quarta-feira, 13 de julho de 2016

O Orçamento do atraso – Editorial / O Estado de S. Paulo

Pizza pode ser um grande símbolo político. A margherita foi inventada – com as cores verde, vermelha e branca, do manjericão, do molho de tomate e do queijo – como homenagem à rainha Margherita di Savoia. Em pizza, no Brasil, é como terminam, quase sempre, os inquéritos parlamentares, sob influência do corporativismo e do interesse comum na segurança do mandato. Também uma pizza grande, cara e de muitos sabores é o Orçamento-Geral da União, partido e repartido em pedaços de vários tamanhos para atender a muitos interesses particulares, numa festança financeira, e, se algo sobrar, até ao interesse nacional. Essa tradição é reafirmada, agora, com a tentativa do relator-geral da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), senador Wellington Fagundes (PR-MT), de impor um custo para aceitar a nova meta fiscal proposta pelo Executivo.

Para ajustar o projeto da LDO aos novos números, o relator pretende acrescentar R$ 2,4 bilhões às despesas. A maior parte do gasto adicional seria destinada às emendas impositivas, aquelas imunes ao bloqueio pelo Tesouro durante o exercício fiscal.


Os outros R$ 800 milhões engordariam a verba paga aos Estados para compensar a desoneração das exportações de produtos básicos e semielaborados. Desde a aprovação da Lei Kandir, na década de 1990, os governos estaduais ganham essa compensação para livrar do ICMS aquelas exportações. A Lei Kandir deveria ter durado pouco tempo e aquela transferência seria extinta depois de alguns anos. A obrigação imposta ao Tesouro Nacional, porém, passou a ser parte da rotina orçamentária – mas isso é outra história. A obrigação remanescente acrescentou-se, enfim, ao bolo da barganha anual entre parlamentares e Executivo federal.

Se a fatura imposta pelo senador for paga, as emendas imunes a bloqueio passarão de R$ 4,8 bilhões para R$ 6,4 bilhões. O valor pode parecer pequeno, como parcela do Orçamento, mas qualquer aumento de gasto é em princípio inconveniente, quando se projeta um déficit primário de R$ 170,5 bilhões e a dívida pública avança na direção de 80% do Produto Interno Bruto (PIB).

Além disso, a qualidade da maior parte das emendas é bem conhecida e integra, há muitos anos, o folclore da política brasileira. Parlamentares e bancadas estaduais costumam apresentar emendas de interesse meramente clientelístico e local, como se fossem vereadores com mandato federal. Ocasionalmente as despesas propostas podem ter alguma importância, mas têm o defeito congênito de ser descoladas de qualquer princípio de prioridade nacional.

Desse ponto de vista, são inegável desperdício, porque tornam menos eficiente o uso de recursos públicos. A maior parte dos projetos caberia mais adequadamente em orçamentos municipais ou estaduais.

Jogos desse tipo revelam duas atitudes muito comuns em Brasília – muito mais comuns do que em outras capitais políticas de países com tripartição de poderes. Primeira: a incapacidade de pensar em termos de interesse nacional. Não só na forma de tratar o Orçamento, mas também nas discussões de temas de alcance muito amplo, como o sistema tributário ou a política de comércio exterior, a visão provinciana e de muito curto prazo tende a prevalecer.

Segunda: o Tesouro Nacional é único, mas tende-se a conceber a independência dos poderes como independência para gastar. Além disso, atribui-se a responsabilidade pela saúde financeira do Estado somente ao Executivo. Todos têm o direito de gastar, mas só o presidente e sua equipe são responsáveis pelo equilíbrio fiscal.

Nas democracias ocidentais, a sujeição das finanças públicas ao Parlamento foi um meio de regular os gastos. Controlar o poder do rei para entrar em guerras foi um dos objetivos iniciais, mas limitar a necessidade de impostos para sustentar o governo também foi uma forte motivação. Os primeiros países a entrar nesse caminho se tornaram ricos e poderosos. O Brasil ainda espera o futuro. Enquanto isso, danem-se as finanças públicas.

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