sábado, 2 de julho de 2016

Confusão vai desestimular "eurocéticos'', diz Bauman

Por Helena Celestino – Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

RIO - Ele não consegue ouvir direito por telefone e a artrite o faz sofrer. Mas o sociólogo Zygmunt Bauman, de 90 anos, rapidamente aceitou responder por escrito às perguntas sobre o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. "Só não sei fazer previsões." Ele diz acreditar que a confusão pós-referendo, ao menos no início, será a melhor trama contra os eurocéticos. Do tumultuado momento, tem a convicção de que as forças do "establishment" britânico deram um tiro no pé e estão saindo desacreditados de um teste "idiota". Importante pensador da modernidade, Bauman é polonês, mas vive no Reino Unido desde 1972 e não levou susto com o voto a favor do Brexit. De olho sempre grudado no mundo contemporâneo, o sociólogo - que tem mais de 30 livros publicados no Brasil pela Zahar - lançou há pouco no exterior "Strangers at Our Door", sobre a relação dos europeus com imigrantes.

Valor: O que a União Europeia pode fazer para não perder novos Estados-membros?

Zygmunt Bauman: Espero e acredito que essa confusão na qual a aventura Brexit jogou e jogará ainda mais o Reino Unido - não por muito tempo unido - vai provar ser a melhor trama para desestimular os que apoiam os "eurocéticos" nos outros membros da União Europeia.

Valor: Como interpreta o voto pelo Brexit?

Bauman: O plebiscito foi uma rara e única oportunidade para expressar a raiva acumulada há tempos contra o "establishment" como um todo, contra aqueles que sempre descumprem as promessas. Nesse plebiscito, todas as forças do "establishment" estavam do mesmo lado e os eleitores puderam manifestar a indignação, desgosto e ressentimento contra a "ordem (mais para desordem) das coisas".

Valor: Também acha que foi uma revolta dos "perdedores" da globalização contra a elite?

Bauman: Esse voto foi dado pelos milhões de britânicos deixados para trás ou com medo de isso acontecer com eles sem aviso. Foi dado pelas vítimas do mercado de trabalho desregulamentado e das forças financeiras sem travas. Foi provocado pelo imprudente aumento da desigualdade, pela multiplicação dos perdedores, pela insegurança de parte cada vez maior de uma classe média antes autoconfiante.

Valor: O nacionalismo e as fronteiras estarão de volta por algum tempo na Europa?

Bauman: Por cortesia da globalização e a decorrente separação entre poder e política, Estados estão virando pouco mais que bairros ampliados e confinados por fronteiras vagamente delineadas, porosas e fortificadas de forma ineficiente. Esses pequenos Estados guardaram ciumentamente o inalienável poder de separar "nós e eles". É isso o que estamos vendo hoje.

Valor: A ordem do pós-guerra, imposta pelos EUA e seus aliados, está se desfazendo?

Bauman: Esta "ordem" pós-1945 desfez-se irremediavelmente com a queda do Muro de Berlim. Desde então, os EUA tentaram repetidamente substituí-la pela "pax americana". Falharam abominavelmente. No momento, vivemos num "multicentro" com nenhuma força à vista capaz de sozinha ou em grupo tentar honestamente botar alguma ordem. Ulrich Beck [1944-2015], um dos maiores pensadores do século passado, proeminente por um insight sobre como o futuro tomaria forma, disse que vivemos já de maneira cosmopolita, mas estamos longe de desenvolver conhecimento cosmopolita. E digo, longe também de criar instituições capazes de lidar com esse cosmopolitismo.

Valor: A Europa fracassou na crise dos refugiados, e esta foi uma das razões para o Brexit. Existe um equilíbrio possível entre a obrigação moral de receber os refugiados e as resistências políticas?

Bauman: Acabei de lançar "Strangers at Our Door", em que falo disso. Estrangeiro em nosso meio é um problema universal, aparece sempre e assombra todos os setores da população com mais ou menos a mesma intensidade. Em áreas urbanas densamente populosas, o estrangeiro gera impulsos contraditórios. De um lado, a "mixofilia", a atração pela diversidade, por causa dos prazeres com experiências inexploradas, aventuras e descobertas. De outro, "mixofobia", a fobia causada pelo desconhecido, o indomável e o incontrolável. O primeiro impulso é uma das principais atrações da vida na cidade. O segundo, ao contrário, é visto como um perigo assustador, especialmente aos olhos daqueles com menos recursos. Os ricos e privilegiados têm acesso garantido às "comunidades muradas" para se isolar do desconforto, da perplexidade, do tumulto e do barulho das multidões nas ruas das cidades. Os mais pobres acham que não são capazes de se desviar das armadilhas e emboscadas do ambiente urbano e se sentem expostos às hostilidades e perigos.

Valor: Esse é o medo explorado por políticos?

Bauman: Segundo o "Guardian", 40% dos europeus citam a imigração como o principal problema da União Europeia. Menos de um ano antes, eram só 25%. Um a cada dois britânicos cita a imigração como problema. Essa mentalidade e as emoções que suscita são terrenos férteis para políticos em busca de eleitores. Cada vez menos, resistem a explorar essa ansiedade causada pela chegada de estrangeiros, o medo de ver os salários diminuírem ainda mais e de cresceram as abomináveis filas de desempregados em busca de empregos escassos. Poucos políticos já eleitos ou em campanha resistem à tentação de explorar essas emoções do cidadão. É muito humano o hábito de culpar e punir o mensageiro, eles trazem a mensagem das apavorantes forças globais que causam incerteza existencial.

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