quinta-feira, 19 de maio de 2016

Lewandowski fará diferença? - Fábio Wanderley Reis

- Folha de S. Paulo

Consumado o afastamento de Dilma Rousseff, começa a fase em que o processo de impeachment será formalmente conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, na pessoa de seu presidente, Ricardo Lewandowski. O que esperar disso?

A suspensão de Eduardo Cunha do mandato e da presidência da Câmara expôs de modo especial a confusão em torno de lei versus política no processo, enraizada na ruindade evidente de nossa legislação sobre o impeachment.

Depois de manifestações divergentes de ministros do STF sobre rito e mérito e de debates inócuos no âmbito do Congresso em que a defesa do governo, feita em termos jurídicos, resultou amplamente irrelevante, vimos algo mais: o atropelo do próprio STF em torno da esquisita situação produzida pela ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da Rede Sustentabilidade.

O ministro do STF Teori Zavascki, encarregado de denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Eduardo Cunha, depois de meses a fio de silêncio, precipitou-se numa liminar e conseguiu reunir em torno dela o apoio do plenário para uma decisão em que, com reiteradas ressalvas pelo caráter juridicamente problemático da intervenção em outro poder, Cunha foi unanimemente declarado desprovido de condições mínimas para o exercício do cargo.

Estranhamente, a deliberação a respeito deixou de extrair qualquer consequência da gritante relevância da decisão para o andamento do processo de impeachment, de longe a principal ação da presidência de Cunha, de motivação notoriamente torta e denunciada como tal.

Por que os pudores jurídicos do Supremo em um plano justificam ressalvas, enquanto no outro -a destituição da presidente!- devem emudecer-se inteiramente?

É notável que os desencontros dos ministros do STF, em manifestações públicas frequentes de conteúdo político sobre a questão geral, não surjam nos debates em plenário. Seja como for, é inaceitável a ideia de que a expectativa de uma decisão zelosa sobre a existência ou não de crime, cuja denúncia deflagra o processo de impeachment, deva simplesmente frustrar-se.

Estudiosos da política atentos ao trabalho dos economistas têm se valido da ideia da "busca do interesse próprio com perfídia", formulada pelo economista Oliver Williamson anos atrás. Na ausência do controle exercido "de cima" por normas efetivas, que permitam às interações assumir forma regrada e talvez cavalheiresca, a necessidade de que os próprios agentes do mercado (ou da política) exerçam "endogenamente" o controle de seu intercâmbio tende a resultar no predomínio da perfídia, do oportunismo e do conflito.

Admita-se que fatos estritamente políticos, mesmo sem a ocorrência de crime, podem ocasionalmente criar situações em que o afastamento excepcional de um governante se torne recomendável em nome do bem público.

Mas é claro o paradoxo envolvido em salientar que a Constituição dispõe sobre o processo de impeachment e o regula, o que significa dar-lhe caráter jurídico (não é golpe!), e pretender ao mesmo tempo que a solução do impeachment não seja senão política...

Insistir no paradoxo significará, para o Poder Judiciário, esquivar-se às responsabilidades que nossa tradição constitucionalista lhe atribui e abdicar da revisão judicial como esteio do nosso sistema político.

Ao contrário, é indispensável criar as condições para que o recurso eficaz à Justiça esteja sempre disponível, à margem do perde-ganha factual do terreno político.

Abrir mão da garantia jurídica redundará, como já se tornou patente, em conclamar à perfídia e ao vale-tudo, e possivelmente em ensejar que a intensa polarização a que o país se vê levado venha a explodir em violência aberta.

É a hora das provas. Lewandowski fará diferença?
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Fábio Wanderley Reis, 78, cientista político, doutor pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais

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