quinta-feira, 14 de abril de 2016

Vitória de Pirro - Maria Cristina Fernandes

• Moderados perderam assento numa capital federal radicalizada

- Valor Econômico

A capital das conciliações suprimiu, por tempo ainda indeterminado, assento para os moderados. Brasília hoje é dos radicais. Dos que propõem impeachment face a um duvidoso crime de responsabilidade e daqueles que ameaçam dar o troco com oposição incessante e incendiária a quaisquer medidas de um eventual governo Michel Temer.

A ameaça de contestação de movimentos sociais e sindicatos à legitimidade de sua posse levou o entorno do vice-presidente a cogitar, como primeira medida, o reajuste do Bolsa Família, programa que, a despeito da fama adquirida entre os acampados da Fiesp, consome apenas 0,5% do orçamento.

As boas intenções do 'pacificador' da nação, como o vice se anunciou em sua minuta de pronunciamento, não vai desmontar as barricadas de Brasília. É uma esquerda pré-constituinte de 1988 que tende a emergir se a presidente Dilma Rousseff vier a ser impedida de governar, numa radicalização derivada, em grande parte, da incapacidade de transitar pelos acordos da política e lhes dar eficácia.

Em todos os mapas de votação que circulam no mercado, o único voto garantido do PMDB do Rio em defesa da presidente é o do líder do partido na Câmara, o deputado Leonardo Picciani. A escolha do deputado para a liderança encabeçou a estratégia do governo para tomar o PMDB da aliança entre o vice e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O deputado assumiu com o aval da cúpula de um dos Estados mais beneficiados por verbas federais na era petista.

O prestígio do PMDB do Rio é proporcional ao tamanho da bancada. São 12 parlamentares, a maior do partido. O investimento para conquistá-los teve um retorno próximo de zero, tanto para o mandato de Dilma quanto para os cidadãos fluminenses que experimentam, no dia a dia de hospitais falidos e salários em atraso, o desastre da maior gestão pemedebista do país.

Ao PT que aprovou a contribuição de inativos, o fim da aposentadoria integral de servidores e seguiu, durante a maior parte de seu tempo no poder, a cartilha da responsabilidade fiscal, não se lhe apresentem, se derrotada Dilma, idade mínima para a Previdência, leis trabalhistas ou desvinculação de gastos sociais. Esqueça-se a nova carta ao povo brasileiro que se burilava no bunker lulista.

A nova agenda de esquerda pode não ter os mesmos cento e poucos votos que a presidente conseguirá levar ao plenário no domingo, mas ameaça manter os decibéis que, nas últimas semanas, alimentou as palavras de ordem das plenárias não-vai-ter-golpe. Não parece ser outra a razão por que o economista Arminio Fraga tanto hesita em assumir um eventual Ministério da Fazenda.

Os desastres da negociação política do governo, rebatidos com a sordidez da aliança da oposição com o deputado Eduardo Cunha, que pode virar vice-presidente da República antes de se tornar réu, extrapolou os limites da paciência dos moderados da capital federal.

Um integrante do primeiro escalão do governo que não é petista nem investigado na Lava-Jato e é ponte frequente entre os extremos da capital federal, já avisou que, desta vez, está fora. Não contem com ele para aproximar os campos em disputa. O tempo, avisa, é dos cartuchos.

Se a Câmara autorizar o Senado a julgar a presidente Dilma Rousseff, o país teria de uma a duas semanas sob o governo de uma presidente sub júdice e de um vice ainda desinvestido de faculdades constitucionais para agir. Foi sob este clima que circulou ontem, em Brasília, sob negativas oficiais, a especulação de que o país poderia assistir à decretação de um Estado de Defesa.

O recurso extremo tem que ser autorizado pelos Conselhos da República e da Defesa Nacional, que nunca se reuniram sob a vigência da atual Carta, e ratificado, em 24 horas, pela maioria absoluta do Congresso Nacional. O Conselho da República suspende garantias constitucionais sob a justificativa de garantir a ordem pública 'ameaçada por grave e iminente instabilidade institucional'. O tema frequentou conversas de Temer com emissários das Forças Armadas.

É este o clima que leva a se dobrar a aposta de que o ex-ministro Nelson Jobim voltará à Esplanada seja qual for o desfecho da votação de domingo. Aliados de Temer confessam desconforto com a profusão de prisões preventivas e delações, mas teóricos da conspiração nele veem poderes ainda maiores. Jobim seria capaz de aliciar ministros do Supremo, transferir delegados da Polícia Federal e negociar, no Congresso, projetos de lei que esterilizem a Lava-Jato.

Uma grande parte dos teóricos mora em Curitiba e, agora que Dilma está para cair, temem o nome de seu sucessor para o Ministério da Justiça. O atual, a despeito de já ter conversado com o ex-delegado da Polícia Federal, Paulo Lacerda, um dos artífices da independência da PF no início da era petista, ainda não mexeu uma palha. Até porque tem sua posse contestada pelo Judiciário.

Jobim já não tem tantos amigos no Supremo. Gilmar Mendes tornou-se seu desafeto desde o dia em que vazou conversa com Lula. Marco Aurélio Mello e Celso de Mello não eram de sua turma quando dividiam o mesmo plenário. Cármen Lúcia lhe é indiferente. Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Dias Toffoli não lhe devem a indicação para o cargo.

O presidente da associação nacional dos procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, não alimenta os temores de seus colegas de Curitiba. Descrê que a Lava-Jato corra risco de retrocessos. Quaisquer tentativas nesse sentido, diz, seriam denunciadas com alarde pelo ministério público.

Robalinho não exibe a mesma certeza em relação a projetos que tramitam no Congresso e podem vir a evitar novas operações do gênero. O procurador não apenas teme a celeridade desses projetos como a morosidade daquelas que ficaram conhecidas como as "10 dez medidas para acabar com a corrupção", apresentadas pelo MP.

De Chicago, o juiz Sergio Moro anunciou que a Lava-Jato pode chegar ao fim até dezembro. Se o juiz sair de cena e a opinião pública cansar da vigilância, as decisões referentes à operação que hoje estão no Supremo podem deixar de se guiar pelo velocímetro de Curitiba.

No melhor das hipóteses, as radicalizações da capital federal continuarão a ser moduladas pelo futuro da operação que, talvez por coincidência, deu à sua última etapa, a prisão de um ex-senador da cama e cozinha dos pemedebistas até outro dia abrigados no Palácio, o nome de 'Vitória de Pirro'.

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