sexta-feira, 8 de abril de 2016

O uso do governo - Míriam Leitão

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff já não governa, faz comícios. Pior é ter armado o palanque em propriedade pública: o Palácio do Planalto. Aquele espaço, ela pode usar para o exercício da presidência da República, mas não para os discursos e atos políticos, como tem feito. A Presidência é do país e não do partido. Há, neste caso, uma confusão entre o cargo e a pessoa que o exerce.

Quem está na chefia do país governa para todos, e não apenas para os seus seguidores. O país é o todo e não uma das partes. O chefe de governo, mesmo durante a luta política, deve buscar a união e não o aprofundamento do conflito. Dilma, nas últimas semanas, tem se dedicado a estimular a polarização.

É preciso saber como se comportar em cada situação. A presidente está enfrentando um processo de impeachment por seus atos de governo. Por isso é natural que seu defensor seja o advogado-geral da União. Afinal, erradas ou certas, foram decisões que ela tomou, ou providências que deixou de tomar, no exercício do cargo. E esses atos é que estão sendo avaliados. Não é natural, contudo, que ela use as dependências do Palácio do Planalto para estimular um grupo de brasileiros contra os outros. Se a atividade é de mobilização político-partidária, aquele não é o local apropriado.

A democracia exige que cada um saiba o seu papel, seus limites e entenda as nuances institucionais. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem usado descaradamente as prerrogativas que tem no cargo para se defender do processo no Conselho de Ética. É natural que ele se defenda, mas não é natural que ele use seu poder para criar obstáculos aos trabalhos do Conselho, como fez inúmeras vezes e permanece fazendo, à luz do dia.

Dos dois lados da disputa política, há líderes se comportando de forma inteiramente em desacordo com seus papéis institucionais. O Brasil tem visto, impotente, Eduardo Cunha usando a Câmara dos Deputados como se fosse sua casa, e a presidente Dilma usando a Presidência da República como se fosse um escritório partidário ou de campanha política. Cunha e Dilma são adversários, mas são iguais no erro institucional. Com seus atos parecem estar dizendo: “a presidência sou eu.”

O erro de não entender exatamente a diferença entre o que é público e que é partidário é um velho desvio do PT. Nos primeiros dias da administração Lula, Silvio Pereira e Delúbio Soares usavam as dependências do Palácio do Planalto como se fossem a nova sede do partido, e Marisa Letícia colocou uma estrela vermelha nos jardins do Alvorada. O partido tinha sido eleito para governar temporariamente e não para ser dono do Brasil.

Ontem, a presidente Dilma Rousseff fez mais um comício no Palácio do Planalto. De novo, ministros e funcionários fizeram parte da claque que gritou palavras de ordem. Deviam todos estar dedicados às suas tarefas de servidores públicos, às questões de Estado, mas, diante da falta de cerimônia com que Dilma usa os bens públicos, todos os seus subordinados estão convencidos que podem continuar transformando a estrutura pública de governo em barricadas.

O país vive uma crise profunda, que está vitimando famílias, empresas, solapando as chances de futuro. Quem tem a responsabilidade de tomada de decisões precisa se concentrar nas suas funções e na tarefa de tentar mitigar a crise. Mas a própria presidente dá o sinal de que a única agenda é a sua permanência no governo e por isso ministros, servidores, instalações públicas podem ser mobilizados para este fim.

O país assiste a essa usurpação do coletivo pelo particular pelos dois líderes que se enfrentam neste ringue. De um lado, o presidente da Câmara usa os poderes do cargo para se proteger, de outro, a presidente deixou de governar, para ficar em cima de um palanque montado dentro do Palácio do Planalto.

Há, em ambos os casos, uma confusão entre a presidência e a pessoa que exerce o cargo, seja a presidência da República ou da Câmara. É o cargo que subordina a pessoa e não o contrário. O que temos visto é uma distorção institucional que precisa ser corrigida para o bem da democracia.
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