segunda-feira, 4 de abril de 2016

À frente do governo do Rio, Dornelles confirma 'centrão' para defender Dilma

Por Cristian Klein e Heloisa Magalhães - Valor Econômico

RIO - Em 1950, o líder da oposição Carlos Lacerda, da UDN, afirmou, em declaração que entrou para a história como símbolo de golpismo radical, que "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar".

Aos 81 anos, o governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, tem a experiência de quem viveu épocas turbulentas como as que culminaram em 1954 no suicídio de Getúlio - primo de seu tio, Ernesto Dorneles, ex-governador do Rio Grande do Sul - e na quebra do regime democrático em 1964.

Presidente de honra do PP, um dos partidos da base aliada de Dilma Rousseff, Dornelles analisa o cenário atual da política brasileira com uma visão quase antilacerdista. A tendência, diz, é que a presidente não será apeada do poder pelo impeachment. Se for, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá derrubar a decisão do Congresso. E se o STF não derrubar, o próximo governo será inviabilizado por um Partido dos Trabalhadores 'mordido'. "O PT não sabe governar, mas sabe fazer oposição. Tem esses movimentos todos de sem casa, sem roupa, sem mulher... Para mobilizar esse pessoal todo, eles param o país", afirma.

Dornelles ocupa o lugar de Luiz Fernando Pezão (PMDB), que está licenciado para tratamento de um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que atingiu duas vértebras. Pezão é um dos governadores aliados mais fiéis a Dilma. Às voltas com a crise financeira do Estado, Dornelles mantém a política do titular de solidariedade à petista. Em sua opinião, o impeachment não passará pois, apesar do rompimento do PMDB, o governo está costurando bem a colcha de retalhos de apoios dos partidos médios e pequenos. "Estão dando para eles o que era do PMDB, e isso tem um efeito muito grande", diz.

Dornelles conta que tem conversado muito com Ciro Nogueira, que o sucedeu na presidência do PP, e com o deputado Ricardo Barros, do Paraná. E confirma que está em curso a montagem de um "centrão" para defender o governo, no vácuo deixado pelos pemedebistas. "Esses partidos pequenos estão procurando o Ciro para fazer uma frente anti-impeachment", diz.

Para o PP, Dilma está oferecendo a presidência da Caixa Econômica Federal e o ministério da Saúde, além da Integração Nacional, já ocupada pela sigla. O governador em exercício afirma que os votos necessários na Câmara contra o impeachment podem ser obtidos com muita oferta e pressão.

Lembra que o momento atual assemelha-se à operação bem-sucedida feita pelo ex-presidente José Sarney para impedir a redução de seu mandato para quatro anos. Dornelles, que defendia o mandato mais curto, diz que nunca sofreu tanta pressão em sua vida como aquela. Na véspera, chegou a dormir num hotel, para não receber telefonemas. Acordou, foi para o Congresso e surpreendeu-se. "Mais de dez pessoas que iam votar contra o Sarney já tinham mudado de posição", relata. A operação contou com farta distribuição de cargos e concessões de rádio e TV. Sarney acabou ficando cinco anos.

No caso do PP, o político afirma que, "com essa história de ficar na base", a sigla se tornou a terceira maior bancada da Câmara. Por suas contas e por causa da recente janela de um mês que permitiu a troca de partido, a legenda tem hoje mais deputados que o PSDB.

"O governo atuou muito para mandar esses deputados para o PP. Há um grupo, sobretudo um pessoal do Sul, que vai votar [a favor do impeachment]. Mas entrou um pessoal do Norte e Nordeste [que votará contra]", diz. Calcula que dos 51 deputados, incluindo licenciados, apenas 22 votarão pelo afastamento de Dilma. "A não ser que a pressão de rua seja muito grande, ela consegue os 172 votos de que precisa", afirma.

Sobre a saída do PMDB, Dornelles diz que, apesar do rompimento, parte da legenda ainda fica com o governo. "Os ministros não saíram", destaca.

O governador em exercício ressalta que embora o impeachment seja um ato político, o julgamento tem que ter uma base jurídica. Até agora, diz que não viu crime de responsabilidade praticado por Dilma e prevê: "Se [a oposição] fizer impeachment apenas na força do número de deputados, acho que o Supremo pode derrubar".

Dornelles acredita que a linha a ser adotada pelo STF será a antecipada pelo ministro Marco Aurélio Mello, a de que é cabível recurso à Corte. Neste cenário, a polarização e a incerteza política e econômica se arrastariam com a judicialização. "O impeachment, sem argumentos muito fortes, iguala o Brasil a republiquetas latino-americanas. A melhor saída é manter dogmas do presidencialismo, o mandato de quatro anos. O fato de ela fazer um mau governo ou ineficiente não justifica o afastamento", defende.

Resolvida a batalha contra o impedimento, Dornelles prevê um fortalecimento de Dilma, porque "o receio que eles [governo] têm - a preocupação com a Lava-Jato - é que possa ser um instrumento para o impeachment". "No momento em que cai o impeachment, ela tem capacidade de administrar a Lava-Jato com menos tensão, o efeito na administração é muito menor", diz.

O governador especula sobre o potencial de estrago incerto de delações premiadas, como as de Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, e de Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia. Afirma que a do ex-deputado Pedro Corrêa "não tem prova de nada, é mais contação de história". E que a do senador Delcídio do Amaral "já deu o que tinha que dar". "Não falou muita mentira não, mas fantasiou muito", diz.

Dornelles diz acreditar que os procuradores da Lava-Jato buscam, acima de tudo, "chegar" ao ex-presidente Lula: "Disso eu não tenho dúvida". Mas considera que a divulgação da lista da Odebrecht, com mais de 200 nomes que teriam recebido doações da empreiteira, tem efeito favorável ao PT. Em sua opinião, a lista tem como objetivo mostrar que muitos políticos e partidos, que votarão o impeachment, também são suspeitos de corrupção.

Com tantos atores do sistema político envolvidos na Lava-Jato, Dornelles brinca: "O único que não quer acabar com a Lava-Jato é o [juiz Sérgio] Moro. Por ele, isso fica até o ano 3000. Dá uma projeção tremenda", diz. O governador o compara ao senador Nelson Carneiro (1910-1996), cuja carreira foi marcada pela bandeira do divórcio: "Ele defendia o divórcio de forma obstinada, mas torcia para não passar. No dia que passou, ele perdeu a eleição".

Francisco Dornelles crê que, se Dilma for afastada, um novo governo terá que adotar medidas que aumentarão sua impopularidade. "E aí o Lula cresce e fica em condição de mobilizar a massa. A hora do Brasil é a da oposição, daqueles que não estão com a responsabilidade de governar", diz o político, que critica os tucanos. "O PSDB é a UDN de hoje. Faz uma oposição de qualquer jeito, com base ou sem base", afirma, evitando estender a pecha de 'udenista' ao presidente do partido Aécio Neves, como fez recentemente. Dornelles é sobrinho de Tancredo Neves (1910-1985), avô de Aécio.

A crítica, porém, alcança a atuação de entidades como a Fiesp e a Firjan, que publicaram listas com fotos e nomes de deputados que participam da comissão do impeachment. "Não sei como o PT não fez um pedido para ver quem pagou aquilo, se saiu do imposto sindical. Muito agressivo, nunca vi isso na história do país". Em sua opinião, no entanto, o empresariado pode ficar a favor de Dilma, caso ela não seja afastada. "Quem assumir deve fazer um grande movimento de conciliação nacional, de união. Temos que pacificar o país. Com esse clima de ódio, de violência, fica difícil retomar o processo de desenvolvimento", diz.

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