terça-feira, 1 de março de 2016

Tentativa inútil - Míriam Leitão

- O Globo

O ex-presidente Lula está muito enganado se pensa que agora, sem José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça, será possível controlar e direcionar a Polícia Federal para impedir as investigações sobre tudo aquilo que anda nebuloso em sua vida. A PF não ficou autônoma por vontade do ex-ministro nem por bondade dos governos petistas. A democracia é que fez isso.

Entrevistei Cardozo no final do ano passado sobre exatamente essa queixa dos petistas, de que ele não controlava a PF. Ele me respondeu: — Há quem me acuse de não controlar a Polícia Federal para proteger os amigos e há quem me acuse de instigar a PF contra adversários. As críticas são infundadas e esquizofrênicas. Ou eu controlo ou não controlo. O ministro da Justiça tem que garantir o Estado de Direito e, portanto, que as investigações sejam feitas de forma autônoma.

Não é o que pensa o ex-presidente Lula. No aniversário do PT, ele se disse perseguido pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, que estariam, segundo ele, subordinados à imprensa. As críticas que ele faz à imprensa são uma repetição do que fala sempre. Não é novidade. Mas ele foi além nestas críticas.

— Continuo defendendo as instituições sérias. Continuo acreditando que é necessário ter uma Polícia Federal responsável. Ter um Ministério Público sério, ter órgão de fiscalização competente. Mas é preciso que essas instituições, por serem fortes, tenham responsabilidade. Não pode primeiro um procurador falar para uma revista para depois falar com advogado. Não dá para primeiro a Globo saber da notícia para depois o advogado saber — disse Lula.

Fica- se sabendo, assim, que Lula acha que a Polícia Federal e o Ministério Público não estão sendo sérios nem estão agindo com responsabilidade. O ex- presidente disse que lutou pela independência do Ministério Público e agora o MP estaria recebendo ordens da imprensa e que os juízes estão “acovardados”. Disse que as pessoas que “se subordinam dessa forma” não merecem o cargo de “fazer Justiça e investigar”.

A independência do MP é uma conquista coletiva. Ele, como constituinte votou por isso, mas não foi ele que “fez” essa independência. É o resultado de uma luta de todo o país por instituições democráticas e sólidas. Quanto à Polícia Federal, é um órgão ligado ao Ministério da Justiça, mas hoje nenhum ministro teria o poder de mandar parar investigação porque, entre outras coisas, os delegados e agentes não aceitariam. Mas sobretudo o país não aceitaria.

Em vez de se concentrar em explicar as inúmeras inconsistências das notas do Instituto Lula, ou da falta de sequência lógica na linha de defesa de Lula, é mais fácil, como é costume do ex-presidente e seus amigos, achar que a culpa é de alguém ou de algum órgão.

O presidente do PT, Rui Falcão, em uma das inúmeras vezes que falou sobre o assunto nos últimos tempos, acusou a PF e o Ministério Público de fazerem uma “perseguição inominável” ao ex- presidente e de “manipulação” para incriminá-lo.

O melhor que Lula tem a fazer é respeitar as instituições que um dia ele presidiu, e pretende voltar a presidir a partir de 2018, e abster- se de tentar abalar, nas pessoas que ainda acreditam nele, a confiança em instituições que nos custaram tão caro construir. Em seguida, deveria encontrar bons e sólidos argumentos para se defender. Atualmente, como mostrou a pesquisa Datafolha publicada neste fim de semana, 62% dos brasileiros acham que ele foi favorecido pelas empreiteiras, as mesmas que têm executivos presos e tocam inúmeras obras no Brasil.

Cardozo, na entrevista que me concedeu em novembro do ano passado, disse que a autonomia da Polícia Federal era resultado de o país estar criando “uma cultura republicana”. Quando perguntei o que aconteceria se ele caísse e fosse nomeada uma pessoa com o objetivo de controlar a PF, ele deixou claro o que pensava:

— É claro que podem existir subterfúgios. Pode-se nomear pessoas sem espírito público ou que queiram, através de situações canhestras, passar informação adiante. Tudo é possível no exercício do poder, mas não é simples. Nos últimos anos desenvolveu-se uma cultura de autonomia. A nova geração de delegados criada nesse novo clima, e os antigos que permaneceram, têm orgulho disso. Dificilmente a instituição aceitaria ser manipulada.

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