quinta-feira, 3 de março de 2016

Difícil missão – Miriam Leitão

- O Globo

O que pode fazer a política monetária de um país que está com inflação elevada, recessão forte, queda de arrecadação, dívida bruta em alta e déficit público? Pouca coisa. Usar mais palavras do que os juros, e por isso ontem a Selic foi mantida. A primeira coisa para agir em situação tão hostil é saber qual é o mandato que recebeu. O BC brasileiro tem como missão combater a inflação e neste ponto é que tem que focar.

É por isso que, mesmo diante do aprofundamento da recessão e dos sinais de alguma queda da inflação nos próximos meses, o presidente do Banco Central avisou que os juros não poderiam cair. O problema é que para combater a inflação seria necessário outro aperto da política monetária, o que não pode acontecer pelos outros sintomas da doença econômica brasileira: a recessão se aprofundando e os dados fiscais cada vez piores.

Enfrentar uma recessão com inflação alta e com o país em meio à crise fiscal é um dos piores cenários que podem acontecer. O ideal, tendo em vista o quadro de encolhimento do produto, seria o Banco Central reduzir o aperto monetário e usar estímulos para reativar a economia: ampliar crédito, diminuir juros, liberar recolhimento compulsório dos bancos ao BC. Nada disso pode ser usado. O PT tem proposto algumas dessas medidas. O problema é que no passado o governo foi leniente com a inflação, e quem sugeriu maior aperto para evitar a alta dos preços foi desqualificado. Hoje, o governo que semeou ventos colhe esta tempestade.

Tempestade perfeita, na verdade. Aquela sobre a qual alguns economistas falaram que podia se abater sobre o Brasil. Tudo o que podia dar errado deu. Para completar o desastre econômico, o país vive uma das piores crises políticas de sua história e isso impede que sejam encaminhados ao Congresso projetos para a solução da crise. Isso se a atual equipe econômica tivesse capacidade de formular alguma solução consistente.

Quando se diz que tudo deu errado não se pense que foi má sorte. Foi fruto de decisões tomadas pelo governo, ou por omissões na hora certa para agir. O mundo inteiro está com inflação baixa. Alta de preços aflige apenas uma meia dúzia de países que a fabricaram em casa. O contexto internacional é deflacionário. Ontem, a OCDE divulgou um relatório dizendo que a inflação anual entre os países do grupo subiu para 1,2% em 12 meses. Em dezembro, havia ficado em 0,9%. Isso porque a deflação de energia perdeu um pouco da força. Na zona do euro, a inflação anual foi para 0,3%. Eles estão tentando se livrar do risco da deflação.

O que acontece no Brasil na inflação é totalmente na contramão do mundo, mas quem acompanha a cena brasileira não se surpreendeu quando a taxa chegou perto de 11%. Em 2010, a inflação começou a subir, o Banco Central alertou para esse risco, e a resposta do Ministério da Fazenda, vocalizada na época pelo atual ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi dizer que o BC estava fazendo terrorismo. “E com terroristas não se negocia”, disse Barbosa, na ocasião. Hoje, ele tem que negociar com a realidade e na condição de principal condutor da economia. As projeções são de que a inflação, mesmo caindo a golpes de recessão, chegará ao fim do ano acima do teto da meta novamente.

O governo foi também imprudente diante do crescimento da dívida e da piora dos indicadores fiscais. Quando o superávit começou a cair, o governo Dilma pedalou. Quando a dívida começou a subir, o governo negou que isso estivesse acontecendo, exibindo a dívida líquida. O conceito já é uma jaboticaba, porque o índice que o mundo inteiro compara é o da dívida bruta. Mas os “empréstimos” de meio trilhão de reais ao BNDES, que passaram a ser contados como ativos, apesar da pouca probabilidade de esse dinheiro voltar aos cofres do Tesouro, tornaram o indicador da dívida líquida no Brasil ainda menos significativo do que realmente acontece com as contas públicas.

Foi o governo que inflacionou o país, provocou o déficit público e levou o PIB à recessão. Agora, é difícil atuar sobre esse conjunto de problemas. Cabe ao Banco Central tentar influenciar as expectativas, mesmo diante da dificuldade de usar a taxa de juros para disciplinar os preços. O que o BC podia fazer foi feito ontem: manter a Selic.

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