sexta-feira, 15 de abril de 2016

A fragilidade inerente ao oitavo vice - César Felício

• Temer não conta com capital político para gastar

- Valor Econômico

Caso chegue à presidência da República no próximo mês, Michel Temer será o oitavo vice-presidente a comandar o país, entre os 24 que exerceram a função desde 1891. A proporção é de quase um em três, o que é um retrato da instabilidade brasileira. O impeachment, se ocorrer, fará com que Luiz Inácio Lula da Silva, por mais alguns anos, seja o único presidente desde 1926 que recebeu o poder de um antecessor eleito e o passou para outro nesta mesma condição.

Dos sete vices tornado presidentes na história do Brasil cinco chegaram ao poder de forma acidental: não tiveram qualquer participação no fim do governo do antecessor. Simplesmente estavam lá, a postos para acasos como a morte, a renúncia ou a destituição. Foi o caso de Nilo Peçanha (1909), Delfim Moreira (1919), João Goulart (1961), José Sarney (1985) e Itamar Franco (1992).

Protagonistas da desgraça do titular foram apenas Floriano Peixoto (1891) e Café Filho (1955). Michel Temer também é um ator extremamente relevante do processo atual de destituição da presidente. A diferença em relação a Café e Floriano, como pontuou o vice em entrevista ao jornal 'Estado de S.Paulo", é que não se pode falar em golpe quando está fora do horizonte um cenário de ruptura institucional. O impeachment faz parte das regra do jogo, independente de suas reais motivações.

Ao contrário do que afirmou em sua carta de dezembro, Temer nunca foi um "vice decorativo". Na condição de segundo na linha sucessória, apenas ele e Goulart foram caciques partidários, figuras decisivas em suas siglas.

Temer moveu o PMDB contra o governo e apresentou um projeto econômico contrário ao modelo dilmista. Sem estes dois fatores, é difícil imaginar o sucesso do impeachment da pedalada.

A ascensão de Temer, de certo modo, pode se tornar um anteparo da política ao sentimento antipolítico, que vai em rota crescente no Brasil desde junho de 2013. A manutenção de Dilma na presidência, tende a fortalecer as correntes de rejeição ao Congresso, em um período eleitoral. Alavanca Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, entre outros.

A construção de maioria parlamentar é muito mais palpável em uma presidência de Temer, e um debate sobre uma agenda econômica, seja a proposta pelo vice, seja outra qualquer, poderia enfim começar.

O desafio para Temer será conter as ruas. Dilma promete ser uma carta fora do baralho, mas Lula e esquerdas procurarão traduzir em consequências concretas o que seria a reação ao que classificam como golpe. Contra um "golpista", vale tudo. A oposição que farão a Temer não deve permitir qualquer contemporização ou espaço para diálogo.

Nesta hipótese, Temer seria um presidente em permanente defensiva. Ele não contaria assim com a maré montante que permitiu a navegação relativamente tranquila de Fernando Henrique na implantação de um programa voltado para o mercado e a diminuição do Estado.

Seus defensores se espelham na Argentina deste ano para citar como a mudança de expectativas em relação ao governo move a economia. É uma comparação manca, porque Mauricio Macri faz um ajuste de alto impacto inflacionário, previsível para qualquer argentino razoavelmente informado sobre sua pessoa, depois de um processo eleitoral em que obteve um triunfo inquestionável. Nem Temer, nem qualquer vice que chegue ao poder, conta com capital político para gastar, e é isso que os fragiliza e recorta seus raios de ação. O problema se agrava quando o vice colaborou de forma ativa para o fim do governo anterior.

Dos outros dois vices protagonistas, Café Filho foi uma figura menor. Era um opositor de Getúlio, que entrou na chapa por indicação do então governador paulista Adhemar de Barros. Getúlio o ignorou na campanha eleitoral e Café venceu com dificuldade, em tempos onde as eleições de presidente e vice eram desvinculadas.

No dia 23 de agosto de 1954, horas antes do suicídio do presidente, Café ocupou a tribuna do Senado para anunciar seu rompimento com Getúlio, que teria recusado uma proposta de renúncia dupla para solucionar a crise política. No dia seguinte, chamaria a oposição para ocupar o ministério. Em 1955, manobrou como pôde para influir na própria sucessão e assistiu inerme a uma conspiração para impedir a posse do sucessor eleito. Licenciado para tratar da saúde, tentou voltar ao cargo quando um golpe militar destituiu seu substituto, o presidente da Câmara, um conspirador conhecido.

Um afastamento a toque de caixa foi votado pelo Congresso, no dia 22 de novembro. O que tecnicamente foi o primeiro impeachment do país é um episódio quase esquecido na atualidade.

Floriano Peixoto, o primeiro vice a tramar contra o antecessor, foi uma das figuras mais impressionantes da história republicana. General que se definia como "carneiro de batalhão", segundo relato da historiadora Isabel Lustosa, Floriano era tido como um monarquista até o dia da queda de Pedro II.

Ao longo do dia 15 de novembro de 1889, procurava tranquilizar o primeiro-ministro, afirmando que nada grave estava ocorrendo. Em determinado momento do dia, conduziu o marechal Deodoro ao chefe do governo, para que o militar lhe desse a voz de prisão.

Dois anos depois, estimulou o meio sindical e a Marinha a se insurgir e depor o primeiro presidente, que havia fechado o Congresso. Governou despoticamente, insuflou as esperanças de militares jacobinos e entregou a República para a cafeicultura paulista. Floriano oficialmente jamais assumiu a presidência. Para evitar que o Congresso elegesse outro vice-presidente, manteve esta condição até o fim de seu governo.

Nenhum comentário: