domingo, 10 de abril de 2016

O papel do Supremo – Editorial / O Estado de S. Paulo

Têm sido perturbadoras as mais recentes atitudes do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Sendo a instituição à qual cabe a palavra final sobre a interpretação da Constituição, o STF é responsável por fazer valer o princípio constitucional da separação dos Poderes. No entanto, eis que o próprio Supremo se imiscui em decisões exclusivas do Congresso, ajudando a agravar a perigosa crise institucional que o País atravessa.

Com seu ativismo, o Supremo começou por interferir na delimitação do próprio rito do impeachment, afetando atribuição exclusiva do Congresso. Decidiu como deve se dar a formação das comissões responsáveis pelo processo, quem pode e quem não pode se candidatar a integrá-las e como deve ser o voto em cada caso, entre outras definições.

Ao fazê-lo, o STF pode até ter dado ao processo o necessário carimbo da legitimidade, desautorizando acusações de que estaria em curso um “golpe”, como quer fazer acreditar a presidente Dilma, mas o fato é que somente o Legislativo pode estabelecer de que forma realiza suas votações e organiza suas comissões. Como está claro na Constituição, cada Poder tem suas atribuições, em respeito a suas peculiaridades e a sua natureza, e não é do Supremo o papel de estabelecer os ritos dos demais Poderes, pois isso significa usurpar a função do legislador. É a judicialização da política.

Essa deturpação das atribuições do Supremo ficou ainda mais explícita quando um de seus ministros, Marco Aurélio Mello, manifestou recentemente a opinião de que a presidente Dilma tem o direito de recorrer à Corte caso sofra o impeachment. O magistrado deixou claro que esse direito é assegurado mesmo em se tratando de um processo concluído num rito que inclui as duas Casas do Congresso e cujo julgamento final, no Senado, é presidido pelo próprio presidente do STF. Ou seja, para Marco Aurélio, a decisão soberana do Congresso a respeito do impeachment, sacramentada pelo presidente do Supremo, não tem nenhum valor, salvo se for confirmada pelo plenário desse mesmo Supremo. Trata-se de um evidente despropósito, que atropela as prerrogativas do Legislativo e o espírito da Constituição.

O mesmo Marco Aurélio também tomou a extravagante decisão monocrática de mandar a Câmara aceitar um processo de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer, que reagiu de forma irônica, dizendo que precisava voltar ao primeiro ano da faculdade de direito para entender a decisão de Marco Aurélio, e assim explicitou o risco de desmoralização do Supremo.

Esse risco é tanto maior quanto mais ávidos pelos holofotes alguns ministros do STF parecem ser neste momento de profundo impasse político. Não tem sido incomum que esses magistrados, em busca de inapropriado protagonismo, manifestem opiniões controversas fora dos autos, o que contribui para acirrar ânimos, antecipar julgamentos e, no limite, colocar em questão as decisões do Supremo. Tal comportamento em nada contribui para a solução da presente tormenta – ao contrário, pode ajudar a agravá-la.

A crise institucional é profunda e está à vista de todos. Apesar das aparências, ela não se limita ao Executivo, liderado por uma presidente sem nenhuma legitimidade, nem ao Congresso, presidido por acusados de corrupção e integrado por parlamentares com contas a acertar com a Justiça. Também o Supremo se deixou arrastar para o olho do furacão. Seus excessos não são tão escandalosos quanto os revelados pela Operação Lava Jato, mas são igualmente perniciosos, pois contribuem para que a opinião pública perca a confiança numa instituição que vive exclusivamente disso: da confiança dos cidadãos.

É hora, portanto, de os 11 ministros daquela Corte realizarem um profundo exame de consciência, avaliando a justa medida de seus atos e das consequências de suas decisões, recolocando tanto os comportamentos individuais como as diretrizes institucionais no caminho certo, que é o rigoroso cumprimento da Constituição e das leis do País.

O Supremo, afinal, não é um Poder Moderador, todo-poderoso porque irresponsável. É um Poder como os outros, com funções bem definidas e dentro das quais deve se manter.

Nenhum comentário: