sexta-feira, 27 de maio de 2016

Debater as prioridades – Editorial / Folha de S. Paulo

O governo de Michel Temer (PMDB) passou em seu primeiro teste parlamentar ao obter permissão do Congresso para incorrer em deficit recorde de R$ 170,5 bilhões (2,8% do PIB) neste ano.

A vitória, importante por mostrar capacidade de articulação, tem o efeito positivo de evitar a paralisia da máquina pública, o que seria desastroso para o presidente interino. As batalhas mais difíceis, porém, ainda estão por vir.

A mudança da meta escancara a calamidade deixada pela administração petista. Projetava-se inicialmente um saldo positivo de R$ 24 bilhões. Pouco antes de ser afastada, Dilma Rousseff já encaminhara projeto de revisão para um deficit de R$ 96 bilhões -o que também se mostrou errado ao contar com estimativas otimistas de receitas.


Alterações de dezenas de bilhões de reais em poucos meses ou semanas atestam o quanto o país voava às cegas. Daqui para a frente, em tese haverá busca por maior previsibilidade; a crer no ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não haverá nova modificação neste ano.

Deu-se com isso o primeiro passo na longa caminhada de reconstrução das contas públicas. Em vez de cortes emergenciais e aumentos de impostos para tapar buracos de curto prazo, o governo pretende fazer o Estado caber dentro do Orçamento de forma sustentável.

O ponto de partida está na proposta de alterar a Constituição e fixar um teto para o aumento das despesas públicas. Isso tornará inevitável o fundamental debate sobre as prioridades do Estado brasileiro a longo prazo.

Para que o teto funcione, serão necessárias mudanças em temas que até agora se mostraram tabu: Previdência e vinculações de receitas, que resultaram em contínuo aumento das despesas sociais, sobretudo com saúde e educação.

Até por causa do tamanho do problema, não há bala de prata. Será um processo longo e penoso de convencimento da sociedade de que é preciso fazer escolhas. Se o país quiser expandir os aportes em serviços essenciais, deverá estancar o aumento de outras rubricas.

Critérios mais restritivos para despesas de pessoal e reavaliação de subsídios para os que menos precisam são parte da solução.

Por fim, tudo indica que algum aumento de impostos será inescapável. O governo Temer acerta ao deixar essa discussão para um segundo momento. Será desejável caminhar para uma estrutura tributária mais progressiva, com maior prevalência sobre rendimentos do trabalho e do capital, e menos da produção e do consumo.

É uma agenda bastante difícil até para um governo eleito, que dirá para um interino. Depois de anos de populismo e interdição do debate, todavia, o país já ganhará muito se aumentar a discussão sobre prioridades e conseguir algum controle sobre os gastos públicos.

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