quinta-feira, 3 de março de 2016

Propor uso das reservas é vender ilusão - Ribamar Oliveira

• Reserva não é poupança do Tesouro para ser gasta

- Valor Econômico

Muita gente anda encantada com a proposta de utilização de parte das reservas internacionais do país em obras de infraestrutura, saneamento, habitação e em outras iniciativas igualmente meritórias. Afinal, as reservas estão em nível muito elevado, custam caro e podem perfeitamente ser usadas para ajudar a tirar o país da recessão em que se encontra. A solução parece simples, fácil de ser executada, mas está errada.

As reservas brasileiras possuem uma particularidade para a qual a maioria das pessoas não se atenta. Elas não resultaram de uma poupança feita pelo governo, ao longo dos anos, para comprar dólares. Se fosse assim, o Estado brasileiro estaria riquíssimo e não enfrentaria o atual problema de desequilíbrio em suas contas, que registram déficit primário já por dois anos consecutivos. Dito de uma forma mais direta: não foi o Tesouro Nacional que comprou os dólares e, por isso, as reservas não lhe pertencem.

As reservas internacionais do Brasil são adquiridas pelo Banco Central com emissão de moeda. Após a compra, o BC recolhe o excesso de dinheiro na economia por meio da colocação de títulos públicos no mercado para evitar a aceleração da inflação. Por isso, pode-se afirmar que a aquisição das reservas é financiada pela venda de títulos públicos.

Elas, portanto, são muito caras, uma vez que o custo de financiamento do BC é dado pela taxa Selic, a taxa básica de juros da economia, que hoje está em 14,25% ao ano. O BC paga juros elevados para manter os dólares em seu caixa. E faz isso porque as reservas são o melhor seguro do país contra as instabilidades do mercado financeiro internacional.

Hoje, o Brasil não tem problemas na área externa e, desta forma, está menos vulnerável à ação dos especuladores e aos humores do mercado. O país é credor externo líquido. Isto significa que ele dispõe de reservas em nível superior ao montante da dívida externa total do país, de curto e longo prazo. Este feito foi alcançado na década passada e mantido até agora.

As reservas internacionais são, portanto, do Banco Central, como explicou ao Valoruma importante fonte do governo. Estão registradas em seu balanço, como um ativo. Em contrapartida, o balanço do Banco Central registra como passivo os títulos que ele foi obrigado a colocar no mercado para enxugar o dinheiro utilizado na compra dos dólares. O Banco Central não tem como transferir as reservas internacionais para o Tesouro.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que o BC repasse ao Tesouro, semestralmente, apenas o seu resultado positivo. Se o resultado for negativo, o Tesouro cobrirá. Muitas pessoas imaginam que o BC terá um grande lucro com a venda das reservas, diante da atual cotação do dólar e poderá repassar esse "lucro" para o Tesouro gastar. Isto, no entanto, já é feito semestralmente.

Em seu balanço, o Banco Central registra as reservas em reais. Para isso, ele converte as moedas estrangeiras em reais diariamente, com base na taxa de fechamento do mercado de câmbio, sendo os respectivos ganhos e perdas reconhecidos no resultado mensalmente. Os economistas chamam esse procedimento de marcação a mercado.

Se positivo, o resultado do BC com as reservas, ou seja, o "lucro" com a variação cambial, é repassado ao Tesouro semestralmente. Se negativo, o Tesouro cobre o buraco com emissão de títulos para a carteira do Banco Central.

Nos próximos dias, o BC realizará uma transferência ao Tesouro de R$ 110,9 bilhões, referentes ao "ganho" com as reservas internacionais, de acordo com o seu resultado do segundo semestre de 2015. Com relação ao primeiro semestre do ano passado, o BC já havia transferido R$ 46,4 bilhões. Ao todo, a equalização cambial das reservas produziu um resultado positivo de R$ 157,3 bilhões no ano passado, recursos transferidos ao Tesouro.

A legislação em vigor impede, no entanto, que o resultado positivo do BC com as reservas seja utilizado pelo Tesouro para pagar despesas primárias. Ou seja, ele não pode usar os recursos, por exemplo, para pagar pessoal, investir em saúde, fazer obras ou contratar serviços. O dinheiro é depositado na conta única do Tesouro no BC e só pode ser usado para resgatar títulos da dívida pública. Os recursos são considerados como receita financeira e seu uso é registrado como déficit primário.

O Banco Central está proibido também, pela Constituição, de conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira. A única forma de usar as reservas internacionais seria o BC criar linhas de crédito aos bancos, que, por sua vez, emprestariam os recursos às empresas interessadas em fazer os investimentos considerados prioritários pelo governo.

Essa alternativa, no entanto, representaria um retrocesso institucional, pois transformaria o BC em um banco de fomento - papel que ele já desempenhou no passado distante e que foi apontado pelos especialistas como uma das razões da hiperinflação brasileira. A função essencial do BC é preservar o valor da moeda e a estabilidade do sistema financeiro.

A proposta de usar as reservas para fazer investimentos pode, portanto, ser atraente e soar adequado. Mas, na verdade, é um caminho para aumentar o descontrole do governo sobre as políticas monetária e fiscal. Como disse uma autoridade do governo, "é um delírio", que só não está sendo abertamente desmascarado porque partiu do PT, o partido da presidente Dilma Rousseff.

Esses são apenas alguns exemplos das dificuldades que a legislação impõe para o uso das reservas internacionais para financiar programas de investimento no país. Há, porém, outras questões e implicações tão ou mais relevantes relacionadas a aspectos econômicos que não foram abordadas aqui.

A venda de dólares pelo BC certamente causaria uma grande valorização do real, o que prejudicaria o único setor da economia que está funcionando razoavelmente bem, que é o setor exportador. Esse seria, portanto, um exemplo de problema adicional.

Nenhum comentário: