terça-feira, 5 de abril de 2016

Dilma é a última opção do Congresso - Raymundo Costa

• Se parece golpe e tem cheiro de golpe só pode ser jabuti

- Valor Econômico

O jabuti parlamentarista voltou à pauta do Supremo. A consulta estava agendada para março, 19 anos depois de ser feita pelo então deputado Jaques Wagner (PT-BA), hoje ministro-chefe-de-gabinete da presidente Dilma. Mas foi atropelada pelo julgamento do recurso da Câmara dos Deputados aos ritos do processo de impeachment estabelecidos pelo STF no fim de 2015. Agora está de novo em cima da árvore. Um lugar comum da política diz que jabuti em cima de árvore ou foi enchente ou mão de gente, pois o bicho não sobe em árvore. No caso, foi mão de gente.

O parlamentarismo, semiparlamentarismo ou semipresidencialismo, seja o nome que se queira dar, virou uma espécie de reserva técnica dos adversários do impeachment da presidente da República, especificamente de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), as duas portas de entrada que restaram a Lula no Congresso que vai decidir se afasta Dilma. Basicamente, a resposta que o Supremo deve dar é se o Congresso pode mudar o sistema de governo presidencialista sem prévia consulta plebiscitária.

À época, Wagner entendia que a mudança seria inconstitucional porque a Carta de 1988 estabeleceu que o sistema de governo seria decidido por meio de uma consulta popular, cinco anos mais tarde, em 1993. A vitória do presidencialismo foi categórica, com quase 70% dos votos. Na República, o país teve uma breve experiência parlamentarista, adotada em 1961, para evitar um golpe militar contra João Goulart, e derrubada em 1963 também em plebiscito e por mais de dois terços dos votos.

O sistema parlamentarista de governo poderia ter sido aprovado na Assembleia Constituinte de 1988. Segundo o senador José Serra (PSDB-SP), parlamentarista histórico, isso só não ocorreu por um equívoco das forças que o defendiam. O então presidente da República, José Sarney, admitia apoiar a proposta, mas em troca queria os cinco anos de mandato. As forças parlamentarista recusaram o acordo e decidiram medir forças com Sarney em torno do mandato de quatro anos. E perderam, como é sabido.

Serra diz hoje que não defende a adoção do parlamentarismo como um remendo casuísta para tirar Dilma do comando. É provável. Serra e o PSDB são parlamentaristas. Mas a discussão em curso no Senado é uma alternativa ao impeachment de Dilma. No limite, pode ser também uma saída para o caso de a presidente sobreviver ao impeachment, mas sem condições de governabilidade, o que parece cada vez mais factível, à vista do preço que Dilma está pagando para manter a cabeça presa ao pescoço. Ninguém entende como Dilma vai governar com uma coalizão de pequenos partidos e as ruas contra.

Dilma usa o que ainda tem à mão para se manter no Palácio do Planalto, principalmente o "Diário Oficial", já que a grana está curta. Nem que isso signifique nomear para uma agência reguladora um ex-senador que em 2006 conseguiu ser recusado pela Câmara dos Deputados para uma vaga no Tribunal de Contas da União. Algo inédito. Câmara e Senado sempre aprovaram os nomes indicados por uma das casas. Luiz Otávio (PMDB-PA) foi uma exceção: rejeitado por ministros e auditores do TCU, acabou tendo seu nome recusado pela Câmara. Agora vai dirigir a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), sugestão de Jader Barbalho acatada por Dilma Rousseff.

"A faxineira virou a Sugismunda", diz o deputado Danilo Fortes (PSB-CE), que acompanhou atentamente a passagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por seu Estado, no fim de semana. Proporcionalmente, o Ceará é a unidade que mais deve dar votos contra o impeachment, segundo avaliação do próprio Fortes, que perfila ao lados dos que querem Dilma fora. São quatro deputados ligados à família Gomes (Ciro e Cid), quatro ao governador Camilo Santana, do PT, mais parlamentares do PR, do PP e o ministro André Figueiredo (PDT), das Comunicações. Talvez 12 dos 22 deputados federais.

De volta a seu curral eleitoral, Lula parece mais à vontade. Promete cargos no Banco do Nordeste e na Caixa Econômica Federal. No discurso, o ex-presidente diz que ninguém mais que os parlamentares locais podem testemunhar as mudanças pelas quais passou o Nordeste nos últimos 13 anos de governos do PT. Cobra a fatura dos "projetos estruturantes" realizados em seus oito ano. Se o vice-presidente Michel Temer assumir, diz Lula, fará um "ministério de notáveis" sem representante nordestino.

Em 2010, com a eleição de Dilma já encaminhada, Lula investiu sua popularidade no Nordeste para derrotar alguns luminares da oposição no Senado. Foi uma razia. O PSDB perdeu o senador Tasso Jereissati, no Ceará, e o PFL o então senador Heráclito Fortes, hoje no PSB do Piauí, e Marco Maciel, que fora vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, em Pernambuco. A situação de hoje é muito diferente. A popularidade do ex-presidente é menos da metade, o país está em recessão e não há dinheiro em caixa para as promessas. Mas é Lula e não Dilma quem tenta escrever uma narrativa para o pós impeachment, com Dilma ou sem Dilma no Planalto.

O Supremo terá de fazer uma ginástica muito grande para autorizar o Congresso a realizar qualquer mudança no sistema de governo, sem antes fazer uma consulta à população. Mesmo com o parlamentarismo aparecendo disfarçado de semiparlamentarismo ou semipresidencialismo. Se parece golpe e tem cheiro de golpe, só pode ser jabuti em árvore. Outras propostas de última hora devem aparecer até a votação do impeachment, como a de convocação de eleições gerais, feita ontem, não por acaso, no Senado. Um tumulto que só confirma que Dilma não é a saída para a crise na cabeça dos congressistas. E Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente da Câmara, nem abriu sua caixa de ferramentas regimentais.

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