quarta-feira, 13 de julho de 2016

Loja de conveniência - Rosângela Bittar

• Uma gente sem o physique du rôle exigido para o cargo

- Valor Econômico

À sua preferência: o presidente da Câmara é um maestro que não agita as mãos para exercitar os músculos. Ou é um porta-estandarte. Em qualquer caso, um líder. O que não há, na Câmara, hoje, é esse líder. Um deputado que represente os sentimentos de um grupo. Não há partido com força interior para formá-los. Há blocos do eu sozinho: o sujeito pega o cartaz, se fantasia de qualquer coisa e desfila seu carnaval individual.

Ninguém representa o eleitorado, ninguém representa a Câmara. É um fenômeno que aquilo funcione. Em situação parecida, antes, sempre aparecia alguém especial para levantar o moral, empunhar o estandarte e, em pouco tempo, inspirar a Câmara a sair do impasse.

O deputado deixou de ter um mandato popular. Instituiu-se uma atividade, a própria de deputado federal. Ele deixou de ser representante. Não é sequer uma profissão, é um emprego que, na imensa maioria dos casos, o interessado cava com as próprias mãos.


Não existem termos de comparação com a dramaticidade das lacunas de hoje, mas é didático olhar para trás e ver Nereu Ramos, vocacionado para o papel. Tinha o physique du rôle, a impregnação do ritual. A memória recente aponta Ulysses Guimarães, um professor primário gigante na condução da Câmara, da Constituinte e do PMDB, tudo ao mesmo tempo.

Mais recentemente ainda, Aécio Neves, que quando pleiteou a função, por sua juventude e inexperiência, além de transgressor dos acordos de revezamento partidário, chocou pela pretensão, mas a representatividade e um partido forte a sustentar sua liderança o salvaram.

Michel Temer mesmo, por três vezes presidente da Câmara, com um partido de grande capilaridade e uma formação constitucionalista sólida. Até quando se precisou de uma sucessão de emergência, como agora é necessária, foi possível encontrar Aldo Rebelo, com lastro acadêmico e liderança nos segmentos de esquerda e no movimento estudantil, revelando-se depois um líder e melhor articulador político dos anos do PT no poder, a que seu PCdoB foi eterno aliado. Tudo isso conta, e muito. Não houve ninguém sem eira nem beira.

Dificilmente surgiria, em condições normais, um presidente da Câmara sem tradição de liderança, saído do nada para coisa alguma.

O emprego pelo emprego.
O presidente da Câmara define qual o projeto de país a Casa vai eleger como horizonte, o que os representantes do povo vão votar e como definir o destino dos seus representados, como os partidos dividirão o poder e a força e, sobretudo, exercita a justiça e o bom senso nas suas decisões.

É o presidente quem impede a balbúrdia vazia, quem corta aquele que abusa do direito parlamentar, quem contém a obstrução ilegítima e respeita a obstrução legítima. A sinfonia corre rápida ou lenta a depender dos seus movimentos.

Presidentes da Câmara são respeitados por todos, maioria e minoria, e devem respeitar a todos, promover a convergência, o equilíbrio.

O que o candidato ao emprego pensa que vai ganhar, objetivamente, se não atende aos quesitos expostos? Provavelmente a substituição do presidente da República no momento de alguma viagem internacional, casa, comida e roupa lavada, alguns assessores e o poder de votar ou não votar o que quer o governo, a barganha, seu cacife para os negócios.

Os numerosos candidatos da disputa do momento, para um mandato de sete meses, fazem mesmo uma confissão de fraqueza. Acham que não conseguem a glória de um mandato completo, em fevereiro de 2017, mas uma interinidade de sete meses será fácil, como uma loteria bem vinda. Querem o cargo para deleite pessoal, uma vez que não lideram ninguém. Ou para usufruir de mordomias por seis meses; ou para influir no impeachment.

Sim, essa é uma grande questão. A eleição para a presidência da Câmara está sendo vista também como o último recurso dos que são contra o impeachment, uma forma de criar um fato novo para ver se salvam os seus.

O número de interessados a disputar hoje a eleição pode chegar a 20. Até ontem eram oito a dez os candidatos oficiais, e seis os semi-lançados, esgueirando-se pelas bordas até o clareamento do quadro.

Há nomes como Gaguim (PTN) Ramalho (PMDB), Giácobo (PR), Pinato (PP), Cristiane (PTB), Evair (PV) Manato (SD), Mansur (PRB), Rosso (PSD), Castro (PMDB)... Conhece?

É tão evidente o modelo que inclui razões extra-institucionais que Marcelo Castro, por exemplo, lançou-se candidato do PMDB antes de a bancada do partido ter candidato oficial, o que só aconteceu ontem. Venceu, por 28 votos contra 18, a escolha a posteriori. Portanto, venceram o PT, Lula e Dilma Rousseff, seus padrinhos, foi derrotada a tese do impeachment.

Apresentou-se para ser apoiado pelo PT e por Dilma, que procuravam alguém contra o "golpe". Ministro da Saúde, recusou-se a deixar o governo Dilma quando seu partido rompeu. Saiu para votar contra o impeachment e contra o PMDB que estava assumindo a Presidência. No elenco apresentado até agora é o maior, senão o único, candidato aliado ao PT à presidência da Câmara para o mandato curto de sete meses, uma conquista da defesa de Dilma na luta contra o impeachment, que deixará Temer com a faca no pescoço até o fim do ano. Não há dúvidas de que Castro fará tudo o que o governo Temer não quer e protelará o que o governo quer.

Quase expulso do PMDB por descumprir decisões coletivas, o deputado está sempre a defender saídas que o favorecem. Conquistada a presidência da Câmara, se Castro vencer, Dilma abre uma perspectiva inédita para voltar ao cargo, Temer fica à mercê de uma admissibilidade de seu próprio impeachment e o PT com uma possível reconstituição da base para governar.

Se tudo ruir, se é que há algo de pé, haverá sempre o vice-presidente da Câmara. Waldir Maranhão (PP) está no cargo, poderá substituir qualquer um a qualquer momento, no perfeito figurino da moda: não renunciou quando o partido assim o decidiu, votou contra a orientação partidária ao recusar o impeachment, revogou o voto de 367 deputados ao anular o impeachment quando assumiu a presidência para atender ao apelo do advogado de Dilma, em seguida voltou atrás e cancelou o cancelamento. Não realizou sessões, ficou brincando de cabra cega com a política.

Errático por natureza, dado a cenas de esquisitices, quando se tranca para não cumprir agenda, Maranhão está mais próximo do pitoresco. Não se imagina Maranhão regendo os violinos da orquestra, muito menos para pronunciar a abertura da sessão. Mas está no padrão.

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