segunda-feira, 23 de maio de 2016

Sobrou pouco para Maduro na região, diz líder de Parlamento venezuelano

Samy Adghirni – Folha de S. Paulo

CARACAS - Um dos ícones da oposição na Venezuela, Henry Ramos Allup, presidente da Assembleia Nacional, afirma que o chavismo sabe que o presidente Nicolás Maduro não tem "a menor chance" de sobreviver a eventual referendo revogatório e que governos aliados como os de Equador e Bolívia "já perceberam que Maduro está à deriva".

Por isso, diz ele à Folha, governistas tentam ganhar tempo para que o referendo, dado como certo por Ramos Allup, ocorra em 2017, quando o presidente seria substituído pelo vice, Aristóbulo Istúriz, sem necessidade de nova eleição presidencial.

O risco, porém, diz o deputado, é que o chavismo use um novo referendo em 2017 para levar ao poder a atual primeira-dama, Cília Flores.

Em sua primeira entrevista a um veículo de imprensa brasileiro desde que assumiu o comando do Parlamento, após a histórica vitória da oposição na eleição de dezembro passado, Ramos Allup negou manter diálogo com o chavismo e elogiou a maneira como, a seu ver, o Brasil está "resolvendo" sua crise política.


• Folha - Nicolás Maduro disse na semana passada ter autorizado aliados a dialogar com a oposição, citando o seu nome. O que há de concreto?

Henry Ramos Allup - É muito difícil prestar atenção no que diz Maduro, porque ele não fala de maneira articulada e coerente. E tem parecido atormentado ultimamente. Mas, não, nenhum de nós falou com ele.

[Na quinta, dia 19] conversei com [o ex-premiê espanhol José Rodríguez] Zapatero e [com o ex-presidente panamenho Martín] Torrijos. Eles se ofereceram para propiciar um diálogo aberto e com agenda precisa. Não vejo saída que não seja eleitoral.

• Zapatero e Torrijos estão trabalhando para ativar o referendo revogatório?

Eles não irão palpitar nem têm por que fazê-lo. Só disseram que os problemas têm de ser resolvidos pelos venezuelanos dentro do marco da Constituição e das leis. Isso é exatamente o que pregamos.

• A oposição diz que o órgão eleitoral está protelando o revogatório, mas, por lei, o processo poderia ter sido iniciado em janeiro. Por que não o fizeram?

Por que tê-lo feito em janeiro, se estamos dentro do prazo para fazê-lo agora?

É verdade que há uma diferença importante: se o referendo revogatório for ativado neste ano, em 30 dias deve haver eleições presidenciais. Mas se for só no próximo ano [e o "sim" ganhar], Maduro sai de cena e cede lugar ao vice-presidente, que ficaria até o fim do mandato [2019].

É uma maneira de deixar tudo como está. Outro problema é que não sabemos quem será o vice-presidente nesse momento. Sempre corremos o risco de que esse vice possa renunciar e colocar outra pessoa em seu lugar. Pode ocorrer de [o atual vice-presidente] Aristóbulo Istúriz assumir a Presidência, nomear Cília Flores [mulher de Maduro e deputada] vice e renunciar em seguida. Assim, Cília poderia ser presidente.

• Como o sr. interpreta declarações do deputado chavista e ex-presidente do Parlamento Diosdado Cabello dizendo que o referendo contra Maduro "poderia acontecer" em 2017?

Essa gente sabe que, na hora em que houver o referendo, Maduro sairá de uma maneira que mostrará claramente sua acachapante rejeição. Por isso querem adiá-lo, porque todos eles perdem se for neste ano.

Diante da pressão, sua estratégia é fazer com que o referendo ocorra no próximo ano, de forma que Maduro saia e algum deles complete o mandato.

• Precisa haver mais gente na rua para pressionar o órgão eleitoral a ativar o referendo?

Não vimos mais aquelas manifestações opositoras de 2002, com 1 milhão de pessoas. Mas todos os dias há protestos que se propagam pelo país.

Não há um caracazo [revolta popular que resultou em 300 mortes em 1989], mas centenas de pequenos caracazos. Há muitos saques, e caminhões de alimentos estão sendo tomados. Isso não é estratégia dirigida, mas o reflexo do momento político e econômico.

• Esses eventos poderiam se articular e se tornar algo muito maior?

Sim, mas também não seria fruto de nenhuma coordenação meticulosamente elaborada. O que nós [opositores] fazemos são protestos como os da semana passada. Saímos para nos manifestarmos de forma pacífica e pedirmos que se ative o referendo. E condenamos totalmente a violência cometida por grupelhos mais exaltados.

• Como a Assembleia Nacional lida com as travas colocadas peloTribunal Supremo de Justiça (TSJ, a corte suprema)?

A maior prova da violação do Estado de direito e da falta de separação de poderes na Venezuela é esse comportamento criminoso do TSJ. A cada vez que algum organismo internacional se pronuncia sobre a Venezuela, a primeira coisa que menciona é a intromissão do TSJ e a violação da Constituição contra o poder soberano, o único não controlado pelo governo.

• Como o sr. reage à afirmação de Maduro de que talvez a Assembleia Nacional deixe de existir até outubro?

Estou esperando que venha me prender ou mande invadir a Assembleia com as Forças Armadas, vai saber.

Tenho certeza de que em outubro ainda haverá Assembleia Nacional. E, caso se cumpram os prazos do revogatório, em novembro Maduro já era.

Também oferecemos uma emenda constitucional para encurtar o mandato de todo mundo, Executivo, Legislativo e Judiciário, mas ele não quis saber de nada.

Podem fazer o que quiserem, mas nós não reconheceremos nenhuma decisão do TSJ contrária à Constituição.

• Até que ponto as divergências internas prejudicaram a oposição?

Tivemos, temos e continuaremos tendo divergências, mas estamos de acordo sobre o que precisa ser feito e como consegui-lo. Já o governo vive uma tragédia nesse quesito. Há generais e gente que até dia desses era parte do núcleo militarista chavista que hoje fala horrores do Maduro. [Na quinta, 19] o general Cliver Alcalá Cordones disse apoiar o revogatório.

• O senhor concorda com aqueles que defendem, em caso de mudança de governo, medidas sociais de emergência para proteger a população mais pobre que depende dos produtos a preços regulados?

O próximo governo terá de lidar com uma tragédia econômica e será obrigado a tomar medidas. Não resolverá nada trocar uma cara por outra já que o governo não fez o necessário para superar a crise. Qualquer ajuste tem custo, mas há custos e medidas compensatórias.

Tenho certeza de que, sob a perspectiva do distanciamento histórico, o balanço da gestão de Chávez será trágico. É um dos episódios mais dolorosos e decadentes da história da Venezuela. Ele destruiu sem construir nada. E deixou o herdeiro com uma mão na frente e outra atrás.

• O processo de impeachment de Dilma Rousseff, no Brasil, é uma boa notícia para a oposição venezuelana?

A boa notícia é que os brasileiros estão resolvendo uma crise política com aplicação rigorosa de sua Constituição. É um processo complexo, que começa com os deputados, vai ao Senado e tramita na Justiça, primeiro como expressão política, depois como expressão jurídica.

Quem dera se aqui também pudéssemos resolver a crise política de maneira pacífica e constitucional.

• O contexto regional parece favorável ao antichavismo.

Claro, porque a situação da Unasul [União Sul-Americana de Nações] muda com novos presidentes no Brasil e na Argentina. Hoje vemos declarações contundentes de países que, em certa época, se beneficiaram das políticas de Hugo Chávez e Maduro.

No caso de Equador e Bolívia, temos informação de que fizeram exigências privadas de correção de rumo.

Eles percebem que esse governo está à deriva. Sobrou bem pouca coisa para Maduro na América Latina.

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