quinta-feira, 3 de março de 2016

O balde de lama diário – Editorial / O Estado de S. Paulo

Dilma cede mais uma vez à pressão dos petistas e substitui outro ministro, agora o da Justiça, acusado de não “controlar” a Polícia Federal, ao mesmo tempo que a defesa de Lula, atendendo à determinação de “partir para cima” dos “inimigos” do ex-presidente, em petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) protesta contra o “achincalhamento público” do chefão do PT. Enquanto isso, em delação premiada, diretores da segunda maior empreiteira de obras públicas do País, a Andrade Gutierrez, confessam ter transferido ilicitamente milhões de reais para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010. Essa é a perversa confrontação diária imposta aos brasileiros a partir do instante em que começou a cair a máscara do populismo que escancarou as portas do poder para os corruptos. E enquanto a Polícia, o Ministério Público e a Justiça, de um lado, e os donos do poder e seus caríssimos advogados, de outro, contam a história do ciclo de poder lulopetista, o governo fraco e inoperante de Dilma Rousseff prossegue impávido na tarefa de ampliar o pântano em que atolou o País.

A denúncia dos diretores da Andrade Gutierrez não produzirá efeito prático no que diz respeito à possibilidade de cassação do mandato de Dilma Rousseff porque é relativa ao mandato anterior, que terminou em 31 de dezembro de 2014. Mas é uma denúncia que pesa sobre a alardeada reputação de idoneidade moral da presidente da República, que na melhor das hipóteses terá de se escudar na desculpa de que “não sabia”. Até porque quem não sabia o que estava acontecendo na campanha de 2010 pode muito bem não ter sabido também o que rolou na de 2014. A denúncia é nova e deveria ser devastadora – mas apenas chove no molhado. É mais do mesmo, como se fosse da rotina dos brasileiros o juntar de pelo menos um balde por dia ao mar de lama da política lulopetista.

Mas nem por isso deixa de se agravar a cada dia a situação de Luiz Inácio Lula da Silva, a “alma viva mais honesta deste país”. Lula já percebeu que – para usar linguajar de seu agrado – só lhe resta partir para a ignorância. É uma estratégia que elimina o recurso a qualquer resquício de racionalidade para se concentrar exclusivamente, de acordo com o figurino populista, no apelo emocional aos apoiadores que lhe restam – cerca de 20% dos brasileiros segundo as pesquisas de opinião, índice nada desprezível, mas decepcionante para quem saiu do governo com estratosféricos 83% de aprovação popular. É preciso levar em conta ainda que parte das hostes lulistas é formada por militantes profissionais subsidiados pelas entidades e organizações sociais cooptadas pelos governos petistas e em grande medida controladas pelo PT. É uma massa com forte poder de mobilização que certamente será levada às ruas, como aconteceu recentemente, para dar apoio a Lula.

Lula também posterga como pode o andamento de inquéritos que, uma vez concluídos, certamente o mandarão prestar contas à Justiça. É o caso da petição encaminhada pelos advogados do ex-presidente ao STF para a suspensão das investigações sobre o sítio de Atibaia e o tríplex do Guarujá, até que aquela Corte defina quem tem competência para levar o caso adiante: o Ministério Público Federal ou o Ministério Público de São Paulo. Enquanto isso, Lula continuará fazendo o papel de vítima, agora não mais como o “Lulinha paz e amor” que venceu as eleições de 2002, mas como o grande líder popular indignado às lágrimas com a perseguição política de que é alvo por parte dos inimigos do povo.

O povo, por sua vez, estará de olho no novo ministro da Justiça, homem de confiança do ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, que foi colocado onde está por Lula, mas, como já é voz corrente em Brasília, pode querer alçar voos mais altos, pois é um político hábil, carismático e ambicioso que mal disfarça a pretensão de maior protagonismo na cena política. O estreante tem-se limitado a declarações protocolares e óbvias a respeito do destino das investigações da Polícia Federal: tudo fica “como está”, pelo menos por enquanto. Até porque é mais fácil mudar um ministro do que deturpar o significado da Operação Lava Jato.

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