sexta-feira, 11 de março de 2016

Pega ladrão - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Lula vai coroar sua trajetória política com uma temporada na cadeia? Difícil dizer. Há muitas e legítimas dúvidas em relação ao que seria o patrimônio pessoal do ex-presidente da República, mas não me parece que seja tão fácil provar por A+B que ele cometeu crimes mais sérios, como corrupção, tráfico de influência, ou lavagem de dinheiro, que poderiam render-lhe uma pena de prisão.

Os dois primeiros delitos, pelo menos em sua interpretação mais clássica, exigem que tenha havido promessas ou solicitações expressas de atos específicos. Algo do tipo, "se você me der tanto, eu faço isso". Entendimentos tácitos mais sutis, como "você me trata bem que eu lhe trato bem", que não precisam nem sequer ser articulados, não se enquadram tão claramente no tipo penal.

Registre-se que essas considerações não valem apenas para cortes de justiça. No tribunal interno da consciência, o cérebro também costuma recorrer a essa defesa de entrelinhas. "Se não exerci nenhum ato que beneficia diretamente a empresa X, que mal haveria em aceitar seus presentes?" Como nossas mentes se prendem a qualquer fiapinho de razão para justificar seus próprios atos, não me surpreende que o ex-presidente esteja se sentindo genuinamente perseguido pelas autoridades que agora o questionam acerca de sítios e tríplex.

Seja Lula culpado ou inocente nos termos da lei, acho que dá para assumir que ele é réu confesso do delito moral de ter estabelecido uma relação promíscua com empreiteiras comprovadamente metidas em esquemas de corrupção. É verdade que o próprio Lula não confessou nada, mas seu "alter ego", o ex-ministro Gilberto Carvalho, já disse em alto e bom som que não vê nada de errado em aceitar presentes dessas firmas.

Hoje talvez seja mesmo normal, mas, se aplicássemos a régua ética usada pelo PT nos anos 80 e 90, teríamos de estar gritando "pega ladrão".

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