domingo, 3 de abril de 2016

Paradoxos políticos - Merval Pereira

- O Globo

Dilma e os paradoxos da política Lula, em sua tentativa de ganhar votos contra o impeachment de Dilma, oferece cargos e salários aos deputados que se dispõem a serem “convencidos” por esses argumentos, mas também adverte: o Temer vai montar um ministério de notáveis, e vocês não terão vez no governo dele.

Estabelece-se assim o primeiro paradoxo dos muitos que infestam a política brasileira atual. Quem pode garantir a permanência de Dilma no Palácio do Planalto é um tipo de político que nada tem a ver com os movimentos sociais que estão nas ruas gritando “não vai ter golpe”.

A virada à esquerda de um futuro governo Dilma, exigida por essa turma, não terá o apoio da turma de políticos que eventualmente garantirá a permanência da presidente no cargo, pelo voto e, sobretudo, pela ausência.

A unir as duas alas, apenas o fisiologismo, explícito dos deputados e senadores que se deixam comprar pelos argumentos de Lula, e envolto em ares de patriotismo por parte dos movimentos sociais e grupos afins, que vivem da verba oficial anunciando-se ativistas políticos.

Já o vice Michel Temer, que precisará do apoio do Congresso caso se torne presidente nesse momento conturbado, confirma Lula em conversas oficiais. Sim, faria um ministério de notáveis, sem ceder a barganhas partidárias menores, caso chegasse à presidência em decorrência da crise em que nos metemos. Mas garante que não conversa sobre o tema, pois não conspira contra o governo Dilma, simplesmente aguarda os acontecimentos.

Não é nisso que os petistas acreditam, e nem foi essa a conversa que ele teve com o próprio Lula recentemente, onde se tratou de um futuro sem Dilma. Os deputados e senadores que buscam o melhor preço para seus votos estão atordoados. Não sabem em quem acreditar, se no PT de Lula, que monta um ministério com o baixo clero, mas joga mesmo no apoio dos movimentos sociais, se no PMDB de Temer, que sinaliza para uma direção jamais vista no partido, provavelmente por que o PMDB nunca esteve tão próximo do poder real do que agora.

E quando chegar lá, o que será? A Constituição de 1988 é a Constituição cidadã de Ulysses Guimarães, maior referência do MDB histórico. Lembrando isso, o que os seguidores de Temer querem dizer é que as conquistas sociais que ela garantiu não serão abandonadas, ao contrário, o seu aprofundamento é a única saída para um governo que precisará de apoio popular para fazer a transição dando à economia um mínimo de direção.

Os cerca de 50 deputados que transitam hoje na faixa da indecisão para avaliar melhor as perdas e os ganhos do voto que darão têm ainda um balizamento para avaliar: as eleições municipais deste ano. Por mais animadoras que possam ter sido as manifestações pelo país a favor da presidente Dilma, são minoritárias e refletem apenas o aparelhamento da máquina do Estado brasileiro nos últimos anos.

Os políticos que se deixam levar por esses movimentos sociais já estão devidamente acomodados nos partidos de esquerda que apoiam o governo, como o PT e o PCdoB, ou os do Psol, que são oposição a Dilma, mas apoiam sua permanência no posto. O Psol, que surgiu justamente da revolta de petistas com o mensalão.

Quem decidirá o jogo é o tal “centrinho”, que não se engana com Lula nem o PT: seus membros avaliam apenas se haverá tempo suficiente para dividir o botim, sem esperar nada, nem mesmo solidariedade, caso uma Operação Lava-Jato da vida, atual ou futura, revele o que todos estamos vendo à luz do dia: um novo mensalão sendo negociado até mesmo com políticos em prisão domiciliar.

E assim la nave va. Para onde?

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