quarta-feira, 22 de junho de 2016

Acordo não deixa claro as contrapartidas dos Estados – Editorial / Valor Econômico

O governo do Estado do Rio de Janeiro decretou um estranho estado de calamidade pública após reunião entre o governador interino, Francisco Dornelles, e o presidente interino, Michel Temer. A sombra da debacle fluminense pairou sobre a reunião do presidente com os governadores em Brasília, aonde se consagrou um esquema provisório para que nos próximos dois anos os Estados tenham um alívio no pagamento de suas dívidas com a União. É pouco para o Rio que, ao lado do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, têm as piores relações entre dívidas e receita corrente líquida e poderão receber alguma ajuda extra do governo federal.


O acerto faz o Tesouro se privar de receitas de R$ 50 bilhões, sendo R$ 20 bilhões em 2016. A conta é apenas um pouco maior do que a que baseava a proposta feita pela equipe da presidente afastada Dilma Rousseff, que continha o alongamento por 20 anos das dívidas estaduais com a União e por 10 anos nos débitos com o BNDES, com um desconto de 45% do pagamento mensal por dois anos. O acordo fechado anteontem prevê seis meses de carência e uma escada descendente, a 5,5% a cada degrau, até julho de 2018.

Problema previsível, o alívio para essas dívidas foi computado, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no déficit de R$ 170,5 bilhões reestimado para o ano, que acolheu também um aumento generalizado de salários dos servidores públicos de R$ 67,7 bilhões. Em uma difícil interinidade, o governo de Michel Temer tem sancionado as despesas que surgem para evitar contratempos e obter apoio político.

A bancarrota econômica do Estado do Rio teve de ser acomodada politicamente na negociação. O governo vai liberar R$ 2,9 bilhões para que o país não faça feio na Olimpíada e o expediente encontrado, aparentemente de comum acordo, foi o estado de calamidade pública. Não houve desastres naturais, porém, que dessem fundamento à medida. A catástrofe no Estado é puramente fruto da ação humana, da ruinosa gestão dos governos do PMDB, o partido do presidente Temer.

As receitas com royalties do petróleo foram consumidas irresponsavelmente. Não se previu reservas para eventuais tempos difíceis e a arrecadação foi despejada em gastos permanentes com a folha de pagamentos, cujo aumento atingiu 70% entre 2009 e 2015, segundo estudo da equipe anterior do Ministério da Fazenda, quase o dobro da média de 36% dos demais Estados no período ("Folha de S. Paulo, 21 de junho). As renúncias fiscais ajudaram a piorar bem a situação - são R$ 8,7 bilhões este ano. Um relatório não votado pelo Tribunal de Contas do Estado aponta que o Estado abriu mão de R$ 138 bilhões em benefícios fiscais a empresas entre 2008 e 2013, números que podem estar inflados e que a Fazenda estadual não reconhece como adequados ("O Globo", 8 de março). O fato incontestável é que a dívida fluminense quase dobrou em 5 anos, saltando de R$ 59 bilhões em 2010 para R$ 107 bilhões em 2015.

O ex-governador Sérgio Cabral e o atual, afastado por motivos de saúde, Luiz Antonio Pezão, frequentaram as páginas policiais tanto por suspeitas de favorecimento de empreiteiras como pelas de cobrança de propinas, deixando rastros captados pela Operação Lava-Jato. Juridicamente, o mais encrencado e legítimo representante do PMDB estadual é o deputado Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara, que pode em breve perder o mandato e a liberdade.

A solução encontrada pelo governo Temer para atender os Estados foi aparentemente mais generosa do que a proposta pela equipe de Dilma quanto às condições para evitar sua recaída no poço financeiro tão logo a as contas deem sinais de reequilíbrio. É certo que o governo Dilma conseguiu destruir pilares importantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas propôs a proibição de contratações e reajustes, corte de cargos comissionados e outras medidas de contenção da folha de pagamentos.

O governo Temer colocou o dinheiro à frente das condições. Até agora não anunciou as contrapartidas dos Estados que não a limitação dos gastos pela variação da inflação e em princípio a privatização de estatais estaduais. Depois de escaparem, sob o governo Dilma, do rigor da LRF, os Estados apresentaram demandas cuja recusa implica a piora de serviços públicos já ruins. Diante de graves fatos consumados, a União teria mesmo de negociar saída para a situação. Mas os Estados não podem ficar sem amarras, um sinal certo de problemas no futuro.

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