável é que se trace uma linha divisória entre as doações legais e os casos comprovados de lavagem de dinheiro e de caixa dois, independentemente da origem dos recursos.

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